Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 30, 2012

O mundo futuro - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 30/06

O empresário Roberto Teixeira da Costa escreveu para o próximo numero da revista Política Externa um artigo onde relata recente debate ocorrido no Instituto Fernando Henrique Cardoso intitulado “Global Trends 2030”(Tendências Globais 2030) liderado por representantes do ESPAS – EuropeanStrategic and Policy Analysis; da ISS – European Union Institute for Securities Studies; The Office of the Director of National Intelligence dos Estados Unidos; e do Atlantic Council, com a participação da FGV do Rio de Janeiro,representada pelo economista Marcelo Neri.

Na ocasião foi distribuído um livro cujo título “Citizens in an Interconnected and Polycentric World” (Cidadãos num mundo interconectado e policentrico) define bem a visão de futuro do grupo: um mundo cada vez mais interconectado, com vários centros de decisão.

A seguir, algumas conclusões e observações dos participantes anotadas pelo empresário.

O empoderamento dos indivíduos contribuirá para que adquiram o crescente sentimento de pertencer a uma única comunidade humana.

O mundo policêntrico será caracterizado pela mudança de poder dos Estados, e crescentes deficiências dos Governos, sem responder de maneira adequada às demandas públicas globais.

A convergência de preocupações e a crescente vocalização de demandas serão enorme fator de contrastes com a capacidade dos governos de atendê-las, particularmente aquelas referentes à melhoria da qualidade da vida.

Esse “gap” será uma fonte permanente de tensão e conflitos sociais, podendo ser agravado pela ineficácia dos governantes.

De acordo com as Nações Unidas, em 2030 a população mundial atingirá 8,3 bilhões de pessoas.Grande parte desses indivíduos ganhará maior poder pelos progressos sociais e tecnológicos.

Nas últimas décadas o grande motor desse empoderamento foi a emergência de uma classe média, particularmente na Ásia,com acesso à educação aproximando-se de padrões mundiais pelos efeitos da informação e da comunicação tecnológica e também com a evolução do “status” das mulheres na maioria dos países.

Em 1990, cerca de 73% da população mundial sabia ler e escrever. Em 2010 atingiu 84% e estima-se que em 2030 chegue a 90%.

A classe média aumentará sua influência, passando de 3,2 bilhões em 2020 para 4,9 bilhões em 2030. Estima-se que esses cidadãos serão mais influentes que os antecessores de gerações passadas.

De qualquer forma, apesar dessas progressões, quando um número crescente de pessoas for beneficiado pela “era da informação”, diminuindo o chamado “digital divide” (a projeção é que em 2030 metade da população terá acesso a internet), muitos indivíduos, quer por falta de eletricidade, analfabetismo, ou ausência de acesso a telefones celulares,continuarão marginalizados.

O aumento da classe média, não resolverá uma persistente pobreza e desigualdade. Uma classe média burguesa emergirá na América Latina e Ásia.

De qualquer forma, segundo relatório recente do Banco Mundial (2011) entre 2005 e 2008- desde a África sub saariana até a América Latina, e desde a Ásia até a Europa Oriental, a proporção de pessoas que vivem na pobreza extrema (em renda inferior a US$ 1,25 por dia) vem diminuindo.

O fortalecimento dos indivíduos também terá consequência, particularmente na sociedade civil, tendo grande impacto em como as políticas públicas serão conduzidas.

Usuários da internet poderão ser motivados a um maior engajamento em assuntos de natureza política. O temor é que todas demandas sociais, justas ou não, farão enorme pressão sobre as instituições e partidos democráticos, podendo abrir espaço para um populismo radical, cuja saída poderá caminhar para a tentação do autoritarismo.

Apesar do progresso, sistemas educacionais fracos e o prevalecimento de doenças (epidêmicas ou não), continuarão sendo uma pesada carga para o desenvolvimento humano.

A corrupção será um fator de restrição ao desenvolvimento sustentável, funcionando como um dos principais obstáculos à inclusão social e`a operacionalidade da economia de mercado.

As mudanças climáticas trarão sérias conseqüências e afetarão os padrões de vida e de segurança pública pela exarcebação da falta de água e de alimentos.

A degradação ambiental provocará desastres humanitários, inclusive com a desertificação e enchentes de grande escala em algumas regiões.

Maior “stress” no desenvolvimento sustentável, tendo como pano de fundo maior escassez de recursos e persistente pobreza, potencializada por mudanças climáticas.

A água será um fator desestabilizador entre países fronteiriços, como por exemplo, China e Índia. Tensões pela disputa entre países por matérias primas poderão vir a acontecer.

A competição por recursos vai exarcebar tensões e provocará conflitos. Crise de energia sensibilizará e demonstrará que estaremos penetrando em uma “era de escassez”.

O modelo de economia de mercado prevalecente no desenvolvimento continuará sendo questionado. Os governos financiarão mais projetos de pesquisa para energias limpas e renováveis, que poderão ser insuficientes, ou que os obrigará, desde já, a tomar séria iniciativas para melhorar e buscar maior eficiência energética.

Na questão de segurança humana e da proteção dos cidadãos, muito embora seja um tema sempre presente, não se imaginam guerras entre os superpoderes, como também está descartada uma maior conflagração envolvendo armamentos químicos, biológicos ou nucleares nas próximas duas décadas.

Conflitos motivados por nacionalismo e políticas de identidade extremista poderão acontecer, assim como (associadas ou não) a massacres genocidas. Serão a preocupação principal da governança mundial.

Organizações criminosas e movimentos populistas – nacionalistas, poderão tornar os estados mais vulneráveis, como, aliás, tem acontecido em alguns países na América Latina.
O terrorismo continuará sendo grande preocupação, assim como os conflitos urbanos de baixa intensidade que não deixarão de ser considerados nas políticas de segurança interna. ( Amanhã, o Brasil e o mundo)

Dentro da noite - MIRIAM LEITÃO



O GLOBO - 30/06


O debate entre os líderes europeus varou a noite. Mas terminou bem, com um acordo que pode levar a mudanças importantes. Ontem, o mercado comemorou, com alta do euro e redução do custo das dívidas dos países, principalmente da Espanha. Não é o fim da crise, mas o começo de um acordo no sentido de aprofundamento da união entre os países da zona do euro. A ameaça de implosão da união monetária está mais distante.
Como tudo na Europa, haverá idas e vindas. A concordância em uma federação de países soberanos, em que todos respeitam as regras de aprovação dos parlamentos para as decisões do executivo, é mesmo demorada. A Europa tem tempos e processos que os outros países não entendem, os mercados detestam, mas que precisam ser respeitados.
Ontem foi dia de vitória, porque ao fim de tantas reuniões em que os principais líderes discordavam sobre tudo a da noite de quinta-feira para sexta-feira foi diferente: eles concordaram. Espanha e Itália, unidos, foram capazes de vencer a irredutível Alemanha.
O Fundo Europeu de Estabilidade Financeira e o Mecanismo Europeu de Estabilidade poderão financiar diretamente a recapitalização dos bancos em dificuldade, sem ter que passar pelos tesouros nacionais. Isso significa que a Espanha, por exemplo, não terá um aumento de dez pontos percentuais na sua dívida bruta, como proporção do PIB. Antes da decisão tomada durante a noite, a Espanha teria que se financiar para capitalizar os bancos. Ontem mesmo houve uma queda forte nos juros cobrados da Espanha, de 7% para 6,35%, para vencimento em 10 anos.
A Irlanda, segundo analistas, é o segundo país mais beneficiado, porque apesar de já ter tido um aumento brutal na sua dívida para capitalizar o sistema financeiro, precisaria de captar mais para um novo resgate. Além disso, poderá rever o que já foi acordado e dar fim às supervisões que a troika - Comissão Europeia, FMI e Banco Central Europeu - faz no país. O governo irlandês comemorou a decisão como uma "virada de jogo". Num cenário mais otimista, a Irlanda será o primeiro dos países resgatados a voltar ao mercado de dívida soberana, no início do ano que vem. A Itália, com sua dívida que, como a da Irlanda, é do tamanho do seu PIB, é outra beneficiada pelas novas regras.
Elas não são de aplicação imediata, nem todas as regras foram definidas. Mas houve o mais importante: concordância na reunião de cúpula. A nota começa dizendo: "Afirmamos que é imperioso romper o círculo vicioso entre bancos e emissores soberanos." E a segunda frase é também promissora: "A comissão apresentará em breve propostas relativas ao mecanismo único de supervisão bancária."
Essa segunda frase se refere ao segundo passo dado durante a reunião da noite. Agora, a Europa começa a dar passos na direção da união bancária, como me disse em entrevista durante a Rio+20 o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso. Haverá um órgão de supervisão bancária supranacional, que pode ser o Banco Central Europeu (BCE), que criará regras para a solidez dos bancos de toda a região do euro.
O presidente do Conselho Europeu, Herman van Rompuy, disse que a flexibilização foi permitida para que os fundos europeus de resgate possam comprar dívidas no mercado secundário dos países que cumpram seus compromissos de ajuste e consolidação fiscal. Não entrou em detalhes sobre se os países terão também que cumprir compromissos macroeconômicos.
Outra decisão tomada foi a de aprovar um pacote de 130 bilhões para estimular o crescimento econômico nos países da região. Dada a dimensão da queda em alguns deles, e ao fato de que, como um todo, a zona do euro está em recessão, o pacote é pequeno. Não tem a força necessária para retomar o crescimento, mas ajuda a fortalecer a liderança do presidente da França, François Hollande, que se elegeu com o discurso de lutar por políticas favoráveis ao crescimento.
Tudo é sempre apresentado como uma luta entre a Alemanha e os países de maior fragilidade econômica do bloco. Mas não é simples assim. De acordo com o analista Felipe Queiroz, da Austin Rating, 31% das dívidas dos bancos dos PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) estão com bancos alemães e 18,5% estão com bancos franceses. Esses números pesaram na discussão durante a noite. Na prática, problemas bancários nesses países significam risco para Alemanha e da França. O problema também respingaria em instituições americanas, que detêm 13% dessa dívida, e sobre bancos ingleses, que carregam 9,7% do total. Tudo isso aumenta a pressão sobre as lideranças europeias.
Nos próximos dez dias há uma série de eventos com capacidade de mexer com os mercados: a troika volta à Grécia no dia 2 de julho; o BCE se reúne no dia 5; os detalhes do plano de resgate dos bancos espanhóis serão divulgados no dia 9. Certamente, muitas dúvidas sobre o acordo anunciado ontem vão aparecer nos próximos dias, mas qualquer volatilidade que houver será melhor do que o clima de desânimo e de falta de saída que estava se consolidando na Europa depois da falta total de entendimento entre os líderes nas reuniões recentes.

União bancária no euro - CELSO MING


O Estado de S.Paulo - 30/06


Os mercados festejaram ontem o que passou a ser considerado o melhor acordo de cúpula do bloco do euro entre todos os que já foram firmados nesse tempo de crise.

Depois de 12 horas de negociações, foi divulgada uma declaração de apenas três parágrafos. Seu conteúdo pode não ser suficiente para tirar o euro da beira do precipício, mas é substancial avanço nessa direção. A mais importante decisão foi a de criar, na prática, uma união bancária. É o que está sendo examinado nesta Coluna. As demais decisões dessa cúpula ficam para serem avaliadas na edição de amanhã.

Os fundos de resgate do bloco, hoje o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (EFSF, na sigla em inglês) que será sucedido pelo Mecanismo Europeu de Estabilização (ESM), ficarão autorizados a injetar capital diretamente nos bancos de toda a área para resgatar aqueles que estejam atolados em crise patrimonial.

O objetivo dessa decisão é livrar os Tesouros nacionais da necessidade de aumentar suas dívidas para levantar recursos destinados a reforçar o capital dos seus bancos, situação que afundou a Irlanda e já passou a ameaçar as finanças da Espanha.

A condição para que essa nova função dos fundos de resgate seja colocada em movimento é que a supervisão dos bancos da área seja feita pelo Banco Central Europeu (BCE) e não mais pelos países soberanos, como é hoje.

Não ficou claro se o BCE vai desempenhar essa nova função diretamente ou se vai operar como supervisor dos supervisores nacionais.

Além de fiscalizar a operação dos bancos, a supervisão centralizada implica mais duas exigências técnicas: o mandato de emprestador de última instância aos bancos e a criação de um mecanismo central que funcione como seguro de depósitos em conta corrente.

A decisão tomada tem importantes implicações. Uma delas é exigir mais delegação de soberania dos Estados nacionais para um poder central. Ou seja, a união bancária vai na direção da união política.

Boa pergunta consiste em saber até que ponto os fundos europeus de resgate, que têm munição de apenas 500 bilhões de euros, darão conta de tanta necessidade de recursos. Também será preciso saber até que ponto o bloco do euro estará preparado para enfrentar essas mudanças no curtíssimo prazo decidido pelos líderes. A declaração diz que a Comissão Europeia deve estudar propostas nessa direção até final deste ano. E, nesse meio tempo, é preciso saber se os mercados, sempre tão aflitos, saberão esperar.

Finalmente, pode-se perguntar se o ESM estará pronto para exercer essas novas funções nesse prazo. Até agora, apenas 7 entre os 17 membros do euro aprovaram o tratado do MEE. Seu nascimento ainda não foi inteiramente garantido.

Essa decisão desarmou duas bombas do mercado financeiro. A primeira delas, já mencionada, foi a da escalada do endividamento dos Estados nacionais que puxava para cima o risco de suspensão de pagamentos (e de calote). A segunda bomba desarmada foi a do enfraquecimento em cadeia dos bancos e, no limite, da fuga dos depositantes e do aumento de risco de uma quebra em cadeia.

(Amanhã, as outras decisões desta cúpula e seu principal significado.)

Futebol boa roupa - RUY CASTRO

Folha 30/6


RIO DE JANEIRO - Uma novidade da Eurocopa é a exposição pela TV dos uniformes dos jogadores, antes do jogo, no vestiário, como que arrumadinhos por uma mãe zelosa para garotinhos a caminho da primeira comunhão. Posso ver os roupeiros se esmerando para que cada camisinha fique simétrica ao calçãozinho, enquanto os craques, de cueca, esperam que os câmeras se aviem e se mandem.

Como as camisas trazem os nomes dos jogadores, significa que os treinadores divulgaram as escalações com antecedência. O que é normal. Mas, e se um treinador tiver uma arma secreta -um jogador inesperado-, que ele só pretendia revelar a um minuto do jogo, para não dar tempo ao adversário de se precaver? Em nome da TV, isso não será mais possível.

Quando meu amigo Hans Henningsen, o "Marinheiro Sueco", me disse há 20 anos que, para a Fifa, o futuro do futebol estaria na transmissão pela TV e que o jogo no estádio seria um detalhe, não acreditei. Afinal, o que podia superar assistir a uma partida na arquibancada ou na geral, com o calor da massa ao redor? Pois esse futuro chegou.

Hoje, tanto faz que o público do jogo seja de 5.000 ou de 50 mil pessoas. Para os clubes, a cota da TV, das placas de publicidade e de outras arrecadações laterais são as mesmas. E qual é o problema com os estádios vazios? Afinal, por ordens da Fifa, estádios que comportavam 90 mil ou 120 mil pessoas não têm sido reduzidos à metade, como foi o Maracanã?

Para ela, o ideal seria que esses torcedores privilegiados fossem uma fina classe média, com carro próprio (e haja vagas de estacionamento ao redor) e boa roupa para passear pelos camarotes, sob a mira das câmeras, como coadjuvantes dos convidados e celebridades. Os pobres, os malvestidos e os desdentados, que faziam a massa da torcida, que fiquem em casa, assistindo pela televisão.

O eleitor que se defenda - EDITORIAL FOLHA DE SP


FOLHA DE SP - 30/06

Surgiram na praça mais dois capítulos na crônica e inútil reavaliação das regras eleitorais.


Oito dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) concederam ao PSD, agremiação inventada pelo prefeito paulistano, Gilberto Kassab, os mesmos direitos dos outros partidos com representação na Câmara dos Deputados, no que tange ao tempo na TV e ao financiamento público.

Havia dúvidas quanto a essas prerrogativas, uma vez que a lei as oferecia apenas aos partidos que tivessem obtido cadeiras na Câmara nas eleições de 2010. Decidiu-se que os deputados, ao entrarem no PSD, levaram consigo os votos necessários para que o novo partido desfrutasse desses benefícios.

A decisão do STF não deixa de ser problemática, uma vez que a própria corte estabelecera, anteriormente, que os votos do eleitor se dirigem, em tese, ao partido, e não aos deputados individuais.

Transferir-se para um partido novo -mesmo que formado artificialmente, no claro objetivo de esquivar-se das regras de fidelidade partidária estabelecidas- não seria o mesmo, entretanto, que passar para uma agremiação que já existia nas eleições de que o político houvesse participado.

Não é ilógico o argumento. Mas a decisão reflete, acima de tudo, a dificuldade de acompanhar, com estipulações cada vez mais detalhadas, a inesgotável imaginação de políticos para manter-se no fisiologismo de sempre.

Mundo real e desejos de regulamentação entraram em conflito ainda mais agudo na outra decisão judicial, protagonizada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Contrariando o que decidira em março deste ano, o TSE resolveu aceitar a tese de que serão elegíveis, no próximo pleito municipal, mesmo aqueles candidatos que tiveram suas contas eleitorais reprovadas em ocasião anterior.

Basta ter apresentado as contas, certas ou erradas, regulares ou suspeitas, à Justiça Eleitoral. Cerca de 21 mil candidatos apresentavam irregularidades nesse aspecto. Dada uma alteração regimental na composição da corte (o ministro Ricardo Lewandowski cedeu seu lugar a José Antonio Dias Toffoli), aprovou-se a revisão do entendimento anterior.

Os chamados "contas-sujas" agradecem a oportunidade. A aprovação da contabilidade eleitoral pela Justiça torna-se, mais do que nunca, uma simples formalidade.

Ao eleitor resta defender-se como pode. Não conte ele que a respeitabilidade na vida política venha por meio de normas e tribunais, para nada dizer dos políticos.

Não existe legítima defesa? - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 30/06


O anacronismo da legislação penal e processual penal do País vem gerando situações absurdas, levando cidadãos inocentes, que reagiram a criminosos que os assaltavam à mão armada, a serem processados por crime de homicídio doloso triplamente qualificado.

Só este mês, ocorreram três casos semelhantes. Um aconteceu numa joalheria de Porto Alegre, onde o proprietário, reagindo a um assalto no momento em que abria o estabelecimento, baleou um dos criminosos, que acabou morrendo. Outro caso aconteceu numa tarde de sábado no centro da cidade de Caxias do Sul. Surpreendida em seu apartamento por um ladrão que a ameaçava com uma faca de cozinha, uma senhora de 86 anos tirou da gaveta um revólver calibre 32 que pertencera a seu marido e que estava sem uso há mais de 30 anos e o matou com três disparos.

O terceiro caso aconteceu na região de Cidade Dutra, na zona sul de São Paulo. Rendido em sua loja por dois assaltantes e levado até um banheiro, um comerciante de produtos de informática aproveitou um momento de distração dos bandidos, sacou uma pistola Glock 380 que guardava na mochila e disparou contra os bandidos. Um deles também disparou um revólver calibre 32. Os bandidos foram feridos e morreram logo após dar entrada no Pronto-Socorro do Grajaú. A loja já havia sido assaltada oito vezes nos últimos três anos.

Apesar de terem agido em legítima defesa, nos três casos as vítimas dos assaltantes podem se converter em réus de ações criminais, correndo o risco de serem condenadas a penas privativas de liberdade a serem cumpridas em prisões de segurança máxima, o que representa uma absurda inversão de valores.

Por não ter registro de arma, por exemplo, a idosa de Caxias do Sul está sendo indiciada por crime de homicídio doloso - quando há intenção de matar. Pela legislação processual penal em vigor, explicou o delegado responsável pelo caso, sua tarefa é apenas elaborar o inquérito criminal e enviá-lo para a Justiça. A propositura de uma ação penal cabe ao Ministério Público e o acolhimento do pedido e a posterior condenação ou absolvição da acusada são de responsabilidade de um juiz criminal.

Já os proprietários da joalheira de Porto Alegre e da loja de informática de São Paulo tinham suas armas registradas pela polícia, como manda a Lei do Desarmamento. Apesar disso, os delegados responsáveis pelo inquérito criminal deixaram-se levar por um formalismo que parece exagerado.

No caso do comerciante paulista, por exemplo, o delegado colocou em dúvida a tese de legítima defesa e, alegando indícios de "reação excessiva" e "excesso doloso", pois um dos assaltantes era menor de idade, prendeu o comerciante na carceragem da delegacia. As testemunhas relataram que os assaltantes agiram com violência e que, após o tiroteio, o comerciante esperou a chegada da polícia, apresentou a arma e prestou depoimento. "Quanto à possibilidade do reconhecimento da legítima defesa, submeto à apreciação do Poder Judiciário, ouvindo representantes do Ministério Público", disse o delegado responsável pelo inquérito.

Ficou evidente que a idosa e os comerciantes apenas reagiram, defendendo seu patrimônio e sua vida. Como imputar exagero na reação que tiveram ao ter a vida ameaçada? Por que indiciá-los e convertê-los em réus, obrigando-os a gastar a poupança de uma vida para contratar advogados de defesa, uma vez que eram pessoas honestas colocadas sob risco em suas residências e locais de trabalho? Apesar de serem obrigados a observar a legislação processual penal, que tem mais de 70 anos, por que os delegados de polícia se deixaram levar por tanto formalismo?

A falta de bom senso na interpretação das leis propicia, assim, um cenário surrealista, no qual têm direitos os bandidos, devendo as vítimas de atos criminosos curvar-se à vontade de seus algozes. E quem se defende dentro de sua própria casa vai para a cadeia por ter ferido um criminoso. Não existe mais legítima defesa?

sexta-feira, junho 29, 2012

Água e óleo - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 29/06
Agora é oficial, o crescimento do PIB este ano está por volta de 2,5%, o que é menos do que no ano passado e encerra biênio de PIB muito fraco. Para sair do marasmo, o governo precisaria fazer o que não tem feito. Os sucessivos pacotes repetem a mesma fórmula de distribuir vantagens a alguns, mas não melhoram a eficiência de todos. A lógica do governo está expressa na decisão de tirar imposto da gasolina e aumentar o imposto da água mineral.
A água mineral está, como dissemos aqui ontem, entre os produtos que terão mais impostos nos próximos anos. A indústria de bebidas - água, refrigerantes e cervejas - é que pagará parte da conta dos benefícios concedidos a outros setores, como automóveis, em pacotes recentes.

Desde segunda-feira, gasolina e diesel deixaram de recolher a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), que até a semana passada recolhia R$ 420 milhões por mês, e que em 2002 chegou a arrecadar R$ 1 bilhão por mês.

Esta é uma das curiosidades da política econômica atual: não se sabe nada sobre qual a sua direção. A presidente Dilma Rousseff disse que não daria novas vantagens tributárias porque não é hora de "brincar à beira do abismo". Isso dias depois de abrir mão de quase R$ 6 bilhões por ano, só para não aborrecer os donos de carros na hora de abastecer seus tanques. E fez esse incentivo ao uso do combustível fóssil apesar do custo que isso tem para a indústria do etanol.

Na quarta-feira ficou decidido também aumentar o subsídio aos empréstimos do BNDES. Eles agora pagarão TJLP de 5,5%, retroativo a quem já contratou empréstimo. Quase todas as grandes empresas brasileiras têm empréstimos no BNDES e receberam esse bônus.

Ao mesmo tempo, o governo coleciona frustração de receita. Tem recolhido menos impostos do que tinha previsto. A entrada menor de recursos é uma prova de que a atividade econômica está ficando cada vez mais fraca. Somando tudo: o governo abre mão de receita de uma forma equivocada num momento de frustração de receita.

No Relatório de Inflação, divulgado ontem, o Banco Central fez uma lista das mazelas externas que nos atingem: na Europa a crise está maior, mais longa e mais funda do que o previsto; a retomada do crescimento americano está mais incerta do que o imaginado; a China está reduzindo o ritmo de crescimento em percentual surpreendente.

Tudo isso é verdade. O problema não é apenas o mundo. É a qualidade da nossa resposta. Ela tem sido fraca e sem nexo. O governo tem reagido aos pedidos dos lobbies por redução de tributos ou custos de financiamento do BNDES, mas não fez ainda uma lista de ações para avançar de fato na modernização do país, que sustentem o crescimento.

As vantagens concedidas não têm contrapartida. Nenhuma empresa ou setor que recebe o mimo de um imposto mais baixo e um empréstimo mais barato se compromete com qualquer coisa, seja aumento da eficiência energética, vigilância sobre práticas das suas cadeias produtivas, redução do impacto ambiental, investimento em inovação. O governo, no pacote desta semana, avisou que vai comprar antecipadamente e pagar até 25% mais caro de empresa que produzir no Brasil. É um incentivo à acomodação e à elevação de preços através das compras governamentais.

Na apresentação feita ontem do Relatório de Inflação, o Banco Central disse que a inflação está convergindo para a meta de 4,5% este ano e terá pequena alta no ano que vem. Nada que assuste. Isso porque está importando "desinflação" do mundo. O crescimento menor dos países está provocando uma redução do preço de matérias-primas, o que diminui o ritmo inflacionário no Brasil. Mas é claro também que os preços estão em queda pela elevação dos juros no começo de 2011, que ajudou a reverter um quadro de forte aquecimento da atividade.

Segundo a avaliação do Banco Central está havendo um "crescimento moderado do crédito, em torno de 15%". Primeiro, esse ritmo não é moderado para um crescimento anual; segundo, o crédito vem crescendo a taxas acima dessa há vários anos, como mostramos em gráfico esta semana; terceiro, a inadimplência está aumentando muito. Incentivar o endividamento desordenado das famílias é sim brincar à beira do abismo. São muitos os países que tiveram problemas recentes por excesso de dívida privada.

O Banco Central também avalia que "a atividade econômica está em aceleração". Isso não está amparado nos fatos. O ritmo de atividade pode aumentar ao longo dos próximos meses, mas ainda não há sinais de que isso já esteja acontecendo.

O BC foi surpreendido pela queda maior do nível de atividade. A redução do ritmo foi mais forte do que o imaginado. Para reverter o quadro, aceitou até fazer uma apressada liberação de compulsório apenas para os bancos aumentarem a oferta de empréstimos para a compra de carro.

O Relatório de Inflação sempre traz um amplo diagnóstico da economia brasileira. Os pacotes sucessivos revelam a forma como o governo está pensando em reverter os problemas na conjuntura econômica. Os pacotes e o relatório juntos contam o quanto o governo tem errado na avaliação desta crise.

O Mercosul sob influência chavista - EDITORIAL O GLOBO


O GLOBO - 29/06
A reunião de cúpula do Mercosul, em Mendoza, teria, em condições normais, ampla agenda para discutir, pois ocorre no momento em que o eixo do bloco comercial, Brasil-Argentina, enfrenta graves problemas, devido ao protecionismo crescente dos argentinos. Mas terminou dominada pela questão político-diplomática do destino do Paraguai no acordo comercial, pauta imposta pelos interesses chavistas representados no grupo.
Não é por acaso que, segundo consta, Dilma Rousseff foi alertada pela presidente argentina, Cristina Kichner, na Rio+20, sobre o processo de impeachment em curso contra o paraguaio Fernando Lugo. Cristina K. há tempos assume ares bolivarianos, e se mostra bem mais próxima do caudilho venezuelano, do qual o ex-bispo Lugo também é aliado.

O governo brasileiro reagiu num impulso - erro primário em política e diplomacia -, ao entrar no coro de denúncia do "golpe parlamentar" supostamente desfechado contra Fernando Lugo. Horas depois, Brasília reduziu os decibéis das declarações e, em alguma medida, atenuou o tom. Mas, na essência, manteve o sentido punitivo contra um dos fundadores do Mercosul, um país com o qual tem laços estreitos de interdependência, mais que a Argentina.

O chavismo não perdoa o Congresso paraguaio por ele ter sido o único obstáculo a que a Venezuela chavista entre no Mercosul, um passo temerário, diante do conhecido poder desagregador do caudilho e do seu isolamento crescente no mundo.

Afastar o aliado Lugo, num processo de impeachment muito rápido, contra um dos requisitos da democracia que é o amplo direito de defesa - mas sem ferir qualquer dispositivo da Constituição do país -, colocou o Congresso de vez na linha de tiro dos interesses de Chávez no continente.

Alertada Dilma por Cristina K., o Brasil aceitou ser terceirizado no contra-ataque ao Paraguai. Sério equívoco diplomático. Espera-se que haja em Brasília alguém preocupado com alternativas para reduzir danos futuros decorrentes desta terceirização deplorável.

O maior dos danos é o óbvio: problemas no fornecimento de energia de Itaipu, pouco mais de 15% do consumo nacional, incluindo a parte não utilizada pelos paraguaios e comprada pelo Brasil. É uma parcela significativa. São risíveis as tentativas de autoridades brasilienses de minimizar esta dependência, com o argumento do atual desaquecimento econômico. Ora, teria de haver uma depressão para o Brasil poder abrir mão de Itaipu.

Segundo o ministro de Relações Exteriores brasileiro, Antonio Patriota, há o consenso de não se impor sanções ao Paraguai, por suposta afronta à "cláusula democrática" do Mercosul. Mas o país continuaria suspenso do bloco, até as eleições do ano que vem. Pode não atender aos espíritos mais radicais existentes em Buenos Aires, Brasília e Montevidéu, mas abre uma janela para Chávez, enfim, entrar no acordo comercial, com todo seu poder de desagregação. E quando o Paraguai voltar ao grupo?

Um erro, como se vê, costuma produzir outros erros, em sucessão. O Mercosul sai menor de todo este episódio.

O exagero do crédito pessoal - LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

FOLHA DE SP - 29/06


O maior endividamento de muitos brasileiros levou a inadimplência mais grave do que previam os analistas


Tenho chamado a atenção do leitor da Folha sobre as mudanças estruturais que vêm ocorrendo no Brasil nos últimos seis anos. São alterações importantes no metabolismo de nossa economia de mercado, criadas por um longo período de estabilidade e de crescimento.

Reportei também os efeitos positivos que ocorrem em países emergentes quando a gestão macroeconômica correta por vários anos acaba afetando as expectativas dos consumidores e de empresas produtoras de bens e de serviços.

Em outras palavras, quando o futuro passa a ser previsível e confiável, o chamado "espírito animal" do homem é liberado e entra-se em um período econômico virtuoso. Vivemos no Brasil esse cenário, principalmente no segundo mandato de Lula.

Mas, como o grande Keynes nos ensinou há muito tempo, o "espírito animal" leva também a exageros e a desequilíbrios negativos que passam a ocorrer devido aos riscos excessivos assumidos pelos agentes econômicos. Vivemos nestes dois primeiros anos do mandato da presidenta Dilma Rousseff, no caso do consumidor, um exemplo clássico dessa situação.

O crescimento vertiginoso do crédito ao consumo fez com que, em curto período de tempo, o endividamento do brasileiro com o sistema bancário passasse de 6% do PIB para mais de 16%. Esse aumento do endividamento de parcela importante dos brasileiros, tanto na chamada nova classe média como nos segmentos de renda mais baixa, criou uma situação de inadimplência mais grave do que previram os analistas mais atentos às questões microeconômicas.

Os pagamentos de dívidas chegaram a superar 40% da renda de muitos brasileiros, levando a uma parada súbita no ritmo do consumo, principalmente de bens de consumo.

O impacto sobre o crescimento foi imediato. Neste primeiro semestre, o PIB praticamente não cresceu, o que provocou revisão generalizada das previsões para o ano. Antes dessa freada do consumidor -agravada pelo recuo dos bancos na oferta de crédito-, as previsões apontavam para crescimento entre 3% e 3,5%. Hoje, os números mais realistas estão no intervalo entre 1,5% e 2% para o ano inteiro.

Mas é preciso olhar para a frente com cuidado. A massa total de salários está crescendo no Brasil há alguns meses a taxas reais próximas de 12% ao ano, o que vai facilitar os ajustes dos devedores mais ousados.

No segundo semestre, a inadimplência do consumidor vai se reduzir e, na virada para 2013, os gastos vão voltar a crescer. Apenas uma situação de colapso na Europa -cenário no qual não acredito- pode mudar esse curso das coisas. Os economistas da Quest projetam crescimento do PIB da ordem de 4,5% a 5% entre o quarto trimestre deste ano e o primeiro de 2013, o que deve acalmar os mercados e fazer com que os empresários normalizem seus planos de investimento.

Na volta do consumidor às compras, a queda dos juros, que vem ocorrendo há alguns meses, vai servir como estímulo adicional, reforçando esse cenário de recuperação. Por outro lado, os juros reais, da ordem de 3% ao ano nas aplicações financeiras, devem alterar o equilíbrio entre poupança e consumo nas classes de renda mais elevada. Mas só o tempo pode nos levar a essa situação mais favorável.

Nessas condições, aconselho a equipe econômica a ter paciência e a evitar sinais de desespero que aparecem com os chamados "pacotes de estímulos" em cascata. A economia brasileira é hoje muito maior do que o valor desses estímulos, e apenas setores específicos podem reagir a eles. Mas, no agregado e com capacidade de mudar o crescimento do PIB, apenas mudanças estruturais no gasto e no investimento podem ter alguma influência.

Redução do risco sistêmico com a Europa, normalização do crescimento chinês depois de um longo período de ajustes e estabilização da vida financeira dos consumidores são eventos que não dependem do ativismo do governo brasileiro. E sem eles as ações do governo serão sempre de pouco efeito sobre a economia.

Aventuras fiscais - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 29/06

Congresso ameaça contribuir para desequilíbrio das contas públicas num momento em que a crise recomenda cautela e responsabilidade


Mais uma vez populismo, demagogia e chantagem política dão os braços no Legislativo para maquinar propostas que, sob a aparência de soluções generosas para os males do país, constituem gritante irresponsabilidade financeira.

Trata-se agora de uma série de projetos em discussão no Congresso cuja aprovação terá impacto danoso nas contas públicas. E isso justamente no momento em que a crise econômica internacional recomenda redobrada cautela.

Como disse a presidente Dilma Rousseff, não é hora nem de promover "aventuras fiscais" nem de "brincar à beira do precipício".

O alerta, aliás, vale para o próprio Executivo, com seus seguidos pacotes emergenciais de isenção fiscal, que já põem em risco a meta de superavit primário (a economia de gastos para ajudar a pagar juros da dívida pública federal).

Entre as ameaças em cena estão a extinção do fator previdenciário, o piso salarial para agentes de saúde, a redução da jornada de enfermeiros, a autonomia para Judiciário e Legislativo aumentarem seus salários e a reserva compulsória de 10% do PIB (Produto Interno Bruto) para a educação.

Esta última medida, exemplar em seus contornos temerários, já foi aprovada pela comissão da Câmara que analisa o Plano Nacional de Educação 2011-2020 (PNE). O texto, que fixa diretrizes para o setor, foi encaminhado à Câmara pelo Executivo com a proposta de uma progressiva elevação das despesas até atingir 7% do PIB.

A escalada rumo aos 10% começou com o relator Angelo Vanhoni (PT-PR), que acenou com um aumento para 8%. A seguir, pressões da oposição e de entidades ligadas ao ensino acrescentaram dois pontos percentuais à meta.

Em quase dez anos de governo petista os gastos públicos com educação passaram de cerca de 4% do PIB para os atuais 5,1% -um percentual compatível com os padrões internacionais.

Em números absolutos, o cumprimento da proposta representaria um desembolso suplementar de R$ 230 bilhões ao ano. A cifra equivale a dez vezes as despesas com o Bolsa Família.

De onde sairiam os recursos? A comissão não se deu ao trabalho de identificar nenhuma fonte sustentável. Limitou-se a lançar o número, como se a verba brotasse espontaneamente, na mesma vazão da falta de seriedade com que tantas vezes se encaram as despesas públicas no Legislativo.

A consequência óbvia seria aumentar tributos -o que representaria mais um despautério.

O Brasil viveu, nos últimos anos, um ciclo virtuoso de crescimento do PIB e elevação da renda das famílias. Enfrenta, agora, as dificuldades impostas pela crise mundial e pelas restrições do modelo de expansão do crédito e do consumo. Um Congresso mais sério daria sua contribuição para melhorar, e não deteriorar, o quadro econômico.

Mercosul e autoritarismo - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 29/06


O Mercosul será um bloco muito menos comprometido com a democracia se os presidentes do Brasil, da Argentina e do Uruguai decidirem afastar o Paraguai, temporária ou definitivamente, e abrirem caminho para o ingresso da Venezuela, país comandado pelo mais autoritário dos governantes sul-americanos, o presidente Hugo Chávez. Mesmo sem esse resultado, qualquer punição imposta ao Paraguai será uma aberração. Será preciso imputar ao Legislativo e ao Judiciário paraguaios a violação de uma regra jamais escrita ou mesmo consagrada informalmente pelos quatro países-membros da união aduaneira.

Até a deposição do presidente Fernando Lugo, a Constituição de seu país foi considerada compatível com os valores democráticos. Segundo toda informação disponível até agora, nenhum item dessa Constituição foi violado no rapidíssimo processo de impeachment concluído na sexta-feira passada. Diante disso, nem mesmo o governo brasileiro, em geral afinado com a orientação dos vizinhos mais autoritários, qualificou como golpe a destituição de Lugo. Se não foi um golpe, como caracterizar a ação antidemocrática?

Ataques aos valores democráticos ocorrem com frequência tanto na Venezuela quanto em outros países sul-americanos, mas sempre, ou quase sempre, sem uma palavra de censura das autoridades brasileiras. Ao contrário: a partir de 2003, a ação diplomática de Brasília tem sido geralmente favorável aos governos da vizinhança, quando atacam a imprensa, quando se valem de grupos civis para praticar violências e outros tipos de pressão contra os oposicionistas e quando trabalham para destroçar as instituições e moldá-las segundo seus objetivos autoritários.

Não é preciso lembrar detalhes da ação do presidente Chávez para mostrar como seu governo se enquadra nessa descrição - embora na Venezuela, segundo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, haja excesso de democracia. Mas o chefão bolivariano é apenas um entre vários dirigentes sul-americanos com vocação autoritária.

A presidente Cristina Kirchner é um exemplo especialmente notável. Como presidente pro tempore do Mercosul, condenou prontamente a destituição do presidente Lugo e se dispôs a excluir o governo paraguaio da reunião de cúpula marcada para esta sexta-feira. Mas os compromissos da presidente argentina com a democracia são notoriamente frágeis. Não há nada surpreendente nesse fato, porque é muito difícil a convivência do populismo com os valores democráticos. A incessante campanha do Executivo argentino contra a imprensa é apenas uma das manifestações da vocação autoritária dos Kirchners e, de modo geral, dos líderes peronistas.

Essa campanha foi levada pelo chanceler argentino, Héctor Timerman, a Mendoza, onde ministros de Relações Exteriores se reuniram para preparar o encontro presidencial.

Já na quarta-feira à noite o ministro argentino falou sobre tentativas da "direita golpista" de enquadrar os governos da região e atacou o jornal ABC, de Assunção, acusando-o de haver incitado os políticos a depor o presidente Lugo. Atacou também os diários La Nación e Clarín, de Buenos Aires, por haverem, segundo ele, justificado o impeachment do presidente paraguaio. "Vemos diariamente", acrescentou, "a ideia de enquadrar presidentes como Cristina Kirchner, Dilma Rousseff e José Mujica."

Não por acaso o ministro de Relações Exteriores da Venezuela, Nicolás Maduro, saudou com entusiasmo os colegas argentino e brasileiro, ontem de manhã, no hotel onde os chanceleres começariam a discutir as sanções ao Paraguai. O Senado paraguaio tem sido o último obstáculo à inclusão da Venezuela entre os membros do Mercosul. Os Parlamentos do Brasil, da Argentina e do Uruguai já aprovaram.

Suspenso ou afastado o Paraguai, o obstáculo será removido e o Mercosul será governado pelo eixo Buenos Aires-Caracas. Quaisquer compromissos com a democracia serão abandonados de fato e as esperanças de uma gestão racional do bloco serão enterradas. Para precipitar esse desastre bastará o governo brasileiro acrescentar mais um erro diplomático à enorme série acumulada a partir de 2003.

Hora da idade mínima na aposentadoria - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 29/06


Iniciativas que partem do Congresso com objetivo de mudar a previdência social sempre causam apreensão, pois a tendência dos parlamentares é caminhar no sentido contrário ao de reformas realmente necessárias. Mas há que se reconhecer também que o mesmo Congresso acabou referendando, inclusive com a aprovação de emenda constitucional, quando isso foi preciso, várias propostas dos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula. Mais recentemente, já na administração Dilma Rousseff, viabilizou a criação dos fundos de previdência complementar dos servidores públicos.

Nesse sentido, a tentativa de extinção do chamado fator previdenciário pelo Congresso, que por si só significaria um grande retrocesso se aprovada como tal - diante dos bilionários e crescentes déficits do sistema -, poderá ser uma oportunidade para que o governo se mobilize e consiga definir regras que se ajustem mais adequadamente à expectativa de vida dos brasileiros nos próximos anos. É hora de, enfim, se estabelecer idade mínima para a aposentadoria.

O fator previdenciário corrige uma anomalia do Regime Geral de Previdência Social, que é a possibilidade de segurados do INSS se aposentarem precocemente com base em tempo de contribuição. A fixação de idade mínima para aposentadorias no Regime Geral (com uma regra que possibilite ajustes ao longo do tempo, motivados por ampliações na expectativa de vida) tornaria o fator desnecessário.

A possibilidade de aposentadoria por tempo de contribuição sem levar em conta a idade do segurado é um contrassenso no modelo atual de previdência no Brasil, pelo qual ninguém contribui para si mesmo. Por esse modelo, são os que trabalham os que custeiam os benefícios de aposentados e pensionistas. Assim, quanto mais precoce for a aposentadoria, maior será o peso do lado dos benefícios e menor o das contribuições, o que acentua o desequilíbrio.

O fator reduz o valor inicial do benefício dos que se aposentam precocemente, nivelando-o ao das aposentadorias por idade. Em tese, no primeiro caso o segurado receberá um valor mais baixo, porém por mais tempo, enquanto no segundo, sem impacto do fator, terá um benefício mais alto, mas por menos tempo. Na média, no fim das contas, todos receberão o mesmo montante. Se definidas idades mínimas, como admite o governo, o fator perde essa função.

O IBGE estima a expectativa de vida dos brasileiros com base em pesquisas anuais, o que permite a definição de regras de idade mínima para a aposentadoria que sejam bem adequadas ao país e que contribuam para o equilíbrio de longo prazo nas contas da previdência social. A conjuntura atual, com uma crescente formalização do mercado de trabalho, é um bom momento para se olhar o futuro da previdência, com racionalidade. A economia tende a crescer nos próximos anos, multiplicando as oportunidades de emprego não só para os estreantes, mas para os que desejam permanecer por mais tempo no mercado e os que só tiveram como opção a informalidade.

O governo se prepara para mudar regras referentes a pensões, hoje também distorcidas. No caso das aposentadorias precoces, essa é uma possibilidade que já desapareceu nos sistemas oficiais de previdência de quase todo o planeta. O Brasil é uma exceção, e está mais do que na hora de deixar de sê-lo.

Teto furado - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 29/06



Desde quarta-feira, qualquer indivíduo com acesso à internet pode digitar em seu navegador o endereço eletrônico www.portaldatransparencia.gov.br e obter informações sobre a remuneração dos servidores públicos federais brasileiros. Os únicos a não figurarem na lista são os militares, que terão informações disponibilizadas apenas a partir de julho. Fazem parte desse banco de dados, por exemplo, os vencimentos que a presidente Dilma Vana Rousseff percebe por uma jornada de trabalho de 40 horas semanais no Palácio do Planalto: R$ 26.723. Com os descontos de Imposto de Renda (R$ 6.473) e de INSS (R$ 430,78), o valor líquido foi de R$ 19.818. Esses dados, referentes a maio, serão a partir de agora atualizados mês a mês.
A divulgação das informações pelo governo federal, por meio do Portal da Transparência, atende às disposições da Lei de Acesso à Informação, que entrou em vigor no mês passado. Segundo a Controladoria-Geral da União, que opera o portal, os dados divulgados se baseiam em informações contidas nas fichas financeiras dos servidores ativos do Executivo federal, disponibilizadas pelo Ministério do Planejamento e pelo Banco Central.
Da leitura dos números, depreendem-se conclusões preocupantes, entre as quais a de que altos funcionários da administração, incluindo-se aí ministros de Estado, recebem montantes acima do teto salarial do serviço público, fixado em R$ 26.723,13, valor dos vencimentos de ministro do Supremo Tribunal Federal com assento no Tribunal Superior Eleitoral. A ultrapassagem do limite máximo de vencimentos se dá por meio de jetons por participação em conselhos de administração de estatais. O pagamento desses anabolizantes tem sido instrumento frequente para elevar a remuneração do primeiro escalão do governo.
Outro aspecto negativo é a ausência, no levantamento, dos vencimentos de pelo menos 10 ministros, a maioria licenciada de mandato no Senado. O governo afirma que, nesse caso, cabe ao órgão de origem informar o valor. Com isso, abre-se mais uma brecha para burlar, na prática, a lei que determina a publicidade dos valores percebidos dos cofres públicos por servidores.
Infelizmente, não se trata de distorção exclusiva do Executivo. A extensão da boa prática da transparência a outros poderes revelará casos semelhantes no Legislativo, no Judiciário e nos Tribunais de Contas de Estados e municípios. Tanto Legislativo quanto Judiciário já confirmaram que abrirão seus dados, mas não fixaram data para o anúncio.
Resta esperar que a indignação resultante da vinda a público desses e de outros dados sirva de ponto de partida para um movimento de revisão das distorções salariais ora verificadas. A propósito de malfeitos envolvendo recursos do Erário, o ex-juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos Louis Brandeis costumava afirmar: "A luz do sol é o melhor desinfetante". Queria com isso dizer o magistrado que a publicidade, princípio constitucional que norteia o serviço público, tem efeito benéfico sempre que se trata não apenas de corrigir, mas também de prevenir o mau uso do que é de todos.

Nome de rua - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 29/06


RIO DE JANEIRO - Quando morre um ilustre, não faltam admiradores propondo o seu nome para uma rua. Não importa que a rua já tenha o nome de outro ilustre que, em seu tempo, também mereceu ser homenageado -mas cujas glórias esmaeceram tanto que, com os anos, não se sabe mais o que ele está fazendo naquela placa. Alguém então sugere trocá-lo pelo ilustre recém-morto.

Ótimo, mas quem paga a conta são os moradores e comerciantes da dita rua, obrigados a alterar seus documentos para o novo nome. A grita às vezes é tão grande que a homenagem se frustra. E o ilustre original também tem seus direitos, não? Em 1994, a família do engenheiro carioca Vieira Souto (1849-1922), responsável pela construção do porto do Rio, compreensivelmente barrou a ideia de se alterar o nome da sua avenida para Antonio Carlos Jobim.

Nova York descobriu como prestar essas homenagens sem mexer com a tradição. Em algumas esquinas, logo abaixo da placa oficial, afixa-se outra com os dizeres: "Duke Ellington corner", "Jelly Roll Morton place" etc. Ninguém é prejudicado e faz-se a homenagem do mesmo jeito.

Millôr Fernandes, que morreu em março último, sabia que, um dia, seria nome de rua em Ipanema. Mas não queria desalojar ninguém. Contentava-se com que dessem seu nome a um banco na calçada do Arpoador, onde as pessoas pudessem sentar-se e contemplar o maior pôr de sol urbano do mundo.

Nesta tarde, Fernanda Montenegro, Jaime Lerner, Ferreira Gullar, Fernando Pedreira e outros cidadãos de Ipanema vão levar essa reivindicação ao prefeito Eduardo Paes. Mas é pouco. Donde aproveitarão para pedir que o larguinho sem nome, no mesmo Arpoador, junto à praia do Diabo e reduto do frescobol, passe a chamar-se -a exemplo do largo do Machado, do largo da Carioca e de outros históricos largos cariocas- largo do Millôr.

Sarney, Lula e Maluf, ode ao amor - GUILHERME ABDALLA

BRASIL ECONÔMICO - 29/06


Recebi há pouco e-mail bastante criativo. Segundo os internautas, a jornalista Cristiana Lobo, da Globo News, teria mencionado que Lula teria o sonho de ser lembrado como um grande estadista brasileiro, algo parecido a Getúlio Vargas.

Em seguida, indagam os internautas: "A ideia parece excelente, mas o que nós queremos saber é: quando será o suicídio?"

A história dos estadistas brasileiros é realmente fascinante. Voltemos ao tempo da ressaca pela derrota das "Diretas-já", em 1984, quando imediatamente se iniciaram as articulações para a escolha do sucessor de João Figueiredo que seria feita pelo então Colégio Eleitoral.

Numa ponta, o PDS tinha dois candidatos: o vice-presidente Aureliano Chaves e o coronel Mário Andreazza (favorito dos militares), ambos atropelados por Paulo Salim Maluf, que à época já era deputado federal, com 673 mil votos.

Nascido em 1931, filho de libaneses e mui amigo do presidente Costa e Silva, Maluf entrou na política pela porta dos fundos em 1969, quando foi nomeado prefeito de São Paulo. Dez anos depois, também por eleição indireta, tornou-se governador.

Sua candidatura à Presidência talvez tenha mudado a história do país, seja pela muito possível eleição de Mario Andreazza, seja pela dissidência por ele causada e que resultou no rompimento de Aureliano Chaves, Marco Maciel e José Sarney (que iniciou sua carreira pública sob apadrinhamento do coronel Vitorino Freire, "dono" da política maranhense, passando oportunamente a ser protegido de Castelo Branco e, portanto, contra as diretas) e criação do PFL.

Não fosse por Maluf, o PFL não teria se unido ao PMDB para formação da "Aliança Democrática" e indicado Sarney ao cargo de vice-presidente de Tancredo Neves, que já havia sido ministro da Justiça de Vargas, estadista preferido de Lula.

Sem Maluf, Tancredo não teria recebido vitoriosos 480 votos no Colégio Eleitoral e Sarney não teria assumido a presidência em abril de 1985.

Noutra ponta, não fosse a legalização dos partidos de esquerda por Sarney, em maio de 1985, e a retomada das liberdades civis por meio da nova Constituição de 1988, o PT nunca sairia da clandestinidade para se tornar então um partido fraco e menosprezado. Lula, seu líder, o inspirador de greves, aprendeu a negociar alianças com base na pressão coercitiva, na exploração de desempregados e analfabetos.

Sem a consequente ameaça de Lula, Fernando Collor não teria o apoio da elite nacional nos ataques contra o governo de Sarney e deixado Maluf para trás (5ª posição) no primeiro turno das eleições de 1989. Lula não teria adquirido magnitude não fossem as peripécias de Collor.

Lula não estaria agora tomando vinho com Maluf para saciar sua fome psicopata e desdenhar da fraca memória dos assalariados.

Na política do tudo é possível para permanência do poder, a primeira vítima é a verdade. Alianças inimagináveis são celebradas desde que abençoadas pelos aprendizes de Goebbels. Sarney do coronelismo, Lula do mensalão e Maluf da Interpol: parece piada sem graça, mas é uma linda história de amor.

PIB minguante Celso Ming


O Estado de S. Paulo - 29/06/2012
 
Nesta quinta-feira, o Banco Central anunciou no seu Relatório de Inflação que refez suas projeções de crescimento do PIB para este ano. Não será mais de 3,5%, como avaliara no início do ano, mas de 2,5%.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, deve estar aborrecido com o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, porque esses números há meses não se afinam com os do Ministério da Fazenda.
Quando, em março, o Banco Central avisou que esperava um avanço do PIB neste ano de somente 3,5%, Mantega apostava todas as suas fichas em alguma coisa entre 4,5% e 5,0%. A título de explicação para essas diferenças, afirmou que sabia projetar esses números bem melhor do que o Banco Central.
Na semana passada, o Credit Suisse avisou seus clientes que seus cálculos não apontavam um crescimento em 2012 superior a 1,5%. Mantega declarou que esse número não passava de "uma piada".
Há dez dias, o mercado indicava pela Pesquisa Focus, do Banco Central, que já trabalhava com um crescimento do PIB de 2,30%. Provavelmente, a edição desse boletim na próxima segunda-feira acusará projeção ainda mais baixa. Nesta quinta-feira, a Fiesp divulgou suas novas projeções, entre as quais a de um aumento do PIB de apenas 1,8%. Ou seja, estão todos bem mais próximos da piada do Credit Suisse do que dos números mágicos do ministro.
Mas a questão mais importante não são as eventuais diferenças nas projeções. É examinar por que o setor produtivo avança devagar-quase-parando enquanto o consumo cresce entre 5,0% e 6,0%.
Como esta Coluna já apontou na edição de quarta-feira, o governo agora tende a descarregar o resultado insatisfatório do PIB sobre a crise externa: o empresário está com medo e vai desacelerando, argumenta o governo. Não dá para negar esse efeito. A perda de confiança é trava a levar em conta. Outro fator, também já apontado aqui, é a política excessivamente intervencionista do governo: o empresário não aciona seu espírito animal porque fica esperando mais favores do governo.
Mas há um terceiro fator, mais profundo e de ação mais duradoura. Esta crise mostrou ao industrial que, por mais brilhante que seja, a empresa dele não é competitiva. Se pisar no acelerador e aumentar os investimentos, corre sério risco de perder dinheiro.
O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, vem explicando que até mesmo a indústria mais moderna do mundo instalada no Brasil não tem mais como competir com o setor produtivo de outras partes do mundo, porque enfrenta custos insuportáveis do portão da fábrica para fora.
Nesta quinta-feira, em palestra no Congresso Brasileiro do Aço, realizado em São Paulo, o economista Eduardo Giannetti da Fonseca argumentava que o investimento siderúrgico no Brasil não sai por menos de US$ 1,8 mil por tonelada de capacidade. Enquanto isso, na Índia sai por US$ 1 mil e na China, por US$ 550. Nessas condições, quem é o maluco que vai pôr dinheiro na produção de aço no Brasil?
O governo Dilma entendia que bastaria derrubar os juros, puxar as cotações do dólar e espremer os bancos para que baixassem os juros para que o PIB disparasse. Não é o que está acontecendo. A maior parte dos estímulos foi concedida ao consumo: os salários foram esticados e o crédito foi encorajado. No entanto, o setor produtivo vai afundando nos custos – no custo Brasil. O pessoal da Fiesp chama a isso de desindustrialização.
CONFIRA
Na tabela, as últimas projeções do Banco Central para o PIB 2012, de acordo com o Relatório Trimestral de Inflação publicado nesta quinta-feira. Mesma meta. Nesta quinta-feira, o Conselho Monetário Nacional fixou em 4,5% a meta de inflação de 2014. A meta não muda desde 2006. E, no entanto, esta poderia ser excelente oportunidade para uma redução em pelo menos meio ponto porcentual. Quando aparecerá uma conjuntura melhor para esse objetivo do que esta?
Mão de obra cara. O Relatório voltou a reconhecer que o mercado de trabalho está aquecido e que, nessas condições, é fator que trabalha contra o controle da inflação.

Cartão vermelho Nelson Motta

O Globo
Certos jogos de futebol são tão ruins que parecem intermináveis, quando os comentaristas dizem que os dois times poderiam continuar jogando a noite inteira que não sairiam do 0 a 0. A metáfora de sabor "alulado" é perfeita para expressar a destituição de Fernando Lugo da presidência do Paraguai, mas não pela legalidade ou velocidade com que foi goleado por 76 a 1 no Congresso e depois no Tribunal Eleitoral e na Suprema Corte: na Constituição deles a regra é clara.
Mas caso os paraguaios resolvessem instaurar uma comissão de impeachment, cumprindo todos os ritos e formalidades do barroco latino-americano, como exigem os democratas Chávez, Cristina e Correa, até os paralelepípedos das ruas de Ypacaraí sabem que eles poderiam ficar num diálogo de surdos meses a fio, como num jogo ruim de futebol, que o resultado final não seria diferente.
Então por que perder tempo e dinheiro e parar o país? Para ouvir estrangeiros dando pitaco nos problemas dos paraguaios, alguns até dispostos a dar dinheiro e armas para os "movimentos sociais" defenderem Lugo numa guerra civil ? Em time que está perdendo não se mexe?
Até seus parcos partidários sabem que Lugo se embananou, tanto que entubou resignado a sua destituição ao vivo, diante de todo o país. Alem da gestão desastrosa, Lugo decepcionou seu eleitorado popular desenvolvendo uma paixão por hotéis cinco estrelas e restaurantes de luxo em suas frequentes viagens ao exterior, no mínimo uma por mês, sempre com festivas comitivas, para agendas duvidosas. Descontente com o desconforto da primeira classe nos voos comerciais, tentou que a Itaipu Binacional lhe comprasse um Aerolugo da Embraer, mas a diretoria cortou suas asas. Negociava um Challenger usado de um cartola do futebol quando foi defenestrado.
O que a nossa diplomacia companheira vai fazer agora, além de estender o tapetão para a entrada da Venezuela no Mercosul? Vão obrigar o Paraguai a desrespeitar ou a mudar a sua Constituição? Vão dar ao novo governo direito de defesa na Unasul? Ou vão dar um chapelão a Lugo e abrigá-lo na embaixada do Brasil em Assunção?

Decisões do STF significam retrocessos, por Merval Pereira

O Globo

A “judicialização” da política produziu ontem duas decisões que terão influência importante na nossa vida partidária, e não necessariamente para o seu aperfeiçoamento. Por quatro votos a três, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) liberou o registro de candidaturas para os políticos com as contas sujas, num recuo provocado pela pressão dos partidos.
Em março último, o TSE decidira que não poderiam ser candidatos políticos que tivessem contas de campanhas reprovadas.
Por sua vez, decisão de ontem do Supremo Tribunal Federal (STF), que na prática concedeu ao PSD o tempo de propaganda eleitoral no rádio e na TV proporcional à sua bancada na Câmara, tem um efeito perverso que vai além do fortalecimento imediato da nova sigla criada pelo prefeito paulistano, Gilberto Kassab.
O novo PSD ganhará um reforço nas negociações políticas para alianças ainda nesta eleição municipal, sem dúvida, e o partido mais diretamente afetado será o DEM, de onde veio a grande maioria de seus fundadores e atuais membros.
O tempo de propaganda migrará do DEM para o PSD, enfraquecendo um e fortalecendo o outro. Mas, além do resultado imediato, a interpretação do STF traz com ela um efeito deletério para a já desgastada organização partidária do país.
Não foi à toa que o ministro Joaquim Barbosa propôs que a ação não fosse nem julgada, já que o tema deveria ser tratado “em abstrato”, mas na realidade o centro da discussão era o PSD, mesmo que a sigla não fosse citada diretamente, o que, para ele, gerará uma consequência que “não será boa” para o quadro partidário.
Já os ministros Cezar Peluso e Marco Aurélio Mello, antevendo os perigos para a democracia que a decisão pode gerar, foram além e votaram pelo fim da regra de divisão do tempo de rádio e televisão com base no número de deputados federais filiados.
Como a Constituição garante aos partidos o direito de igualdade na disputa eleitoral, o tempo da propaganda deveria ser dividido igualmente entre todos os partidos com candidatos.
Os votos do ministro Marco Aurélio Mello são exemplares da confusão que está sendo instalada no quadro partidário.
Ele votou no Tribunal Superior Eleitoral contra a formação do PSD, pois considerou que a legislação não foi observada integralmente, mas, diante da aprovação da sigla, viu-se na obrigação de votar a favor do direito do novo partido de receber sua parcela proporcional do Fundo Partidário.
Para não se comprometer com o erro, o ministro Marco Aurélio Mello votou ontem no Supremo pelo fim da distribuição do tempo de acordo com as bancadas da Câmara, pois considera que esse sistema de divisão provoca a formação de partidos de aluguel que vivem de seus tempos de propaganda eleitoral.
A questão incomodava tanto aos partidos que a ação no TSE foi feita pelo DEM e por mais 20 outros partidos políticos, que foram todos derrotados pela maioria do Supremo, para onde a ação acabou sendo encaminhada antes do final do julgamento no TSE, para que a questão fosse decidida “em abstrato”, a fim de valer para qualquer partido que tenha sido ou venha a ser criado depois da eleição de 2010, até que a próxima eleição, em 2014, possa definir a bancada partidária das novas legendas.
Os ministros que concordaram com a tese de que os partidos formados dentro da legislação da fidelidade partidária, que permite a mudança de legenda para a formação de um novo partido, têm o direito ao tempo de seus membros basearam-se na realidade criada pela legislação.
Mesmo que jamais tenha disputado uma eleição, esse partido teria que ter meios de subsistir até a próxima eleição e tempo de propaganda eleitoral correspondente à bancada que formou — no caso do PSD, uma das maiores da Câmara, com 52 deputados.
Na verdade, a decisão do Supremo, além de estar em contradição com uma decisão anterior do Tribunal Superior Eleitoral que definiu que a votação recebida por um parlamentar pertence ao partido, e não ao candidato, pode significar a institucionalização da venda do tempo de televisão.
A mais recente realização nesse campo foi a aliança entre Lula e Maluf para dar mais um minuto e 30 segundos para a campanha eleitoral do candidato petista Fernando Haddad em São Paulo.
Esse mercado eleitoral, que já é fartamente conhecido de todos, ganhará agora novas variantes de chantagem. Se de repente um grupo de deputados está em dificuldades políticas em um partido, pode ameaçar sair para criar outro, levando consigo o tempo de televisão.
Ou um grupo pode derrubar o tempo de um candidato às vésperas da eleição. Alguns políticos consideraram que o Supremo está mudando a regra das eleições depois de os partidos já terem escolhido seus candidatos, provocando uma insegurança jurídica brutal às vésperas da eleição.
É improvável, no entanto, que a decisão de ontem mude radicalmente as alianças políticas já firmadas, mas, do ponto de vista dos partidos, é um fato gravíssimo, que pode ameaçar a oposição em pleitos futuros.
Pontualmente, terá influência em algumas alianças. O DEM, por exemplo, perdeu o único argumento político forte que tinha contra o PSD, e, embora o presidente do partido, senador Agripino Maia, tenha garantido ontem que todas as alianças feitas pelo partido estão mantidas, é evidente que pode haver repercussões nos próximos dias, até a formalização oficial dos acordos e da escolha dos candidatos, prazo que termina no início de julho.
O duro golpe que o PSD recebera quando o procurador-geral eleitoral, Roberto Gurgel, votara contra suas pretensões em relação ao tempo de televisão, agora foi sentido pelo DEM, que contava com o revés do adversário para se fortalecer e até mesmo receber de volta muitos dos que haviam abandonado a legenda para criar o PSD. Agora, é possível que novas defecções aconteçam.

Arquivo do blog