Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, setembro 05, 2012

Os juros altos e a ineficiência dos bancos - CRISTIANO ROMERO

VALOR ECONÔMICO - 05/09


Os elevados spreads bancários existentes no Brasil são uma construção coletiva. Todos - Estado, bancos e tomadores de crédito - dão sua contribuição para essa anormalidade. É difícil dizer onde o problema começa porque o juro alto, com o qual o país convive há décadas, criou ineficiências nos bancos, no sistema tributário e mesmo na autoridade bancária, e estimulou a delinquência por parte dos consumidores.
Fala-se pouco das ineficiências do sistema financeiro que contribuem para os juros altos cobrados pelos bancos. Um exemplo é o não compartilhamento das redes de ATM (sigla em inglês de caixa automático). O Brasil é um dos únicos países em que essa rede não é compartilhada. Os grandes bancos possuem suas próprias redes e elas custam caro.
Até dezembro do ano passado, havia 174.920 máquinas de ATM no Brasil. O Banco do Brasil (BB) tem a maior rede - 45 mil terminais. Cada caixa custa R$ 20 mil. Portanto, apenas o BB desembolsou cerca de R$ 900 milhões para montar sua rede. Há ainda os custos de manutenção e de abastecimento dos caixas com numerário, além das despesas de energia e de aluguel dos espaços em centros comerciais. Não se tenha dúvida: o custo de tudo isso é repassado para o spread bancário.

Sem reformas, queda dos spreads bancários pode ser limitada
"Como o lucro dos bancos é muito alto no Brasil, todo o mundo deixa para depois qualquer proposta de integração de rede", conta um banqueiro, que pediu para não ser identificado. De fato, com rentabilidade anual, medida pelo retorno sobre patrimônio, que está em torno de 20% entre os maiores bancos, não há incentivo para os bancos se mexerem em busca de maior eficiência. Embora bastante elevada, a rentabilidade já foi bem maior. Hoje é menor por causa da redução da taxa básica de juros (Selic) e dos spreads.
Não há compartilhamento, também, do transporte de numerário. Cada banco contrata a própria transportadora para fazer o serviço, que, por razões óbvias (falta de segurança pública nas grandes cidades, trânsito congestionado, baixa acessibilidade de muitos locais etc), é uma tarefa custosa. É mais um exemplo da falta de incentivo à eficiência. Há nesse caso, porém, particularidades que ajudam a piorar a situação.
Muitas empresas de transporte de numerário e de segurança pertencem a políticos. Por causa disso, há intenso lobby no Congresso e em prefeituras para aprovar leis que obriguem o "reforço" da segurança em agências bancárias. É verdade que os bancos estão entre os alvos prediletos de assaltantes, mas as exigências impostas por municípios, além de expor a falência do Estado no quesito segurança pública, criam demandas que vão muito além da necessidade de proteger clientes bancários.
No Recife, por exemplo, como mostrou o repórter Murillo Camarotto, do Valor (04/09/12), os requisitos de segurança impostos por lei municipal incluem, entre outros itens, a blindagem das fachadas das agências, a instalação de portas giratórias, o bloqueio do sinal de telefone celular, a construção de biombos para isolar os clientes que usam caixas eletrônicos e a contratação de um verdadeiro exército de vigilantes. O descumprimento das medidas já provocou a interdição de 11 agências e a aplicação de multas que superam os R$ 50 milhões.
"Tudo isso tem uma origem: o a excesso de dinheiro vivo em circulação, um fato que estimula a evasão de impostos, a lavagem de dinheiro e outros crimes", sustenta um banqueiro.
O Banco Central (BC) poderia ajudar a minorar o problema se, a exemplo de outros países, adotasse medidas para inibir o uso de dinheiro vivo. Isso diminuiria a necessidade de transporte de moeda corrente. Com a disseminação da tecnologia dos cartões magnéticos, não faz sentido as normas brasileiras permitirem saques em bancos superiores a R$ 10 mil - nos Estados Unidos, para sacar mais de US$ 10 mil, o cliente tem que avisar ao banco previamente.
Há outros elementos que explicam os altos spreads cobrados no Brasil, mas pouco se fala de alguns deles. As autoridades se orgulham, por exemplo, do fato de impor aos bancos uma relação mínima entre patrimônio e empréstimos de 11%, enquanto o índice de Basileia exige apenas 8%. O índice praticado no país é, na verdade, bem maior que os 11% - 16,8% (posição de junho). Sem dúvida, o sistema financeiro brasileiro é mais sólido que o da maioria dos países, mas, registre-se, segurança custa dinheiro.
O mesmo raciocínio vale para o recolhimento compulsório. Os percentuais aplicados no Brasil estão entre os mais altos do mundo - 43% nos depósitos à vista, mais adicional de 6%; 20% nos depósitos a prazo, com adicional de 12%; 20% na poupança, com acréscimo de 10%. Em julho, considerando depósitos à vista e a prazo, recolhimento adicional e poupança, havia R$ 383,4 bilhões parados no BC.
Esse volume de recursos representa, sem dúvida, um colchão de liquidez razoável para a eventualidade de o país enfrentar uma crise. Mas, novamente, isso tem um custo que é repassado aos spreads bancários e reflete, em última instância, deficiências estruturais. Se o Brasil tivesse um Estado poupador, em vez de despoupador (em 2% do PIB ao ano ou R$ 88 bilhões), e uma taxa de poupança elevada, provavelmente não seria necessário impor tamanho recolhimento compulsório.
"Com o mesmo capital fora do Brasil, nós emprestaríamos muito mais", diz outro banqueiro ouvido pela coluna.
O modelo de negócios dos bancos também alimenta os spreads. Um exemplo está no pagamento de comissões a terceiros na originação de crédito nas modalidades de empréstimo consignado e para compra de automóveis. "Um pastinha [como é chamado esse intermediário] chega a ganhar 15% de um empréstimo consignado", revela esse banqueiro.
O curioso é que a prática dos pastinhas e correspondentes bancários foi disseminada por bancos pequenos e médios, que não dispunham de rede de agências para atrair clientes. As grandes instituições, que possuem milhares de agências, foram atrás e copiaram a prática.
A queda da taxa Selic está obrigando os bancos a rever custos. Isso é positivo, mas, se esse movimento não vier acompanhado de reformas estruturais, como a redução do recolhimento compulsório e da carga tributária do setor, a queda dos spreads será limitada.

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