Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 21, 2013

Novo mundo - MIRIAM LEITÃO



O GLOBO - 21/07

Nunca mais a economia poderá ser pensada e planejada sem que a questão ambiental seja parte da equação; nunca mais o meio ambiente será apenas uma paisagem. E daqui para frente os debates sobre população terão sempre que ser feitos tendo como pano de fundo os cenários de mudança climática. Com essas certezas, desembarquei num debate semana passada.

Demógrafos da América Latina e Caribe reuniram-se no Rio para fazer o encontro regional preparatório dos 20 anos da Conferência das Nações Unidas Sobre População e Desenvolvimento, no Cairo. Foi no IBGE, e eu estive na mesa que unia os três temas - população, meio ambiente e desenvolvimento econômico. O cruzamento desses três olhares é instigante e ajuda a entender certos definitivos da vida.

No mesmo dia, nas minhas apurações para a coluna, consegui dados antecipados que mostram um avanço aterrador do desmatamento na Amazônia em junho, mês em que andei por lá e pude ver as toras mortas na beira das estradas em que trafegam, impunes, os madeireiros. Aquelas manchas dos sinais de satélites, capturados e processados por computadores em tempo real, não são uma abstração. Sei, de ver, que a derrubada da floresta continua.

Economista cético não entenderá os desafios econômicos dos próximos anos. Demógrafo que não entendeu os riscos humanos criados pela mudança climática será surpreendido pelos eventos extremos a que estará exposta a população.

A região conseguiu nas últimas décadas uma redução expressiva da pobreza. No Brasil, o núcleo mais duro da pobreza extrema está justamente no semiárido nordestino, local mais vulnerável aos efeitos da mudança climática. Há riscos de desertificação em outras áreas pobres da América Latina e Caribe. A longa seca do Nordeste este ano lembra que estão atrasadas as políticas de adaptação.

Na América Central e Caribe acumulam-se as evidências de que aumentarão as tempestades tropicais e outros eventos extremos determinados pelas mudanças climáticas. É preciso investir em prevenção de desastres.

O mundo precisará de água, biodiversidade, capacidade de produção de alimentos. A região tem tudo isso. Mas a América Latina não é um reservatório homogêneo de recursos naturais. Há os mais e os menos produtivos. O derretimento das geleiras do Peru e da Bolívia sustenta cenários de falta de água em Lima e La Paz, entre outras cidades. Os rios amazônicos passarão por volatilidades radicais. Já estão passando. Em 2010, houve a maior seca dos últimos 100 anos; em 2009, a maior enchente de que se tem notícia. Água demais e, depois, tempos de escassez exigirão entender melhor o novo regime hídrico. O princípio da precaução recomenda não encher a região de empreendimentos agressivos ao meio ambiente, nem aceitar o desmatamento.

A América Latina e o Caribe sofreram ao longo de sua história com um modelo de extração - em alguns casos, saques - das riquezas naturais, um projeto econômico deliberadamente concentrador de renda e um mal disfarçado racismo que opôs descendentes de europeus aos de origem indígena. No Brasil, entre brancos e negros. Tudo isso sempre foi imoral e hoje é disfuncional do ponto de vista econômico.

As mudanças demográficas - o número de filhos por mulher caiu de 6 para 2,1 em seis décadas - reduzirão os novos entrantes no mercado de trabalho. A desigualdade e a discriminação de qualquer natureza são um risco hoje até para as empresas e apequenam o mercado consumidor. Na economia do conhecimento, a educação não poderá mais ser relegada. O desenvolvimento econômico precisará da força dos cérebros. O modelo de saque desordenado das riquezas naturais e desprezo ao capital humano pode levar à perda de ativos que farão falta no novo mundo que se aproxima.

Claro que os países podem ignorar esses imperativos; os debates acadêmicos, perderem-se em questiúnculas; os administradores públicos, escolherem a insensatez, e os lobbies retrógrados, vencerem mais uma vez. Mas o preço a pagar pelos erros será maior agora.

Em 2004, quando o Brasil atingiu o segundo pior ano de desmatamento, 27 mil Km² (o primeiro foi 1995, com 29 mil Km²), começou uma ofensiva de defesa da floresta que derrubou essa taxa ano após ano. Mas, ainda assim, desmata-se todos os anos. Em 2012, foram 4,7 mil Km². Há o risco de voltar a piorar. Quem subestima esse risco, está desinformado.

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