Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 13, 2012

Da gasolina à conta de luz - CARLOS ALBERTO SARDENBERG



O GLOBO - 13/09

Quer dizer que em fevereiro de 2013 os brasileiros pagarão suas contas de luz com uma redução de 16,2% em relação aos valores atuais? Repararam? Nem 16%, nem 16,5%, mas exatos 16,2% de queda.

Como a presidente Dilma e seus assessores conseguem tamanha precisão?

Uma parte da redução é fácil de fazer e de entender. Algo como 10% das contas atuais vem dos chamados "encargos setoriais", cálculo amplamente conhecido. O governo vai tirar uma parte substancial desses itens e, só por aí, a conta final ao consumidor cai 7%. Ainda fica um restinho de encargos.

Não haverá reduções de impostos, basicamente o federal PIS-Cofins e o estadual ICMS, que formam outros 40% da conta paga pelo consumidor residencial. Ou seja, o sistema nacional continua com a maior carga tributária nesse insumo, entre os países relevantes.

Assim, aqueles outros 9,2% de queda prometidos pela presidente só podem ser tirados da operação propriamente dita - geração, transmissão e distribuição da energia elétrica. Dito de outro modo: será menor a parte faturada pelas companhias, estatais e privadas, que prestam aqueles serviços.

O mercado entendeu isso rapidamente. As ações das elétricas estão despencando desde a véspera do anúncio do pacote. Alguém poderia dizer: problema delas, empresas, e deles, investidores (especuladores?). Mas não é bem assim: companhias com menor rentabilidade terão menos recursos para investir em obras e serviços. Trata-se de uma questão nada trivial, pois a presidente Dilma já anunciou que pretende tarifas menores e, ao mesmo tempo, mais investimentos.

Mas como será reduzida a parte das empresas? Muitas concessionárias têm seus contratos vencendo em 2015. Com uma nova legislação, o governo vai oferecer uma escolha: a renovação da concessão por mais 30 anos, desde que a companhia aceite uma nova tarifa, menor, claro, e uma espécie de indenização por investimentos ainda não amortizados, se for o caso.

É o governo que vai examinar a situação de cada usina e determinar quanto houve de amortização. E, com base nisso, vai fixar a tarifa nova, para remunerar apenas a operação.

Reparem que se trata de um cálculo complexo, envolvendo usinas que estão, obviamente, em situação diferente. Umas mais modernas e eficientes, outras atrasadas e mais velhas, e assim por diante. Como o governo pode saber desde já que, tudo somado e subtraído, vai resultar uma tarifa que bate nos 16,2% de redução na conta ao consumidor brasileiro?

Considere ainda que a concessionária terá a opção de não aceitar o negócio. Assim, continuará com sua usina até 2015, com as tarifas atuais, conforme os contratos vigentes.

Nesse quadro, só existe uma possibilidade de o governo entregar a redução prometida: ele vai impor tarifas que resultem naquele número, os tais 16,2%. E a empresa que não topar a mudança do contrato?

Boa parte das concessionárias nessa situação é estatal federal. Seus dirigentes não poderão nem chiar. Vão engolir a nova tarifa e pronto. Como se sabe, no governo Dilma não tem esse negócio de separação, autonomia ou independência ainda que relativa da gestão.

As estatais estaduais, como é o caso da Cesp ou da Cemig, ficarão em situação, digamos, politicamente delicada. E as privadas ficarão entre topar a coisa ou arrumar briga com um governo que não alivia nas relações com empresas.

Resumindo, as estatais aceitarão a tarifa nova, mesmo que não traga remuneração suficiente. No dia do lançamento do programa, em Brasília, dirigentes da Eletrobrás, calculando ali no papel, estimavam (temiam) perdas de até R$ 7 bilhões em receita anual.

E as privadas, se a tarifa não for rentável, vão acabar devolvendo as usinas. Haveria uma reestatização. Não seria estranho: a presidente Dilma, que é do setor, sempre foi crítica da privatização da era FHC.

É muito possível também que esse novo modelo leve a tarifas artificialmente baixas, subsidiadas pelo contribuinte, e que completariam o duplo serviço de ajudar a derrubar a inflação e obter apoio político. O nome disso é populismo, um tanto mais sofisticado do que na Argentina, por exemplo.

Mas o governo faria isso, colocando em risco um setor tão crucial? Por que não? Está fazendo exatamente isso com a gasolina e a Petrobras. A estatal vende o combustível por um preço inferior ao que paga na importação. Amarga prejuízo, mas a gasolina fica congelada na bomba.

Reduzir o custo de energia é bom. Já o método...

Para cumprir a prometida redução aos consumidores, o governo vai impor tarifas. E a empresa que não topar a mudança do contrato?

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