Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, março 30, 2017

Carlos Alberto Sardenberg Reestatizar o Estado, privatizar a empresa privada

Reestatizar o Estado, privatizar a empresa privada


Reestatizar o Estado, privatizar a empresa privada

As empresas privadas, em grande número, mas grande mesmo, só funcionam com benesses do governo

Além das reformas em andamento, ou ao lado delas, é preciso aplicar duas políticas de âmbito nacional: uma é reestatizar o Estado, outra, seu reverso, privatizar a empresa privada.

O jornalista Rolf Kuntz, do "Estadão", chamou a atenção para a primeira delas em coluna no último dia 26. Está na rede, mas eis dois exemplos contrários ali citados. A Petrobras, com Pedro Parente, foi reestatizada depois do assalto privado e partidário das gestões petistas. Já os órgãos de controle sanitário do Ministério da Agricultura, apanhados na Carne Fraca, estavam obviamente privatizados. Por aí o leitor tem uma boa ideia do que se está falando.

O reverso da história é a privatização da empresa privada brasileira ou, se quiserem, a privatização do capitalismo.

Considerem a Vale, privatizada em maio de 1997. Nesta semana, foi indicado o seu novo presidente, Fabio Schvartsman, um executivo do primeiro time no setor privado. Sinal claro de aprovação geral: as ações da Vale subiram.

Mas houve envolvimento político, outra vez. Ocorre que o governo federal está no bloco de controle da Vale, por meio do Banco do Brasil e de fundos de pensão de estatais, junto com o Bradesco. Claro que, do ponto de vista formal, nada ocorre sem o entendimento dos parceiros, o público e o privado. Mas o peso do governo vai além do número de ações que possui.

Vai daí que, na escolha do novo diretor-executivo da Vale, o presidente Temer conversou com o senador Aécio Neves. Outro detalhe: a empresa de mineração, embora tenha negócios no Brasil e no mundo, é mineira de coração, digamos assim. Daí, neste governo, a participação de Aécio. Ao mesmo tempo, bancadas de partidos políticos e candidatos ao posto buscavam apoios e lobbies em Brasília. Mas nessa turma, ninguém emplacou ninguém.

De sua parte, Aécio foi conversar com Arminio Fraga, uma unanimidade positiva nos meios econômicos, que topou participar do processo desde que fosse para, de fato, privatizar a Vale. Não falou com essas palavras, mas o sentido era esse: entraria na história se fosse para indicar um nome de mercado, para impor na Vale uma gestão independente.

Tendo essa garantia, indicou o nome de Fabio Schvartsman, que havia feito ótimo trabalho na Klabin. E Aécio o levou até o presidente Temer.

De outro lado, a Vale havia contratado a empresa Spencer Stuart para selecionar seu novo presidente. E Schvartsman foi indicado pelo head hunter.

Se foi colocado na lista por Aécio e Temer ou se a empresa chegou a seu nome paralelamente, e por coincidência, não importa mais. O fato é que resultou uma indicação técnica, com respaldo político.

Diz o senador Aécio Neves: "Ter aval político não desmerece Schvartsman". De fato.

Mas é fato também que os dois últimos presidentes da Vale, Roger Agnelli e Murilo Ferreira, caíram quando perderam o apoio do governo federal. Agnelli, por exemplo, foi atacado por Lula por dirigir a companhia como se ela fosse... privada e independente.

Digamos que Lula volte em 2018. Ou alguém de seu lado. Schvartsman e Pedro Parente seriam derrubados? Poderia acontecer, não é mesmo? Mais, seria provável.

O que demonstra o ponto inicial: nem o Estado está estatizado, nem o privado, privatizado. Hoje, a boa ou má gestão das estatais depende da qualidade da escolha do governo de plantão. E as empresas privadas, em grande número, mas grande mesmo, só funcionam com benesses do governo.

Nesta semana, por exemplo, empresários de peso foram a Temer reclamar da presidente do BNDES, Maria Silvia Marques, que, como Parente, é executiva de reconhecida competência. Ela estaria segurando crédito — crédito que o governo anterior distribuiu tão ampla quanto irresponsavelmente.

Pois é, em vez de apresentar balanços e projetos saudáveis, foram reclamar com o presidente da República.

Os controladores da Vale, incluído o governo, colocaram em marcha um processo para torná-la uma companhia pública, com ações pulverizadas e, portanto, sem dono definido. É boa medida.

Assim como seriam boas medidas que garantissem escolhas técnicas e profissionais para cargos que exigem isso no governo e nas estatais. Fiscal sanitário não pode ser indicação política, nem diretor de escola ou presidente da Petrobras.

Argumenta-se: o partido que ganha a eleição tem que dispor dos instrumentos para aplicar a sua proposta política. E existe boa política.

Tudo verdade. Mas o vencedor não precisa nomear mais de cem mil correligionários pelo país afora. Nem pode colocar o governo a serviço do partido e de determinadas empresas.

São urgentes mecanismos institucionais que garantam um Estado público e um capitalismo privado.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista



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domingo, março 26, 2017

À luz da História | Merval Pereira - O Globo

À luz da História | Merval Pereira - O Globo


À luz da História | Merval Pereira - O Globo

À luz da História

por Merval Pereira

A Operação Lava Jato, que completou 3 anos, "é uma promessa de ruptura", analisa o cientista político Octavio Amorim Neto, professor da EBAPE/FGV do Rio, em trabalho publicado no mais recente boletim macro da Fundação Getulio Vargas, sob o título "A Lava Jato sob a luz da História".
Ele destaca que "conciliação e a ruptura radical são padrões de mudança característicos da política brasileira". A história nacional, segundo Oliveira Vianna, pode ser tanto um "museu de elites" como um cemitério destas, lembra Octávio Amorim Neto, o primeiro padrão associado a mais estabilidade e menos violência do que o segundo, porém, "ao preço de maior conservantismo".
Para ele, a Operação Lava Jato, "a mais abrangente investigação de corrupção jamais vista no país, e que já levou à cadeia membros das elites política e empresarial – algo sem precedente no Brasil – é uma promessa de ruptura".
Se todos os grandes partidos – isto é, PMDB, PT e PSDB – se virem duramente alvejados e forem decisivamente derrotados na eleição presidencial e nos pleitos parlamentares de 2018, e se houver uma renovação de mais de 3/4 do Congresso, "estaremos diante de um novo cemitério, o fim da classe política que assumiu o poder em 1985".
Na verdade, muito do que se deseja da Lava-Jato deve ser ponderado, analisa Octavio Amorim Neto, por uma avaliação realista do(s) sentido(s) da história política brasileira. O primeiro fato fundamental a ser registrado é "a ausência de mudanças genuinamente revolucionárias em nossa história".
O Brasil, lembra o cientista político da FGV Rio, jamais experimentou qualquer processo semelhante às grandes revoluções do mundo moderno e, "para nos cingirmos à nuestra América Latina, nunca tivemos nada semelhante à Revolução Mexicana de 1910".
Ele dá vários exemplos de mudanças causadas por rupturas ou por conciliação na História do país, a partir da independência nacional em 1822, que ele vê como "fruto muito mais de duras negociações com Portugal e a Grã-Bretanha do que de um verdadeiro levante nacional contra o jugo colonial lusitano". Na metade do século XIX, o experimento político que viria a estabilizar o regime imperial foi precisamente chamado de "Gabinete de Conciliação" (1853-1856), chefiado pelo Marquês do Paraná.
O fim da monarquia e a implantação da república, todavia, foram uma ruptura, fruto de um golpe de Estado que engendrou uma década de tempestades políticas e econômicas. A Revolução de 1930 foi outra ruptura que levaria a grandes transformações, mas ao preço de uma guerra civil (a chamada Revolução Constitucionalista de 1932) e do fim das liberdades políticas a partir do estabelecimento do Estado Novo em 1937.
Em 1945, o Estado Novo caiu pelas artes de um golpe militar sem sangue, que resultou na nossa primeira experiência democrática, o regime da Carta de 1946, sob o qual os insiders da Era Vargas – os interventores estaduais, o sindicalismo e as Forças Armadas – continuaram a ser integrantes fundamentais da classe política.
O regime militar iniciado em 1964 foi outra ruptura radical, uma vez que significou o rompimento do modo tradicional de intervenção "meramente" saneadora das Forças Armadas na política nacional. A classe política civil que se organizara na segunda metade da década de 1940 em torno de PSD, UDN e PTB foi alijada do centro do poder nacional. Mais uma vez, uma década de violência seguiu-se à fundação da nova ordem política.
Contudo, a transição do regime militar para a democracia instaurada em 1985 foi feita de forma "lenta, gradual e segura". Aqui a conciliação prevaleceu, sendo uma das principais bandeiras da candidatura presidencial vitoriosa de Tancredo Neves em 1984.
Sob a primeira administração da Nova República, liderada por José Sarney, as Forças Armadas mantiveram ampla autonomia e várias prerrogativas. E desde então, aqueles que haviam sido os sócios civis dos militares – organizados sob diversas siglas como ARENA, PSD, PFL e PP – têm tido um lugar não desprezível nas coalizões governativas.
O cientista político lembra que "amplos setores da opinião pública querem a ruptura que promete a Lava-Jato", mas adverte que "a realidade poderá ser consideravelmente diferente".
Uma ruptura "poderá ser o alvorecer de um novo regime e de um novo modo de fazer política". Mas a morte da atual classe política e do sistema partidário por ela organizado "poderá ser a antessala de uma década de grande instabilidade, a qual receberá muita ajuda de Trump, Brexit et caterva".
        Octavio Amorim Neto destaca que "essa transição pacífica e conciliatória está na raiz do mais longevo regime democrático que jamais teve o país, que completou 32 anos no dia 15 de março do ano corrente".
 



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quarta-feira, março 01, 2017

Descobrindo a velhice zuenir ventira

Descobrindo a velhice


Descobrindo a velhice

geral

Descobrindo a velhice

por Zuenir Ventura, O Globo

Zuenir Ventura, O Globo

Como não brinco o carnaval, brinquei de registrar alguns sinais que o passar do tempo, cada vez mais rápido, deixa na gente. São flagrantes da série sobre a descoberta da velhice. Ei-los:

— Você descobre que está ficando velho quando já é há muito tempo e acha que "está ficando".

— Você percebe que está velho quando se lembra da época em que acompanhava desfiles de escola de samba em pé, na beira da pista, durante 14 horas seguidas, e hoje cochila vendo pela televisão já na primeira meia hora de transmissão.

— Você desconfia que seu gosto envelheceu quando acha "La la land" engraçadinho, mas meio chatinho, e quase todo mundo adora, inclusive Elio Gaspari.

— Você tem certeza de que sua opinião não vale mais nada quando se escandaliza com a violência selvagem dessas lutas de MMA, agora para mulheres também. Gostaria de saber o que as neofeministas acham desse empoderamento. São brigas ferozes que atraem milhares de pessoas aqui e lá fora para aplaudir rostos deformados por socos e pontapés, e para depois reclamar da "insuportável violência urbana no mundo moderno".

— Você suspeita que está mais pra lá do que pra cá quando alguém, com certeza esperando o pior, te olha e, surpreso com o que está vendo, diz em tom de consolo: "Mas você está muito bem!"

— Você sabe que está démodé não só por usar essa palavra, mas também por não concordar com a visão dos mais jovens de que o Brasil está conservador e careta em termos de costumes, enquanto debatem e até mostram suas intimidades na internet e na televisão. Querem muito mais do que apenas discutir, por exemplo, quanto tempo o homem leva para uma segunda rodada na cama. Querem demonstração prática.

— Você se sente um objeto não identificado, quando nos acham estranhos porque nascemos antes do e-mail, do WhatsApp, do Facebook, do Twitter, da comida congelada, da penicilina, das fraldas descartáveis, da Gisele Bündchen, do cartão de crédito, da pílula, das canetas esferográficas, do radar, das máquinas de lavar pratos e das equipes econômicas, que nos consideram improdutivos.

— Em compensação, você acha que valeu a pena chegar à velhice ao ouvir seu neto Eric, de 4 anos, discorrer sobre a importância da "Lua no sistema sideral". E assistir à sua irmã, Alice, de 7 anos, anunciar que está escrevendo um livro e, mesmo antes de terminá-lo, querer saber como faz "para entrar na Academia" — não a de ginástica, mas a Brasileira de Letras.

Zuenir Ventura é jornalista



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