Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 07, 2013

Limites dos recursos - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 07/04
O Supremo tem pela frente uma discussão teórica que terá influência direta na defesa não apenas de alguns dos condenados no processo do mensalão, mas estabelecerá uma jurisprudência a partir de sua decisão. Trata-se da discussão sobre se a figura dos "embargos infringentes" ainda existe, diante da lei 8.038 que disciplinou integralmente a ação penal e não dispôs quanto aos embargos infringentes, como também a lei regedora da ação direta de inconstitucionalidade. Os "embargos infringentes" têm o objetivo de rever penas em que o réu condenado teve a seu favor pelo menos quatro votos.
Há bons argumentos dos dois lados e, sobretudo, a preocupação com a ampla defesa, que deve pesar na decisão final. O advogado Marcelo Cerqueira lembra que o Brasil é signatário de atos internacionais equivalentes a emendas constitucionais, entre os quais o direito à dupla jurisdição civil e criminal. "Além do mais, o Regimento Interno do Supremo o garante."

Cerqueira ressalta que Afonso Arinos ensinava que os regimentos internos, do Congresso e de qualquer de suas Casas e do STF "são leis materialmente constitucionais ou de tipo constitucional". E oferecia como exemplo: "É possível lei congressual modificar dispositivo do Regimento Interno do STF?" Não esperava pela resposta.

Cosmo Ferreira, promotor e procurador regional da República aposentado, considera que os "embargos infringentes" não existem mais, alegando que, além do fato de que a Lei 8.038, que "institui normas procedimentais para os processos que especifica, perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal", não ter tocado no assunto, o artigo 333, inciso I, do regimento do STF "foi revogado, ou não recepcionado, pela Constituição de 1988".

Com relação à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), ele diz que a redação do Artigo 8º fala em "direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior", e, como "sentença" é ato de juiz de primeiro grau, fica claro que o direito ao duplo grau de jurisdição é reservado "aos réus processados na instância inferior".

Já o procurador de Justiça no Rio Grande do Sul Lenio Luiz Streck, respeitado constitucionalista, faz uma pergunta em recente artigo do "Consultor Jurídico" que teve boa receptividade entre os ministros do STF: como o Supremo pode fulminar uma lei por inconstitucional com seis votos e não pode decidir uma ação penal por sete votos? Para ele,
existem vários elementos complicadores à tese do cabimento de embargos infringentes em ação penal originária junto ao STF: "Qual é o papel do Regimento Interno do STF? Pode ele dizer mais do que a lei que regulamenta a Constituição? Pode um dispositivo do RI instituir um 'recurso processual' que a lei ignorou/desconheceu?"

Esses embargos infringentes previstos apenas no Regimento Interno do STF, ignorados pela Lei 8.038, "parecem esvaziados da característica de recurso. Logo, em face de tais alterações, já não estaríamos em face de um 'recurso de embargos infringentes', mas, sim, apenas em face de um 'pedido de reconsideração', incabível na espécie".

Para Streck, tudo está a indicar que o que possui efetivamente tal característica é a figura dos embargos infringentes previstos no segundo grau de jurisdição, "que são julgados, além dos membros do órgão fracionário, por mais um conjunto de julgadores que são, no mínimo, o dobro da composição originária". Para ele, não parece ser um bom argumento dizer que os embargos infringentes se mantêm em face do "princípio" do duplo grau de jurisdição, isto é, na medida em que um acusado detenha foro privilegiado e, portanto, seja julgado em única instância, isso faria com que o sistema tivesse de lhe proporcionar uma espécie de "outra instância".

"Esse argumento é meramente circunstancial e não tem guarida constitucional". Para ele, o foro privilegiado acarreta julgamento sempre por um amplo colegiado, que é efetivamente o juiz natural da lide. "Há garantia maior em uma República do que ser julgado pelo Tribunal maior, em sua composição plena? Não é para ele, o STF, que fluem todos os recursos extremos?", argumenta Streck.

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