Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 12, 2014

Celso Ming O gato de Schrödinger

O gato de Schrödinger - economia - versaoimpressa - Estadão
Quem ouve as entrevistas de algumas autoridades brasileiras da área econômica corre o risco de achar que este é um dos países avançados em física quântica.


Pois, em física quântica, tem o gato de Schrödinger. Em famoso debate com Albert Einstein, em 1935, o físico austríaco Erwin Schrödinger propôs um experimento em que um gato estaria vivo e morto ao mesmo tempo. (Para explicações pormenorizadas, confira no Google.) E a mesma física quântica apresenta o Princípio da Incerteza, formulado em 1927 pelo físico alemão Werner Heisenberg, segundo o qual o observador nunca consegue determinar a posição exata de uma partícula subatômica, porque ele próprio altera a posição do objeto.

O ministro Guido Mantega, por exemplo, repete que a inflação é temporária e está sob controle, o que contraria a percepção das pessoas comuns que há meses se assustam quando vão à feira. Às vezes, Mantega também diz, como a partir de 2011, que a forte oferta de dólares no câmbio interno é o produto de uma guerra cambial promovida por grandes bancos centrais e deve ser revertida por subtrair competitividade à indústria dos emergentes. Outras vezes, como agora, o ministro sustenta que a forte entrada de dólares é bem-vinda porque ajuda a combater a inflação e já não sustenta que é coisa ruim, causada pela guerra cambial, ainda que a ação dos bancos centrais continue.

Mantega não é o único. O secretário do Tesouro, Arno Augustin, está sempre pronto a produzir fenômenos quânticos, especialmente quando se trata de calcular as contas públicas. Em síntese, as autoridades dizem que estão vendo uma coisa enquanto os demais estão vendo outra. Mais, ainda, em momentos diferentes, a mesma coisa é vista de outro jeito, como no caso da guerra cambial, que agora joga a favor.

Em política existem ainda dois princípios sobre como proceder diante de coisas ruins e de coisas boas. Velho procedimento determina, por exemplo, que as ruins devem ser escondidas e as boas, escancaradas. A ideia é sempre tirar proveito próprio do que acontece ou deixa de acontecer. Outro princípio de sabedoria política, enunciado pelo pensador Nicolau Maquiavel, é o de que o príncipe (o dirigente) deve fazer o mal de uma vez e o bem, aos poucos.

Quando não é claro ou escamoteia a realidade, o dirigente tenta reduzir um problema. Ao dizer que a inflação está sob controle e é suportável, não quer enfrentar o custo político do ataque às causas. Mas, quando admite que a distribuição à população de determinadas contas a pagar só ocorrerá depois das eleições, cria o problema de como isso se fará, se aos poucos ou se de uma vez. Pelo conselho de Maquiavel, é melhor que o atraso das tarifas da energia elétrica, dos combustíveis e dos transportes urbanos seja descarregado de uma vez. Mas já há quem avance que uma marretada assim provocaria vítimas demais. Daí por que melhor seria distribuí-las em marretadinhas sucessivas.

O problema adicional é que tudo isso cria incerteza, que não guarda simetria rigorosa com o princípio de Heisenberg. Para o empresário que planeja um investimento ou para o consumidor que tem em mente uma grande compra, fica difícil saber em que terreno estará pisando dentro de um ano. Nem que se aprofunde em física quântica.


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