Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 01, 2015

Rodrigo Constatino Fim de papo

O Globo

Patrulha demonstra um grau de intolerância com as divergências diametralmente oposto ao grau de tolerância que alega defender

George Orwell descreveu em “1984” o inferno que seria viver num mundo dominado pelo “Grande Irmão”, com um Estado onipresente que invade até nossos sonhos para controlar nossos pensamentos. O que ele não poderia ter previsto é um mundo dominado não por um, mas por milhões de “pequenos irmãos”, todos atentos a cada comentário nas redes sociais, para verificar se estamos seguindo de perto a cartilha do politicamente correto.
Essa patrulha demonstra um grau de intolerância com as divergências diametralmente oposto ao grau de tolerância que alega defender. Os patrulheiros falam em nome das “minorias”, desejam salvar o planeta, combatem todo tipo de preconceito e amam todos, desde que se encaixem exatamente no perfil “correto” que eles mesmos possuem. Desviou uma vírgula, fogo no herege!
Em “End of Discussion”, Mary Katherine Ham e Guy Benson mostram como essa postura está matando o livre debate de ideias nos Estados Unidos, nação formada com base no amplo respeito à liberdade de expressão. Com inúmeros casos reais, eles demonstram que essa patrulha, quase sempre da esquerda, cria um ambiente de intolerância que leva cada um a adotar a autocensura para não cair em desgraça se fizer um comentário infeliz.
Os indivíduos razoáveis preferem muitas vezes ficar de boca fechada sobre assuntos mais controversos para evitar a fúria de uma minoria raivosa e organizada, que consegue intimidar eventualmente até uma maioria silenciosa. Trata-se de uma polícia do pensamento cada vez mais agressiva, que não mede esforços em rotular com adjetivos nefastos aqueles que discordam de sua seita.
Ninguém gosta de ser chamado de racista, reacionário, preconceituoso, especialmente aquele que não é nada disso. Por esse motivo, a tática funciona. Xingar um canalha de canalha não surte o efeito desejado, pois ele, sendo canalha, não liga. Mas acusar alguém de “homofóbico”, por exemplo, por ter sentimentos desconfortáveis com a ideia de jogar no lixo a instituição milenar do casamento tradicional, isso irá, sem dúvida, lhe incomodar.
O medo de ser ridicularizado ou ofendido publicamente poderá impedi-lo de se expressar e de travar um diálogo construtivo acerca do tema polêmico. Alguns não ligam, ou possuem instrumentos de defesa, como blogs bastante acessados. Mas e aquele que apenas desejava expor sua visão aos amigos nas redes sociais e, de repente, se vê alvo de ataques furiosos da patrulha organizada? Sua tendência natural será recuar, calar-se para não ter que conviver com aquilo.
A internet ajudou a criar esse clima bipolar, maniqueista, que, por sua vez, politizou cada esfera de nossas vidas. Tudo passa a ser questão de partidos, e você deve escolher seu lado, ter opinião formada sobre cada assunto, por mais polêmico que seja. Não após muita reflexão e debates civilizados e honestos, mas de forma simplista: é contra ou a favor? E isso irá defini-lo como uma pessoa “do bem” ou “do mal”, do lado “correto” ou do lado “errado”.
É a cultura do “cala a boca” que deriva do monopólio das virtudes e fins nobres de um dos lados ideológicos. O ponto não é mais discutir de forma apaixonada sobre o que você defende ou acredita, e sim argumentar que o outro lado não deveria se manifestar. Ele é “ruim” em suas intenções, “malvado”, e não deve ter direito de ser sequer oferecido como uma visão alternativa.
Mas quando todos vivem como se estivessem eternamente em campanha, de olho nas “curtidas”, então cada um irá agir como um político, mais cínico, atento ao que o outro lado quer ouvir, em vez de falar o que realmente pensa, como um ator mascarado. Cada um de nós será um ativista, um militante 24 horas por dia, observando se os amigos estão defendendo as causas “certas” ou se estão se desviando para o lado do “mal”. É algo cansativo e até insuportável para a maioria.
Há uma máquina demagógica em curso que atira para matar em seus oponentes. Qualquer um que já experimentou defender publicamente bandeiras mais conservadoras sabe disso. “Fascista!”, gritam aqueles que se parecem com os “camisas negras” italianos sem nem se dar conta disso. “Reacionário intolerante!”, bradam as “almas bondosas” que, se poder tivessem, usariam uma guilhotina para encerrar o assunto logo de uma vez, como fizeram seus antecessores jacobinos.
Outra vítima desses jacobinos modernos é, claramente, o humor. Piadas inteligentes, ironias, leveza, nem tente isso com os cruzados politicamente corretos. Eles preferem te eliminar a rir das coisas complicadas da vida. Você é um insensível, um monstro. E fim de papo!
Rodrigo Constantino é economista e presidente do Instituto Liberal

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