Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, maio 29, 2013

Muito barulho por pouco Josef Barat

Muito barulho por pouco

Josef Barat - O Estado de São Paulo 25/5/13

À semelhança da peça de Shakespeare, a discussão da Medida Provisória (MP) 595-A, que visa a disciplinar a exploração direta e indireta de portos e instalações portuárias, teve muita conversa e muitas idas e vindas. Parlamentares esgrimiram com palavras (nem sempre elegantes) para, ao fim e ao cabo, aprová-la com muito barulho por pouco.
Na verdade, houve alguns avanços na concepção do novo marco regulador. Primeiro, a possibilidade de os terminais privados situados fora dos chamados portos públicos operarem cargas de terceiros. Outra inovação: liberar os portos privados de contratar trabalhadores sem a vinculação aos Órgãos Gestores de Mão de Obra dos portos públicos, que monopolizam a contratação. Tais medidas removem obstáculos que inibiam investidores e operadores portuários privados de implantar novos terminais e ampliar escalas de operações. O aumento da oferta de serviços portuários e um ambiente de maior competição reduzem significativamente os custos das operações. Isso significa, por fim, maior competitividade das exportações brasileiras e redução dos altos custos do abastecimento do mercado interno. Mas, ao remover obstáculos aos portos privados, como lidar com os portos públicos?
Como se sabe, o processo de concessões, a partir das reformulações introduzidas pela Lei n.º 8.630/93, optou por fragmentar as concessões nos sítios portuários, contemplando as operações por tipos de cargas. Ou seja, não foram feitas concessões para o sítio portuário como um todo. Com prazos diferentes de concessão, operações especializadas e frágeis gestões do porto em seu conjunto - herança do jogo político partidário da gestão estatal -, o sítio portuário passou a ser palco de recorrentes conflitos de interesse. Conflitos que ficaram patentes nas discussões no Congresso, onde grupos de parlamentares se entrincheiraram em frentes de defesa de interesses fragmentados nos sítios portuários.
Nesses embates, perdeu-se a chance de encaminhar soluções mais abrangentes e efetivas para os portos públicos, que sofrem de deficiências históricas e crônicas em termos de layout das instalações e interfaces com ferrovias e rodovias. São deficiências que comprometem o funcionamento dos portos e encarecem as operações.
Alguns aspectos exaustivamente mostrados pela mídia se sobressaem, como o longo tempo de espera de caminhões e trens para entrar no sítio portuário e a crônica incompatibilidade entre as infraestruturas de transporte terrestre e as de acesso ao porto. São recorrentes os congestionamentos de caminhões nas rodovias em períodos de escoamento de safras, bem como a utilização de vagões ferroviários para estocagem nas longas esperas.
Outro fator restritivo da produtividade dos portos é o longo tempo de rotatividade de caminhões e vagões ferroviários nas operações de transferência de cargas e contêineres. Restritiva também é a carência de áreas de retroporto que possam regular os fluxos terrestres, reduzindo os congestionamentos no sítio portuário. Por fim, cabe lembrar as frequentes deficiências nos canais de acesso por falta de dragagem, o que limita consideravelmente o acesso de navios e a competitividade dos portos.
Há ainda um longo caminho a percorrer para os portos do País ingressarem no século 21. O mais importante é introduzir modelos de gestão mais coordenados e reduzir a fragmentação das concessões portuárias. Grandes complexos portuários não são mais meros polos de carga e descarga de navios, mas elos cruciais de complexas cadeias de suprimento em escala mundial. A competitividade de um porto depende cada vez mais de atores exógenos à gestão portuária e ganharam importância novos fatores de gestão de custos em ambiente competitivo. Os portos tornaram-se empreendimentos comerciais, com gestão altamente profissionalizada e forte influência no desenvolvimento regional. Melhor afinar o barulho com esta realidade.
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Josef Barat – Economista, consultor de entidades públicas e privadas, é Coordenador do Núcleo de Estudos Urbanos da Associação Comercial de São Paulo.




quarta-feira, maio 22, 2013

Compra de tempo- CELSO MING

 O Estado de S.Paulo
Desta vez, a divulgação do recorde de contratações de pessoal ficou menos importante do que o movimento da presidente da República. Ela antecipou em um dia a divulgação dos resultados e deu-lhes boa turbinada política, pois os números não foram tudo isso que sugeriu: as 197 mil contratações no mês passado perfizeram o pior mês de abril desde 2009.
Em todo o caso, o comportamento do emprego é o único indicador econômico que o governo se permite comemorar. Não consegue entregar um pujante crescimento econômico porque os pibinhos vão se sucedendo. Também não é capaz de apresentar a inflação na meta, porque a pressão do consumo está mais forte do que a capacidade de oferta da economia. Não pode manter a desvalorização da moeda nacional (alta do dólar) para melhorar a competitividade do setor produtivo em relação aos produtos importados, porque a inflação vai comendo o câmbio real. Não conseguiu continuar a derrubada dos juros básicos (Selic) "para níveis civilizados", porque foi necessário tirar dinheiro do mercado (alta dos juros) para combater a inflação. Enfrenta a virada para o vermelho das contas externas. E ainda não pode sustentar o superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) combinado, de 3,1% do PIB, ou cerca de R$ 155,9 bilhões, porque o jogo político puxa por mais despesas.
Mas há esse recorde do mercado de trabalho que aponta para um desemprego de apenas 5,7% e para a contratação formal (com carteira de trabalho assinada) de 1,9 milhão de brasileiros no período de 12 meses terminado em abril, como mostra o último relatório do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
No entanto, não dá para argumentar que esse resultado seja uma grande vitória. Há meses, o Banco Central vem advertindo em documentos e nas manifestações dos seus dirigentes que o mercado de trabalho está excessivamente aquecido, que os salários estão crescendo substancialmente mais do que o aumento da produtividade e que esse é fator importante de inflação e de aumento de custos da indústria.
Assim, a estratégia da presidente Dilma vai ficando clara. Uma correção firme de rumos da economia exigiria muita energia política, de alto risco para a corrida presidencial de 2014. Não saíram nem mesmo as minirreformas no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em que o governo se empenhou e tratou de empurrar para 2015, como ainda ontem avisou o líder do governo na Câmara, o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP).
O governo já está colocando em prática a estratégia de comprar tempo, de valorizar o quanto pode os aspectos positivos da administração e de contar com que o espírito da Copa do Mundo ajude a desviar as atenções e a amortecer descontentamentos.
Como não tem discurso e não vem conseguindo apresentar opção melhor, a oposição contribui para o sucesso da nova fase do governo.

Democracia é educação ROBERTO DAMATTA


- O Estado de S.Paulo

Todo mundo fala em democracia e educação, sem perceber que as palavras têm conotações especiais. No Brasil, a palavra educação não significa somente instrução, mas polidez, calma e delicadeza. O "mal-educado" ou o "ignorante" não é quem não tem saber, mas é o "grosseirão" inclinado ao gesto brusco ou à violência. O "bem-educado" é aquele que - calado consciente e superior - espera a sua vez.
Fazemos uma clara distinção entre o "bem" e o "mal-educado": o fino, o grosso, o sensível e o boçal. Essa representação enlaça o par "educação e democracia". Pois a voz do povo mostra uma dualidade hierárquica. No plano superior, ficam os "bem-educados" (gente instruída e fina). No inferior, estão não apenas os não instruídos, mas os mal-educados. Embaraçamos a ignorância definidora do não saber com a grosseria - esse avatar atribuído aos afoitos e, por extensão preconceituosa, aos subalternos. Seria isso um resíduo explosivo de um passado que combinou numa equação rara, aristocracia branca e escravidão negra?
Imagine o seguinte. Numa festa, chega a cascata de camarões. Os "mal-educados" avançam sobre os deliciosos crustáceos e dão conta do prato. Atropelando a fila, locupletam-se e - porque são "mal-educados" - "pegam" o que podem para seus maridos e filhinhos. Os "bem-educados" olham a cena com o horror dos semissuperiores, confirmando como a sua boa "educação" - que segue princípios igualitários gerais, como o de esperar pelo seu turno, impede tal conduta. Eles confirmam sua "polidez", mas verificam que não comendo os deliciosos camarões são bobocas ou babacas porque simplesmente deixam passar uma oportunidade que era de todos, mas que foi aproveitada pelos mais espertos: os "mal-educados!".
Moral: o conceito de "educação" tem que ser entendido dentro de um sistema sócio-histórico para poder ser aplicado com eficiência. Um dos problemas das escolas públicas numa sociedade com uma concepção hierárquica de educação é que o ensino pode ser bom, mas o ambiente seria marcado pela "má-educação" (significando ausência de "boas maneiras") dos alunos. Sem perceber que, entre nós, a "educação" vai além da instrução, nada fizemos para introduzir uma "educação para a igualdade" e para uma cidadania sem favores e sem os usuais "você sabe com quem está falando?".
No Brasil, uma definição igualitária de educação como um instrumento universal de saberes, é filtrada. Há um toque de superioridade no "ser educado" que aristocratiza paradoxalmente o processo, tornando-o exclusivo. Neste sistema, a instrução seria distinta da "boa educação". Um engenheiro pode ser competente, mas mal-educado. E isso pode fazer com que prédios e pontes sejam construídos por linhas tortas.
Não pode haver projeto real de democracia igualitária, fundada no liberalismo meritocrático e competitivo, sem um sistema educacional universal que busque a todo custo atingir a todos.
Mas como realizar isso sem abrir o embrulho das ideias preconcebidas sobre "educação"? Como, então, reformar esse sistema, tornando-o uma força de internalização de igualdade e de democracia? Convenhamos que para o antropólogo de Marte que escreve essa coluna, isso não deve ser fácil em escolas nas quais as crianças tratam seus mestres por "tias". Ora, o primeiro espaço público que todos experimentamos de modo profundo é justamente o da escola. O drama que testemunhei no rito de passagem do "primeiro dia de aula" dos meus filhos e netos, fala eloquentemente dessa transição dos papéis desempenhados na casa, na qual se é "filho", "sobrinho" e "netinho"; para o papel de "alunos" sem nenhum privilégio, exceto - é claro - quando a "boa educação" interfere, fazendo com que seus mestres os tratem como "sobrinhos", interrompendo uma mudança crítica.
"Ele é filho do ministro" -, disse a professora. Não vai entrar na fila da merenda junto com os outros. Ademais, ele traz a merenda de casa!"
Esse diálogo mostra como uma educação para a igualdade é muito diversa de uma educação para as boas maneiras. Do mesmo modo, e pela mesma lógica, quando se observa os poderes da república tentando uma hierarquia na qual o Executivo seria o mais importante e o Judiciário estaria submetido ao Legislativo, vê-se uma recusa da educação. Da educação como um sistema destinado a estabelecer para cada poder limites e papéis autoimpostos. Essa capacidade de conter-se voluntariamente dizendo não a si mesmo. Esse apanágio do liberalismo que começamos a descobrir lentamente, como insiste o meu lado otimista. Por isso, democracia não depende apenas de educação, como se diz a todo momento. Ela é, sobretudo, um processo penoso de aceitar discordâncias. Democracia é educação.

Por ação ou omissão - Dora Kramer


Paira entre os ministros do Supremo Tribunal Federal a sombra de uma dúvida sobre a demora na indicação do substituto de Carlos Ayres Britto, aposentado há mais de seis meses.

Estaria a presidente Dilma Rousseff consciente de que a conclusão do julgamento do mensalão com a Corte incompleta pode beneficiar os condenados e, com isso, se caracterizar uma interferência de fato do Poder Executivo em decisão judicial?

Há, no tribunal, consenso de que é razoável que um presidente da República leve tempo para fazer a melhor escolha. Um relativo atraso, portanto, é considerado aceitável. O ministro Luiz Fux levou 195 dias para ser indicado e Eros Grau, quase oito meses. O que se tem questionado é o atraso que pode vir a ser excessivo e, sobretudo, prejudicial ao andamento dos trabalhos da Corte. A preocupação não diz respeito só ao mensalão, mas também à paralisia em outras decisões do STF.

As questões relativas ao controle de constitucionalidade, por exemplo, só têm efeito vinculante, só produzem a chamada "eficácia geral" quando decididas por maioria dos integrantes da Corte. Semana passada mesmo, um julgamento dessa natureza foi suspenso porque houve empate e o colegiado resolveu esperar a indicação do novo ministro devido à impossibilidade de o presidente dar o voto de Minerva.

Em matéria criminal, como é o caso do mensalão, o empate favorece os réus, conforme visto na absolvição de alguns deles cujas sentenças receberam cinco votos pela condenação e cinco pela inocência.

Na fase do exame dos embargos infringentes - recurso da defesa dos réus que obtiveram pelo menos quatro votos contrários à condenação - a situação poderá de novo se apresentar, caso o STF aceite examinar esse tipo de embargo.

Se a Corte até lá estiver com sua composição de 11 ministros completa, tanto pode haver a confirmação das sentenças como pode ocorrer que algum deles mude seu voto ou os dois que não participaram do julgamento (Teori Zavascki e o novo indicado) votem de modo a alterar o resultado.

Não é a possível mudança das penas que provoca inquietação no STF, mas a configuração de uma interferência - ainda que por inércia - do Planalto ao manter artificialmente o tribunal em situação de empate e, com isso, induzir a um resultado. Não é à toa nem por acaso que o colegiado tem número ímpar.

Esse tipo de omissão não é bem vista no Supremo, onde circula indagação sobre qual a diretriz que orienta a presidente Dilma em postergar a indicação. Estará ela agindo voluntária ou involuntariamente? Consciente ou inconscientemente?

Nua e crua. O presidente do Supremo disse que os partidos no Brasil não têm nitidez ideológica nem programática. Não guardam relação de identidade com o eleitor, não são por ele reconhecidos como representantes de correntes de pensamento. Verdade.

Joaquim Barbosa afirmou que a maioria dos projetos de lei não é iniciativa do Poder Legislativo, cuja submissão ao Executivo expressa sua debilidade. Verdade.

O ministro declarou em palestra aos alunos do Instituto de Educação Superior de Brasília que há problemas graves no sistema representativo brasileiro. Verdade.

Foi alvo de reação indignada no Congresso e, segundo alguns parlamentares, as palavras de Barbosa não contribuem para o "fortalecimento das instituições". Questionável.

É de se perguntar se negar a realidade contribui de alguma forma. Não seria de se esperar que o Parlamento reagisse de outra maneira. Até porque aceitar o que foi mais que uma crítica (uma constatação óbvia de conteúdo inquestionável) obrigaria suas excelências a sair da defensiva e partir para uma ofensiva de reconstrução do sistema político, partidário e eleitoral do País.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Tucano não aprende a cuspir no 'burrai' - José Nêumanne *



O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), fundado a partir de uma dissidência paulista do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), foi embalado num berço socialista light, intelectualizado e grã-fino do "partido-ônibus" (em que sempre tem lugar para mais um) que comandou a resistência de dissidentes civis à ditadura militar. É, por isso, um mostrengo disforme, com uma cabeça imensa e pequenos pés de barro, incapazes de suportar a egolatria da cúpula. Diz-se, com razão, que tem caciques demais e índios de menos. Chefões destacam-se circunstancialmente: Fernando Henrique na Presidência da República, José Serra no repeteco de disputas eleitorais nacionais, estaduais e municipais em São Paulo.

Agora chegou a vez de Aécio Neves, presidente nacional, ex-governador bem-sucedido administrativa e eleitoralmente num Estado importante da Federação, Minas Gerais, senador e pule de dez para tentar tirar da chefia do governo a presidente petista, Dilma Rousseff. A seu favor conta com boa reputação como gestor em Minas, as vitórias sucessivas para o governo de seu Estado e a aliança bem-sucedida no comando da prefeitura da capital, Belo Horizonte, com um aliado eventual que pode virar adversário na mesma disputa: o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, senhor de baraço e cutelo do Partido Socialista Brasileiro (PSB), herdado do avô, Miguel Arraes.

Mas contra ele pesa sua inexpressiva atuação no Senado em dois anos e meio, em que muito pouco fez ou disse - de prático mesmo, absolutamente nada E há óbices maiores para realizar sua ambição. O partido que preside nunca foi nem está unido na luta por esse objetivo. O aliado Democratas (DEM) desmilinguiu, espremido pela ambição de um antigo militante de peso, o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, que levou para o Partido Social Democrata (PSD), que fundou, um número relevante de antigos correligionários dispostos a beijar a mão de Dilma.

Aécio assumiu o lugar a que não conseguiu chegar há quatro anos, quando perdeu a indicação para o ex-governador paulista José Serra. Seu avô, Tancredo Neves, ensinou que ninguém tem condições de disputar a Presidência se não unir o Estado de origem - e isso ele fez. Mas o mesmo não se pode dizer do PSDB. Aécio chegou prometendo resgatar o legado de Fernando Henrique, o único presidente que o partido teve e que ganhou as duas disputas de que participou no primeiro turno. Isso nunca foi levado em conta. Nem o fato de o tucano ter promovido a maior revolução social da História, com o Plano Real, que pôs fim à inflação e levou proteína à mesa da massa dos trabalhadores.

Isso de nada adiantou para a sonhada permanência do PSDB no poder. Fernando Henrique cruzou os braços na campanha de 2002, deixando Lula esmigalhar o sonho do tucano José Serra. Este, por sua vez, fez uma campanha como se o tal legado, que agora Aécio quer restaurar, fosse algo de que se envergonhar. Quatro anos depois, Lula reelegeu-se contra o atual governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que chegou a vestir uma camiseta da Petrobrás para garantir que era mentiroso o boato de que privatizaria a maior estatal brasileira. Com isso passou ao eleitorado a mensagem de que a cúpula tucana tinha a privatização de Fernando Henrique na conta de titica. Na disputa contra Dilma, em 2010, Serra continuou cuspindo e pisando no melhor que o partido fizera.

Após 12 anos, tentar reabilitar a estabilidade, a austeridade fiscal e a privatização pode ser tarde demais. Até a estabilidade da moeda, uma conquista da Nação, e não de governo algum, parece ser um dado do passado distante, sob a ameaça da volta da inflação sem prejudicar os artífices desse prenúncio de desastre. Além disso, é inútil: o passado não elegerá Aécio. E ele não fala do futuro, que de fato interessa ao eleitor.

De tanto perder para Lula, o PSDB resolveu reagir a esse destino, que parece manifesto, imitando o que o maior adversário faz. Alckmin sugeriu que Aécio repita as caravanas da cidadania do petista-mor como estratégia eleitoral. A intenção é maravilhosa: há muito tempo os tucanos precisam mesmo de um banho de povo. A prática pode não ser, contudo, eficaz. Não basta visitar alguém para conhecê-lo bem. Como dizia um sábio conterrâneo de Tancredo e Aécio, o coronel Francisco Cambraia de Campos, Chichico Cambraia, de Oliveira, o bom político se conhece na cuspida no "burrai". Ou seja, tem de entrar na casa do eleitor, sentar-se à beira do fogo, tomar um café demorado até esfriar e cuspir no borralho. Quanto mais cusparadas, melhor! Não basta o candidato se fazer conhecer. Ele tem de conhecer o eleitor.

Luiz Inácio Lula da Silva voltou de suas caravanas conhecido e conhecedor do Brasil. Elas lhe permitiram aprender com suas derrotas seguidas, uma para Fernando Collor e duas para Fernando Henrique. Os tucanos não têm demonstrado a mesma capacidade. Talvez fosse menos difícil convencer o adversário-mor a disputar a Presidência pelo PSDB do que tirar proveito das estratégias contra ele próprio e sua afilhada.

Ora, direis, isso é impossível! E é. Mas quem garante ser mais possível convencer o cacique José Serra a se empenhar para valer na campanha de Aécio, que nada fez por ele na disputa contra Dilma? Os sinais de má vontade que Serra tem dado de público deverão repetir-se na campanha. Pois o paulista atribui em parte sua derrota ao desinteresse do mineiro em 2010. Não deixa de ter razão. Mas não tirará proveito dela, pois seu futuro depende do êxito do outro. E se a economia não derreter, Dilma se reelegerá com facilidade, restando aos tucanos parodiar o mantra dos metalúrgicos do ABC, liderados por Lula, nos anos 70 e 80. Eles diziam: "O povo unido jamais será vencido". E os tucanos entoarão: "O PSDB desunido será sempre vencido".

* José Nêumanne é jornalista, poeta e escritor.

Fonte: O Estado de S. Paulo

A Síndrome da Reivindicação Sucessiva - Elio Gaspari


O Globo

A Síndrome da Reivindicação Sucessiva é um ardil usado por quem não quer fazer uma coisa e argumenta que não é contrário à ideia, mas ela deve depender de algo, sem o quê, será inócua ou contraproducente.
Dois exemplos:
1 — A corrupção política só acabará quando houver uma reforma, criando-se o financiamento público de campanha.
Falso. O que inibirá com a corrupção será a ida dos larápios para a cadeia, e é isso que os defensores do financiamento público, inclusive Lula, querem impedir.
2 — A contratação de médicos estrangeiros por tempo determinado para trabalhar em áreas onde não há esses profissionais só fará sentido quando se rediscutir o sistema de financiamento da saúde ou o plano de carreira do SUS.
Falso. Hoje, dois terços dos 288 mil médicos estão nas regiões Sul e Sudeste. Só 13% deles clinicam em municípios com menos de 50 mil habitantes, onde vivem 64 milhões de pessoas. Em 397 municípios não há médico algum. É direito de qualquer cidadão trabalhar onde bem entende, mas barrar o acesso de outro profissional que aceita ir para um lugar que não lhe interessa é bem outra coisa.
O ardil destina-se a congelar uma situação na qual os médicos estabelecidos têm no Brasil uma reserva de mercado e transformam concorrência em vírus. O andar de cima dos pequenos municípios trata-se em outra cidade, ou em São Paulo. O peão, dana-se, ou vai ao curandeiro.
Se três médicos cubanos, marcianos ou espanhóis chegarem a um município pobre para uma permanência de três anos, qual dano ameaçará a população?
A reivindicação sucessiva é sempre impecável. Lei do Ventre Livre? Enquanto não houvesse creches seria a “Lei de Herodes”.
Lei dos Sexagenários? Sem asilo para os negros forros, uma crueldade.
Cotas nas universidades públicas? O que se precisa é melhorar o ensino médio.
Voto para o analfabeto? É obrigação do Estado alfabetizá-los. Até lá, que esperem.
(Não custa lembrar que os generais de 1964 achavam isso e, em 1969, quando decidiram escolher um presidente da República, meteram-se numa enrascada, pois se o voto de um analfabeto não vale o de um coronel, o de um general que comandava uma mesa não valia o de um colega que tinha tropa).
Os municípios sem médico também são pobres de renda. Em março a doutora Dilma torrou R$ 325 mil em três dias de hotelaria romana, noves fora o AeroLula. Esse dinheiro equivale a algumas semanas da receita de muitos municípios sem médico.
A nobiliarquia mobilizou-se contra a ideia dos médicos estrangeiros com uma declaração retumbante do Conselho Federal de Medicina: “Não admitimos uma medicina de segunda para os mais carentes. Até porque quem está no governo, quando adoece, vai para hospitais de primeira linha”.
Falta explicar que tipo de medicina existe num município sem médico. Ademais, admite sim, porque nenhum doutor reclamou quando Lula, feliz paciente do Hospital Sírio-Libanês, resolveu se garantir passando no médium João de Deus, em Abadiânia. Com seus poderes, ele faz cirurgias e já atendeu nove milhões de pacientes.
O que diriam os doutores se o Ministério da saúde quisesse atrair curandeiros? João de Deus talvez ficasse a favor.

sexta-feira, maio 17, 2013

CELSO MING Deixa rolar

CELSO MING - O Estado de S.Paulo

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, voltou ontem a garantir que a inflação está em queda e que vai continuar caindo.

É uma declaração que, em parte, tem a função de ajudar a varrer o surto de pessimismo que tomou o País, como neblina que envolve um pedaço de serra. Toda autoridade tem o dever de influenciar positivamente as expectativas para melhorar a eficácia das políticas adotadas, embora nem sempre faça isso com suficiente habilidade. Desse ponto de vista, a declaração do ministro cumpre função importante.

Mas há um lado nessa declaração que precisa de reparo. Quando insiste em que a inflação vai cair, Mantega também repisa ponto de vista equivocado do governo Dilma: o de que não é preciso fazer nada para combater a inflação. É deixar rolar, que logo passa. Por trás dessa afirmação está o diagnóstico de que a maior parte da inflação foi provocada por choques de oferta, como enxurrada, que vai diminuindo logo depois que o aguaceiro deixa de cair.

Não se pode negar que há considerável pedaço da inflação provocado por choque de oferta, ou seja, gerado pela quebra acentuada da oferta da mercadoria, seja qual for a razão. Isso vale para a inflação do tomate (de 150%, no período de 12 meses terminado em abril), da farinha de mandioca (146%), da batata inglesa (124%) e da cebola (62%). Nesses casos, a própria alta de preços incentiva o produtor a plantar e a normalizar a oferta. Contra esse impacto, nem o Banco Central nem o governo federal têm muito o que fazer, a não ser acionar, quando possível, estoques reguladores ou importações.

O problema é que outra boa parcela da inflação, que em abril atingia a marca de 6,49% (em 12 meses), não tem a ver com choque de oferta, mas com elevação da demanda desproporcional à capacidade de oferta. Para atacar esse foco, o governo e o Banco Central têm muito o que fazer. A inflação de serviços, por exemplo, que teima em ficar acima de 8% ao ano, é consequência disso. Outra indicação de inflação de demanda acima do normal é mostrada pelo índice de difusão, que aponta o quanto a alta de preços está espalhada na economia. Em abril, o índice de difusão alcançava 65,8% dos itens que compõem a cesta do custo de vida.

O esticão de demanda é proporcionado por dois principais fatores: pela gastança do governo, substancialmente além do previsto; e pelo aquecimento excessivo do mercado de trabalho, que cria renda acima do aumento de produtividade da economia.

Contra esse foco de inflação há dois antídotos relevantes: mais disciplina fiscal (contenção das despesas públicas) e redução do volume de dinheiro no mercado financeiro (alta dos juros). Quanto mais o governo cortar gastos, menos o Banco Central terá de diminuir a ração de dinheiro no mercado, ou seja, menos terá de subir os juros.

Infelizmente, o que se vê no governo é a propensão a gastar, tanto mais quanto mais esquentar o clima das eleições. Nessas condições, ou o Banco Central puxa pelos juros, ou a inflação será realimentada, apesar das afirmações em contrário do ministro.

domingo, maio 12, 2013

Maradona como metáfora argentina

Maradona como metáfora argentina

¿Hay alguna relación entre el futbolista y el peronismo? Sí, cuando se eligen entrenadores,
presidentes o sistemas de características populistas, autoritarias y con pocos pies sobre la
tierra, el resultado es el fracaso

JOHN CARLIN Y CARLOS PIERINI 05/10/2010 , El Pais , Esp.

Se dice con frecuencia que la solución a los problemas de la África subsahariana es la
educación; que los recursos naturales abundan y si solo se pudiera proporcionar un buen
nivel educativo a la gente el continente despegaría. No necesariamente. Miren el caso
de Argentina. Todos los recursos naturales que quieran, una bajísima densidad de
población y, a lo largo de la mayor parte del siglo XX, índices escolares que no han
tenido nada que envidiar a Europa occidental. Pero hoy, en un país que hace 100 años
era uno de los 10 más ricos del mundo, la tercera parte de los recién nacidos están
condenados a crecer en la pobreza, si es que logran crecer. Ocho niños menores de
cinco años mueren al día debido a la desnutrición en un país que debería ser, como hace
tiempo fue, el granero del mundo. Semejante aberración florece en un contexto político
en el que a lo largo de más de medio siglo juntas militares han alternado el poder con
Gobiernos populistas, corruptos o incompetentes. El actual Gobierno peronista de la
presidenta Cristina Fernández de Kirchner (como el anterior, de su marido Néstor
Kirchner) es más afín al de Hugo Chávez en Venezuela o al de Daniel Ortega en
Nicaragua que a los Gobiernos pragmáticos y serios de Brasil, Chile o el vecino
Uruguay donde, por cierto, hoy se consume más carne per cápita que en Argentina.
¿Dónde ha quedado la famosa Justicia Social proclamada hasta el cansancio por el
peronismo que ha gobernado la mayor parte del período democrático instaurado en
1983? ¿Cuál es el problema?

Maradona

A FONDO

Nacimiento:
30-10-1960
Lugar: Villa Florito

El punto de partida es la negación de la realidad. Este es el terreno en el que opera
Maradona

El problema es Diego Maradona. O, para ser más precisos, lo encarna, como símbolo,
Maradona, el "Diez", "el Dios Argentino", el ídolo nacional por goleada. La idolatría
a los líderes redentores, el culto a la viveza y (su hermano gemelo) el desprecio por la
ética del trabajo, el narcisismo, la fe en las soluciones mágicas, el impulso a exculparse
achacando los males a otros, el fantochismo son características que no definen a todos
los argentinos, pero que Maradona representa en caricatura payasesca y que la mayoría
de la población, aquella misma incapaz de perder la fe en el peronismo, aplaude no con
risas sino con perversa seriedad. El punto de partida es la negación de la realidad. Este
es el terreno en el que opera Maradona y en el que su legión de devotos se adentra -

como por ejemplo los 20.000 que fueron al aeropuerto de Ezeiza para darle las gracias
tras la desastrosa actuación en el Mundial de Sudáfrica- para adorarle.

Esos mismos que disfrutaban como locos con las grotescas actitudes y dichos del ídolo
-"¡que la chupen!"- fueron en manada a vitorearlo al llegar a Buenos Aires después de
la goleada de 4-0 que Alemania le propinó, expulsando a su selección del Mundial.
Presos de la nostalgia, no olvidan nunca que "ÉL" hizo el famoso gol con la "mano
de Dios"; o sea que su mano y la mano de Dios son la misma mano. "EL" es uno
con "DIOS". La manada entonces, mientras grita para adentro, "¡Si estamos unidos a
Dios Maradona compartiremos toda su gloria!", grita para afuera: Maradooooooona,
Maradooooooona. Y no olvidemos el dicho nacional, al mismo tiempo jocoso y lleno de
convicción, "¡Dios es argentino!".

Diego Maradona fue un monumental jugador de fútbol. Pero la fama justificada no da
títulos, ni derechos, ni conocimientos para opinar con absoluta certeza acerca de casi
todo y al mismo tiempo desautorizar a todo aquel que no esté de acuerdo con sus ideas.
En Argentina, mientras avergonzaba a algunos, hacía gritar de entusiasmo a muchos
más. Creían, orgullosos, que unidos al " ídolo" todo el mundo "se la chupaba". En
realidad el que se ha chupado todo, desde alcohol hasta cocaína, ha sido Maradona.
Nadie lo acusa ni lo maltrata por su triste enfermedad. Solo se trata de señalar su
soberbia desconsiderada, de carácter profundamente narcisista, base de sus penosas
afecciones del alma, metáfora de la patología crónica de un país.

Hace 15 días Maradona dio su primera entrevista desde la debacle de Sudáfrica. El ex
director técnico de la selección argentina, al que se le oyó diciendo minutos antes de
aquel partido que su equipo iba a dar una lección de fútbol a los alemanes, no ofreció
ni análisis, ni explicación por la derrota, salvo decir que el portero alemán estuvo "muy
seguro" y después del 2-0 "nos vinimos abajo". Con un poco de suerte (la magia de la
suerte lo abandonó, ¿el otro Dios estaba en su contra?) el partido se hubiera ganado.
Culpa por el desastre no aceptó ninguna.

En cuanto a la victoria argentina 4-1 el mes pasado contra el campeón del mundo,
España, bajo el mando de un nuevo seleccionador, confesó que prefirió no ver el
partido. Claro. Porque ver aquel partido hubiera significado chocarse con la realidad y
arriesgar salir del autoengaño enfermizo que le permitió afirmar en la misma entrevista
que -avalado por el ex presidente Néstor Kirchner, que en una reunión la semana
pasada le "felicitó" por el Mundial- él seguía siendo el candidato idóneo para dirigir la
selección. "Daría la vida", dijo, "daría un brazo" por recuperar el puesto.

El fracaso de Maradona en el Mundial fue el espejo del fracaso de Argentina como país.
Por un lado, una falta de rigor y humildad en la planificación; por otro, un derroche
de los recursos disponibles. Talento sobraba, salvo que por amiguismo, ceguera,
populismo patriotero o sencilla idiotez Maradona decidió no convocar a la mitad de
los mejores; no solo no explotó los recursos que tenía, no los quiso ni ver. El nuevo
seleccionador, Sergio Batista, puso en el campo contra España a cuatro jugadores
básicos que Maradona ni siquiera había convocado para Sudáfrica y lo que se vio fue un
equipo sólido que hubiera sabido competir contra Alemania, como contra cualquiera en
el Mundial. Es decir, el sentido común existe en Argentina; solo que demasiadas veces,
obliterado por la luz maradoniana, brilla por su ausencia.

En el sistema maradoniano solamente brilla la ilusión. Dentro de este sistema de
pensamiento las cosas terminan no teniendo ni pies ni cabeza. Resultado: fracaso en
la vida y arrastrando en el fracaso, en este caso, a la selección argentina, pero también
se puede arrastrar a toda una nación. Recorriendo la historia del siglo XX sabemos la
potencia destructiva de la ilusión cuando no es contrabalanceada por la realidad terrenal,
nunca tan agradable ella como los espejismos de la ficción.

Cuando llevados por la fantasía se eligen directores técnicos o presidentes o sistemas
de características populistas, autoritarios y antidemocráticos, con pocos pies sobre la
tierra, el resultado inevitable es el fracaso. Un director técnico que no tiene ni ha tenido
capacidad para manejar su vida, que además no es director técnico (por preparación) y
por lo tanto al titularse así toma las características de un impostor, tuvo como resultado
el descalabro de la selección argentina. Puede ocurrir nuevamente algo similar con la
Argentina misma si los directores técnicos, léase la pareja que lleva siete años en el
poder, siguen el camino compulsivamente repetitivo de la tergiversación permanente
de la realidad. El endiosamiento de seres Ídolos-Dioses a los que no se debe criticar,
como a Perón, Evita, Maradona, Cristina Fernández o Néstor Kirchner, intocables seres
sin errores, lleva al fracaso reiterativo y doloroso que arrastra a millones de argentinos
al sufrimiento. El granero del mundo se va convirtiendo en un país lleno además de
granos de pústulas creadas por el sistema: fracaso, pobreza, desnutrición, inseguridad,
criminalidad, destrucción de las instituciones, ataque permanente a la prensa opositora,
ataque a la ley, destrucción de la educación (eso también) y llegamos entonces a que la
fantasía de ser un pueblo "protegido" por los Dioses cae en una triste y ridícula realidad.

Las sociedades propensas a alimentar estas ilusiones, caen en la seducción hipnótica
de líderes de estas características. Son sociedades cerradas, como dice Karl Popper,
con un fuerte carácter autoritario, convicciones inamovibles y preponderancia al
pensamiento mágico. En estos casos el horizonte de expectativas está absolutamente
distorsionado por las ilusiones y las consecuencias se traducen en un sinnúmero de
fracasos compulsivamente repetitivos. Decía Albert Einstein que la locura era repetir lo
mismo una y otra vez, esperando diferentes resultados. Eso es lo que propone Maradona
al reafirmar su derecho a dirigir la selección de fútbol. Al apoyar su estrambótica
candidatura, los Kirchner, eso sí, están siendo consecuentes. Ellos también piden,
pese al fracaso mundialista de su gestión, como el de los regímenes peronistas que los
precedieron, que se prolongue su dinastía en las elecciones generales del año que viene.
Es probable que lo consigan. Sería la victoria del pensamiento mágico maradoniano,
sobre el que el sol de la bandera argentina nunca se pone.

John Carlin, periodista, vivió 10 años en Argentina; Carlos Pierini trabaja como
médico psicoanalista en Buenos Aires.

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