Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, novembro 12, 2012

Quem perde sai da frente - ROBERTO POMPEU DE TOLEDO


REVISTA VEJA



Uma das virtudes da democracia americana é o gatilho que manda para a aposentadoria os aspirantes a presidente derrotados nas urnas. Nesta eleição, estava em jogo quem ganhava e quem ia para o asilo dos aposentados. Obama ganhou e continua por mais quatro anos; Romney vai para o asilo. Tem sido sempre assim. Nos Estados Unidos tem fila, e ela é respeitada. Quem perde eleição sai da frente, e abre vaga para a próxima safra de presidenciáveis. Graças a esse ritual, os dois grandes partidos têm seus quadros permanentemente renovados. Evita-se o fenômeno do entupimento no topo que, no Brasil, é causa de envelhecimento, desgaste e eventualmente morte dos partidos.

O asilo abriga numerosa população. Jimmy Carter perdeu a reeleição para Ronald Reagan, em 1980, e sobrou-lhe como consolo continuar, em nome de entidades privadas, sua digna e profícua campanha pelos direitos humanos ao redor do mundo. Não há donos, nos partidos americanos. Mesmo quem já foi presidente, como Carter, uma vez destronado, não tem mais vez nos quadros competitivos do partido. Os democratas Walter Mondale e Michael Dukakis perderam as eleições seguintes – 1984 e 1988 – para os republicanos Reagan e George Bush (o primeiro) e adeus. Mondale ainda foi agraciado, na presidência de Bill Clinton, com o cargo de embaixador no Japão; a Dukakis coube contentar-se com atividades na empresa privada e no magistério. O primeiro Bush perdeu a reeleição para Clinton e passou à doméstica função de pai de um futuro presidente. Dos derrotados seguintes, o republicano Bob Dole foi para a empresa privada e o democrata Al Gore virou profeta do meio ambiente, enquanto os senadores John Kerry (democrata) e John McCain (republicano) pelo menos tiveram a sorte de continuar no Senado.

Nem sempre foi assim. O republicano Richard Nixon perdeu a eleição para John Kennedy, em 1960, e ganhou uma segunda chance em 1968, quando se elegeu. De lá para cá, firmou-se, nos dois partidos, a regra não escrita da chance única. O arejamento dos partidos se completa com o dispositivo constitucional que proíbe mais de uma reeleição, mandando para a compulsória o presidente que cumpriu dois mandatos. Bill Clinton tinha apenas 54 anos ao fim do segundo mandato. Estava em boa forma física e no auge da capacidade intelectual e da experiência. No entanto, não valia mais nada, em termos de pretensão presidencial. Restaram-lhe (coitado) o patrocínio dos estudos, pesquisas e benemerências de seu milionário instituto e as conferências pelas quais cobra um milionário cachê.

Obama terá 55 anos e, presumivelmente, a mesma boa forma física e intelectual ao fim do mandato que acaba de garantir. Cairá igualmente na compulsória. Por isso, a nostalgia já pairava no ar, em seus últimos dias de campanha. Sabia que se engajava nessa atividade pela última vez na vida. Ao contrário, no Brasil, o presidente que deixa o cargo bem avaliado converte-se em fantasma a assombrar os demais pretendentes com a sempre presente ameaça da volta. É o que ocorre hoje com Lula, e o que ocorreu no passado com Getúlio e com JK.

O gatilho das aposentadorias é um dos fatores da vitalidade desse primordial aspecto da democracia americana que é a eleição presidencial. Pouco se fala nele, mas, somado ao bipartidarismo e às eleições primárias, constitui-se no segredo do sucesso. Como é da tradição anglo-saxã, resulta da conjunção entre a lei e o costume. A Constituição faz sua parte proibindo mais que dois mandatos ao presidente; o costume faz o resto, remetendo para a aposentadoria os pretendentes malsucedidos nas urnas. No Brasil, dão as cartas as figuras do líder populista, do cacique ou da prima-dona dos partidos. São, todos, tipos sem prazo de validade. Conspiram por isso contra a renovação e, em consequência, contra a saúde da instituição partido político. E tudo o que conspira contra a instituição partido político conspira contra a democracia.

As musas das letras clássicas falharam miseravelmente ao colunista, no último texto. É verba volant; não verbi volent, estúpido! E é quod non est in actis non est in mundo, e não mundus. Há ainda gente com o latim em dia no Brasil. E vigilantes. Eles se apressaram a apresentar as correções que ficam agora registradas.

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