Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 25, 2013

Fé, esperança e caridade - VINICIUS TORRES FREIRE



FOLHA DE SP - 25/08

Governo espera que baixadinha do dólar desestimule empresários a elevar preços


GENTE DO GOVERNO ficou muito animada com o tombo do dólar na sexta-feira, cortesia do plano do Banco Central de oferecer oxigênio a quem estiver com a língua de fora por causa da desvalorização do real, o que por enquanto limita as oportunidades de especulação.

Esse pessoal do governo espera que, "com a volta de alguma racionalidade ao mercado", as empresas brasileiras se sintam menos inclinadas a repassar a alta de custos (devida ao dólar mais caro) aos preços de seus produtos. Uhm.

As empresas já estão repassando a alta de custos para os preços, não é lá muito segredo. Estão dizendo isso aos jornais. Está evidente nos índices de preços (de inflação). Trata-se aqui do passado, de altas de custos derivadas dos saltos do dólar da época das festas juninas, por assim dizer.

Por que não o fariam de novo, repassariam os custos para preços, com essa nova rodada de desvalorização? Porque a economia então estaria tão lerda que não haveria como encontrar consumidor para os preços novos, é elementar.

Não é difícil perceber que estamos numa situação "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come" no que diz respeito a inflação e juros. Afora acidentes e efeitos de tumultos externos, a inflação será um tanto menor ou subirá menos quanto mais lerda a economia, com o que a escalada dos juros em tese seria menor; e vice-versa.

A torcida do governo pela caridade empresarial corrobora a ideia de que o controle da inflação neste "ano-calendário" foi meio para o vinagre. Ora não há instrumento de política econômica (a não ser os doidivanas) capaz de controlar o efeito do dólar ou de outras pressões sobre preços.

Isso não quer dizer que a "inflação vai explodir". Quer dizer que a inflação pode escorregar de, digamos, 6% para 6,6% ao ano em dezembro mesmo que o governo e/ou Banco Central mexa direito os pauzinhos. A diferença em si mesma não seria enfim grande coisa, fossem outros os tempos e o ambiente, mas haveria um carnaval político.

A meta de inflação estourada desmoralizaria ainda mais a política econômica do governo e levaria a taxa de juros de volta a "dois dígitos", uma frase besta, mas que daria pano para a manga, pouco importando que a situação não estivesse muito melhor caso a Selic parasse em 9,75%. O ti-ti-ti do "descontrole inflacionário" causaria mais desânimo na praça, talvez talhando mais uns décimos de crescimento econômico pífio.

Resumo da ópera, o governo conta com a sorte e com o pacote do Banco Central a fim um tropeço adicional no curto prazo, que teria algum custo político-eleitoral.

Dado o tamanho da confusão e de incerteza, de São Paulo a Nova York, não é impossível que a alta dos juros americanos e, pois, a do dólar, deem para trás. É apenas bem improvável.

Isto posto, em vez de jogar suas fichas na mesa do cassino da finança e contar com a caridade empresarial, por que o governo enfim não antecipa um programa de política econômica mais racional? Sim, haveria custos, sociais e políticos. Porém, dado o tamanho dos estragos atuais, talvez pouca gente percebesse a diferença. Mas o governo acredita que o Brasil cresce 4% em 2014. Pode ser. É apenas bem improvável.

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