Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, março 26, 2014

Aparelhar - ANTONIO DELFIM NETTO


FOLHA DE S. PAULO - 26/03

Tristes e lamentáveis notícias emergem dos descuidos da Petrobras na compra de uma refinaria no exterior. Desde sempre uma velha esquerda que namora a construção de uma economia centralizada, que ela pensa ser o "socialismo", o identifica com uma organização por meio de "empresas de propriedade do Estado".

O problema é que qualquer economista razoavelmente bem informado sobre a sofisticada discussão teórica dos anos 20/30 do século passado a respeito da possibilidade de se construir uma economia centralizada eficiente, sabe que não é possível organizá-la ("racionalmente") sem o uso das informações produzidas pelos "mercados". O colapso da URSS, depois de 70 anos de um desenvolvimento material sem atender à exigência básica do processo civilizatório, que é a mais completa liberdade de iniciativa individual, foi uma espécie de prova empírica do prognóstico teórico.

É claro que a organização da atividade econômica pelos "mercados" não é uma panaceia. Ela não funciona sem um Estado forte, constitucionalmente limitado e capaz de proporcionar-lhes as condições de eficiência. Entretanto, como disse o competente economista francês J.P. Fitoussi ("La Démocratie et le Marché", 2003), "o mercado é coisa séria demais para ser abandonado ao domínio da política". Um Estado inteligente --para seu próprio benefício e de seus constituintes-- deve dar aos "mercados" a oportunidade de cumprirem o seu papel.

Com relação à falácia que "empresa do Estado" é "empresa socialista", quero dar um depoimento. Em 1976, entusiasmado com a contribuição de J. Vanek sobre as virtudes da autogestão nas empresas dirigidas por trabalhadores na Iugoslávia, visitei algumas delas. Eram aparelhadas por trabalhadores inscritos no partido e formalmente "eleitos" para a sua administração.

O que me chamou a atenção é que um forte "espírito de corpo" os impedia de ver que elas eram tecnicamente ultrapassadas. Os investimentos eram poucos: mal repunham a depreciação do mesmo capital físico. Atendiam, às vezes, com contabilidade criativa, às demandas centrais. Para manter o sistema funcionando, quem detinha o comando acalmava seus eleitores com algumas vantagens, mas trabalhava para aposentar-se com o "pé-de-meia" que procurava fazer "por fora", em lugar de investir.

Não era visível nenhum compromisso com o futuro da empresa e muito menos qualquer problema ético em deixar uma sucata para a próxima geração. Infelizmente, tudo muito longe das virtudes teóricas do "modelo" de Vanek.

Ver qualquer semelhança nas lambanças da Petrobras, que até ontem foi politicamente aparelhada, com alguma empresa iugoslava dos anos 70 é, obviamente, pura maldade...

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