Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, outubro 04, 2012

Do tripé ao voluntarismo - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 04/10


O governo decidiu usar botox nas contas públicas, para disfarçar os problemas e continuar aparentando compromisso com as metas fiscais. O compromisso continua em vigor, garantem a presidente Dilma Rousseff e os responsáveis pela política econômica, mas é cada vez mais difícil acreditar nessa afirmação. Com receitas em crise e despesas difíceis de comprimir, o Ministério da Fazenda recorre cada vez mais a dividendos de empresas controladas pela União para dar uma aparência melhor a suas contas. Dividendos têm sido usados regularmente, disse há poucos dias o secretário do Tesouro, Arno Augustín. Segundo ele, nada de anormal ocorre neste ano. É uma explicação um tanto estranha. Em poucos meses o Ministério do Planejamento acrescentou R$ 10 bilhões à previsão de receita de dividendos, apesar do desempenho medíocre das estatais. Mas há um detalhe mais preocupante: a Caixa Econômica e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) estão antecipando a entrega de dividendos relativos ao lucro estimado para o ano. O último repasse, o segundo, foi de R$ 2,8 bilhões. Essas operações devem ajudar o setor público a obter o superávit primário fixado para o ano, de R$ 139,8 bilhões.

Com essa transferência, R$ 18,9 bilhões já engordaram as contas federais neste ano. A maior parte - R$ 10,6 bilhões - foi entregue pelo BNDES. Ao mesmo tempo, o Tesouro continua transferindo dinheiro aos bancos federais para reforçar suas operações de crédito e também para intensificar a concorrência com as instituições privadas.

O Tesouro Nacional está obviamente funcionando como fonte de financiamento bancário e de subsídio ao crédito oficial. O governo federal decidiu ressuscitar uma velha relação promíscua, eliminada há mais de 20 anos com a extinção da chamada conta movimento. Essa promiscuidade foi, por muito tempo, uma fonte importante de inflação e de desajuste fiscal. Já nem se trata de uma ação de emergência em tempo de crise. Isso fica bem claro com a manutenção do Programa de Sustentação do Investimento, instituído em 2009, na fase final da recessão iniciada em 2008. O governo deveria ter eliminado esse programa em pouco tempo, mas o esquema continua em vigor.

A presidente e seus auxiliares podem negá-lo, mas o compromisso com a responsabilidade fiscal vem sendo corroído desde o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nada se fez para conter a elevação dos gastos incomprimíveis e para atenuar o engessamento orçamentário. O efeito foi disfarçado, durante alguns anos, pela continuada expansão da receita tributária. Só essa expansão permitiu o cumprimento, durante a maior parte do tempo, das metas fiscais programadas.

O equilíbrio macroeconômico foi sustentado, desde a consolidação do Plano Real, na virada do século, por um tripé: responsabilidade fiscal, metas de inflação e câmbio flexível. A política fiscal desviou-se das melhores práticas e os resultados dependem cada vez mais de truques.

As metas de inflação foram mantidas nominalmente, mas buscar o centro do alvo deixou de ser prioridade. Isso é comprovado pelas projeções de inflação do Banco Central para os próximos dois anos. Há bons argumentos a favor da busca de níveis mais baixos de equilíbrio para os juros. Nada justifica, no entanto, a aceitação dos atuais níveis de inflação como normais para a economia brasileira, especialmente quando outros países em desenvolvimento operam muito bem com preços mais contidos e taxas mais altas de crescimento econômico.

O terceiro componente, o câmbio flutuante, é hoje um mito. O governo trabalha claramente com faixas bem limitadas de flutuação. Não há, em nenhum mercado, câmbio estritamente flutuante, podem responder os defensores da política oficial. É verdade, mas em países bem administrados cuida-se de outros fatores de competitividade com medidas de longo prazo. A tributação é mais racional, cuida-se melhor da infraestrutura, o investimento é menos onerado e assim por diante. Continua faltando a visão de longo alcance. No lugar do tripé surgem o voluntarismo e a improvisação. Há quem fale em novo modelo. É uma ilusão.

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