Valor Econômico - 13/06/2012 |
Em 1999, foi adotado no Brasil um regime de política econômica fundado no tripé metas de inflação, câmbio flutuante - com alto grau de mobilidade de capitais - e metas de superávit primário. Grosso modo, a política monetária era hierarquicamente superior às demais: a política econômica focou a estabilização dos preços, que caberia exclusivamente à política monetária - por meio de apenas um instrumento, a taxa Selic. O câmbio deveria flutuar, respondendo à política monetária e aos fluxos cambiais. A política fiscal foi coadjuvante: limitou-se a não criar pressões inflacionárias, mantendo-se restritiva. O crescimento ficou em segundo plano. O conturbado período entre 1999 e 2003 - marcado pelo ataque especulativo de 1999 e por diversas crises, tanto internas quanto externas - ajudou a validar o tripé junto à sociedade. Criou-se um sentimento de medo, uma convenção de que se tratava da única alternativa. Os formadores de opinião repetiam "ad nauseum" a necessidade de continuar fazendo o "dever de casa". Qualquer correção de rota era repelida pelos investidores - nacionais e estrangeiros - que ameaçavam fugir do país. Assim, o mercado financeiro subjugou a gestão da política econômica e limitou drasticamente suas opções. A crise cambial durante a eleição presidencial de 2002 foi exemplo notório. O tripé foi mantido rigidamente no primeiro mandato de Lula: as metas de inflação e fiscais eram perseguidas rigorosamente. A flutuação cambial - na ausência de controles de capitais - mantinha o câmbio como principal âncora para a inflação. No segundo governo Lula, começa a haver uma parcimoniosa flexibilização, com o resgate de política fiscal contracíclica e algumas medidas de controle cambial. O Banco Central (BC), por seu turno, foi na contramão, tornando o regime de metas de inflação ainda mais rígido. Criou-se patente falta de coordenação entre as principais instâncias da política econômica: a fiscal era expansionista, a monetária restritiva. A reação à crise do supbrime (2008-2009) foi inusitada: o Ministério da Fazenda estimulava a economia, e o BC subia os juros. Tripé macroeconômico foi mantido, houve alteração incipiente e parcial, mas limitada, na condução da economia A atuação da Fazenda ampliou-se significativamente após a crise, com o uso de medidas anticíclicas. O maior ativismo na política fiscal se manteve após a superação da fase mais aguda da crise. Após 2010, o foco voltou-se para o câmbio. O Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) foi o principal instrumento para coibir a apreciação cambial e a flexibilidade cambial foi limitada por controles à entrada de capitais. O IOF serviu, também, para desestimular a demanda por crédito, atuando em complemento às medidas de contenção da demanda editadas pelo BC. A Fazenda adotou, ainda, medidas para prevenir a elevação de certos preços. Ressaltam-se as desonerações tributárias e, principalmente, a linha de financiamento para estocagem de etanol para garantir oferta adequada na entressafra - evitando-se importante pressão inflacionária. Finalmente, destaque-se a alteração dos rendimentos da poupança contribuindo, de forma coordenada com o BC, para a queda dos juros. Note-se, entretanto, a indesejável indexação dos rendimentos à Selic, contrária à imperiosa desvinculação dos ativos financeiros em relação à taxa básica de juros. As mudanças por parte do BC ocorreram a partir de dezembro de 2010. Primeiro foram elevados os compulsórios, para moderar a oferta de crédito. Adicionalmente, foram tomadas medidas macroprudenciais para também conter o crédito. Finalmente, destaca-se a atuação menos conservadora do BC, que se antecipou e, acertadamente, tomou proveito de janela de oportunidade para impor redução menos gradual e parcimoniosa da taxa Selic. Assim, distanciou-se, ainda que limitadamente, do padrão excessivamente conservador que vinha caracterizando a instituição. Exemplo notório desse conservadorismo ficou conhecido como o erro de Meirelles. Apesar do recrudescimento da crise do subprime e dos claros sinais de desaquecimento da economia, a política monetária foi mantida apertada. Além de favorecer uma queda ainda mais drástica da atividade, perdeu-se boa oportunidade de se reduzir a taxa Selic. Essa nova postura materializou-se em corte, não previsto pelo mercado, de 50 pontos-base na Selic, na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de agosto de 2011. O BC contrariou, frontalmente, o "consenso" de mercado, antecipando em cerca de três meses a redução da Selic implícita no swap de DI. O que gerou pesadas perdas para a maioria dos agentes do mercado de DI, que apostava na manutenção dos juros. Essa decisão fundamentou-se em quadro inflacionário mais benigno, marcado por: ameaça de recrudescimento da crise europeia; arrefecimento da economia doméstica; e reaproximação da inflação ao centro da meta. Além disso, a Fazenda elevou o superávit primário. A intensidade da reação contrária de muitos analistas - ligados ao mercado financeiro, sobretudo - revela a dificuldade de efetivar-se mudança na política econômica, por mais limitada que seja. É reveladora da força da convenção pró-conservadorismo na política monetária. A firmeza do BC diante da saraivada de críticas recebidas também mostra uma nova postura da instituição, marcada por maior independência em relação ao mercado financeiro. É inegável que no governo Dilma Rousseff houve uma mudança na política econômica. Entretanto, essa alteração, além de incipiente, é parcial e limitada. Por um lado, o tripé foi, essencialmente, mantido. Assim, não se pode falar em profunda reformulação na política econômica. Por outro, verificou-se atuação mais ativa da Fazenda, sobretudo mais coordenada com o BC, no combate à inflação. O BC, por sua vez, adotou medidas de controle de crédito, complementares à taxa Selic. É uma clara tentativa de diversificação dos instrumentos de política monetária que resulta do reconhecimento, ainda que tácito, de que a Selic tem limitada eficácia no combate à inflação e que, portanto, seu uso é muito custoso. Trata-se de mudança na direção certa e que deveria ser aprofundada. André de Melo Modenesi é professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ) e pesquisador do CNPq. Rui Lyrio Modenesi é ex-professor da Universidade Federal Fluminense. Norberto Montani Martins é mestrando do IE/UFRJ. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, junho 13, 2012
Uma nova política econômica? André de M. Modenesi, Rui L. Modenesi e Norberto M. Martins
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