Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, fevereiro 19, 2013

Ordem, progresso e burrice Guilherme Fiuza

O GLOBO 16/2/13
A praia de Copacabana deverá ser interditada no réveillon (o povo assistirá aos fogos pela TV). É o mínimo que se espera das autoridades, se elas mantiverem seu surto de ordem pós-Santa Maria. E as centenas de blocos carnavalescos que engessam as ruas terão que desfilar em fila indiana em 2014. É mais seguro.
Os homens da lei que chegaram a invadir festa de aniversário em barzinho, lacrando tudo (até o bolo com suas velas assassinas), não haverão de tolerar mais essas aglomerações bíblicas a céu aberto sem saída de emergência (para quem está no miolo da multidão). As paredes são os outros. Se a ordem é interditar primeiro e perguntar depois, é o caso de ir cancelando logo o réveillon e o carnaval - pelo menos na presente forma de ajuntamentos boçais em nome da paz e da alegria.
A ideia não é o controle total? Então onde está o plano de segurança para um corre-corre acidental numa dessas muvucas de milhares - ou milhões - de pessoas comprimidas e eventualmente alcoolizadas? A presidente Dilma foi muito clara, em um de seus comícios após o incêndio de Santa Maria: determinou aos prefeitos de todo o país que tragédias como aquela jamais se repitam em qualquer cidade brasileira. Pronto. 
Nada como uma líder resoluta. A partir daí, cada xerife saiu com sua estrelinha disputando quem embargava mais, quem dava o maior show de interdições de boates, teatros, bares, quiosques e barracas.
Senhor pipoqueiro, onde está o seu alvará? Não tem? Carrocinha lacrada.
Ontem um bueiro entrou em ebulição na Avenida Rio Branco. É o enésimo bueiro na cidade do Rio de Janeiro a atentar contra a população, num histórico recente de explosões súbitas e violentas que já vez dezenas de vítimas. Onde está o plano de segurança contra o subsolo letal? O que deve ser interditado nesse caso? As ruas? Os pedestres? A Light?
O espetáculo dos surtos de ordem pública é patético. Depois da tragédia na boate Kiss, surgiu a proposta de uma medida provisória proibindo as comandas para o pagamento do consumo na saída em casas noturnas. É uma tese incrível: se você pagar um chope de cada vez ao garçom, nunca será refém de uma tragédia. Como se vê, a fronteira entre a civilidade e a estupidez nem sempre é perceptível.
Mas a reação da sociedade em defesa da segurança, da moral e dos bons costumes pode ir muito além disso. Uma semana depois da tragédia em Santa Maria, a Polícia Federal acionou as polícias civis para uma espetáculo dos surtos de ordem pública é patético. Depois da tragédia na boate Kiss, surgiu a proposta de uma medida provisória proibindo as comandas para o pagamento do consumo na saída em casas noturnas. É uma tese incrível: se você pagar um chope de cada vez ao garçom, nunca será refém de uma tragédia. Como se vê, a fronteira entre a civilidade e a estupidez nem sempre é perceptível.
Mas a reação da sociedade em defesa da segurança, da moral e dos bons costumes pode ir muito além disso.
Uma semana depois da tragédia em Santa Maria, a Polícia Federal acionou as polícias civis para uma grande operação na internet.
O objetivo era rastrear piadas que começaram a circular na rede sobre o incêndio. Autoridades policiais informaram que esse tipo de manifestação era crime, anunciando que iriam à caça de seus autores para prendê-los.
A sorte dos bravos investigadores é que demagogia moralista não dá cadeia no Brasil. Mesmo assim, por seus próprios critérios, esses caçadores de espíritos de porco poderiam estar presos: é deles, sem dúvida, a pior piada até agora sobre a tragédia.
Pobre sociedade progressista. Quanto mais se compraz com o espetáculo politicamente correto, mais emburrece.
Condomínios em prédios ricos do Rio de Janeiro estão instalando câmeras em suas fachadas 
para vigiar e punir moradores que atiram guimbas de cigarro pela janela. Chegou enfim o tempo em que os arroubos éticos consagram a ignorância.
A presidente da República ordena o fim das tragédias, determinando que autoridades locais e donos de boates tenham tolerância zero com as ilegalidades.
Em termos de obediência a regras, o exemplo mais eloquente do governo popular é a transformação de agências reguladoras - que criam e fiscalizam regras - em balcões de empregos e propinas, chefiadas por autoridades como Rosemary Noronha, a lobista afilhada de Dilma e Lula. Mas a presidente é mulher e chora - e isso basta à sociedade "progressista".
Agora o estado-maior novelesco já começa a ofensiva de marketing pelo "Papa brasileiro", para se juntar à mulher e ao operário no presépio populista.
Não tem jeito: é pão e circo (e reza para ele não pegar fogo).
Fonte: O Globo

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