Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, julho 24, 2013

Incenso e mirra - DORA KRAMER


O Estado de S.Paulo - 24/07

Quando esteve a primeira vez no Brasil, em 1980, João Paulo II falou das injustiças sociais, mas fez gesto de significado político importante para a época, último governo da era militar: esteve com trabalhadores no estádio do Morumbi e depois recebeu um grupo de sindicalistas, entre eles Luiz Inácio da Silva - o metalúrgico que liderava o renascimento do movimento sindical - e a viúva de Santo Dias, morto durante a greve do ano anterior no ABC.

Não politizou na fala e sim no ato de apoio aos que confrontavam a ditadura. Naquele contexto foi entendido como um mensageiro do respeito aos valores democráticos.

Agora vem o papa Francisco com a atitude correta no momento certo, em seu exemplo de despojamento, pregando na prática o resgate de princípios de conduta a serem adotados na aproximação entre líderes e liderados.

A autoridade, parece dizer ele em cada gesto, prescinde de pompa para atrair apreço e respeito. Ao contrário, quanto mais próximo estiver o representante - no caso dele, do Vaticano e da Igreja Católica, mais apreço receberá do representado.

O contraste das imagens de Francisco carregando sua maleta no embarque em Roma, fechando a porta do carro que o levou da Base Aérea do Galeão à Catedral Metropolitana, optando por acomodações sem luxo na residência da Arquidiocese do Rio, evidenciam o mau gosto e o caráter ofensivo da regalia e ostentação tão caras (estrito e lato sensos) a nossas excelências.

A diferença entre a estreiteza e a amplitude esteve marcada nos discursos do papa e da presidente da República no Palácio Guanabara. Francisco, o pastor, foi modesto: "Aprendi que para ter acesso ao povo brasileiro é preciso ingressar pelo portal de seu imenso coração. Por isso, permitam-me que eu possa bater delicadamente a essa porta. Peço licença para entrar e transcorrer essa semana com vocês. Não tenho ouro nem prata, mas trago o que de mais precioso me foi dado: Jesus Cristo". Falou de amor e fraternidade.

Dilma, a governante, foi soberba e inoportuna ao tentar absorver para si e seus aliados políticos (não era hora nem lugar de exaltar o "trabalho" de prefeito e governador) a boa atmosfera da visita papal, com um pronunciamento de exaltação aos feitos do governo federal aos quais buscou também associar ações da Igreja. Defendeu de novo a tese de que os protestos decorrem dos "avanços dos últimos dez anos". Falou de pretensão e egoísmo ao desconhecer esforços anteriores.

Uma falha cuja responsabilidade não está esclarecida deixou o papa por longos e aflitivos minutos cercado pela multidão no trajeto do aeroporto à catedral, mas produziu um episódio simbólico de que a convivência com o povo não necessariamente é perigosa.

Depende da qualidade do lastro que sustenta a relação. Francisco nada teme, não obstante seja dever do Estado brasileiro garantir-lhe a segurança sabendo compatibilizar o estilo dele ao manejo das circunstâncias de risco.

O destemor da proximidade já não se pode dizer que seja característica de nossas autoridades e figuras proeminentes da política, que não podem hoje dar um passo sem a proteção do protocolo ou do privilégio sem se arriscar a levar o troco (pelo descaso) na forma de desaforo.

Retrovisor. O PT brinca com fogo em suas escaramuças com Dilma Rousseff. Descontadas as diferenças entre personagens, em 2002 o PSDB interpretou que a perda de capital político do então presidente Fernando Henrique Cardoso não aconselhava a uma defesa contundente de seu governo na campanha eleitoral. O partido baixou a guarda, abriu espaço para o discurso da "herança maldita" e agora, que tenta resgatar o legado, sofre de déficit de credibilidade para dar o dito pelo não dito.

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