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sexta-feira, março 23, 2012

Sustentabilidade do setor elétrico ameaçada Nelson Fonseca Leite


Valor Econômico - 23/03/2012
 
Desde 2004, com o Novo Modelo do Setor Elétrico, as distribuidoras de energia passaram a ter uma atribuição extra, além de levar energia a 99,2% dos lares brasileiros. Trata-se da garantia do fornecimento futuro de energia, evitando-se assim situações emergenciais de racionamento, como o ocorrido em 2001 e que teve impactos negativos na economia brasileira.
Por meio de um mecanismo eficaz, as empresas de distribuição declaram anualmente as necessidades futuras de energia elétrica para atender a seus clientes, com base em suas projeções de mercado. O Ministério de Minas e Energia consolida essas necessidades e promove leilões para decidir os projetos de usinas que atenderão a demanda de energia do país. A escolha é realizada com base no preço do megawatt por hora (MWh) e os empreendedores que se propuserem a construir seus projetos e atender às necessidades de energia com a menor tarifa sagram-se vencedores.
Eficiência apenas será atingida se houver justo equilíbrio entre os mercados regulado e livre
São eles que assinam contratos com as distribuidoras, comprometendo-se a fornecer energia por períodos longos, de 15 a 30 anos. Em 2011, por exemplo, houve leilões com início de fornecimento de energia previsto a partir de janeiro de 2016, com prazos de até 30 anos. Os contratos são utilizados pelas distribuidoras para garantir, que no futuro, haja energia a ser entregue aos seus clientes, reduzindo o risco de um racionamento. As receitas futuras desses contratos são utilizadas pelos empreendedores para financiar suas obras com bancos e instituições financeiras, são as chamadas garantias.
Todo esse procedimento garante ao país a segurança energética para suportar o crescimento econômico e a demanda cada vez mais crescente por energia elétrica. Ganham os investidores pelas oportunidades de negócio e ganha o consumidor pela garantia de oferta de energia ao menor preço possível. Desde 2004, foram licitadas cerca de 60 mil MW de nova capacidade instalada, o que corresponde a pouco mais de quatro usinas hidrelétricas de Itaipu.
Para as distribuidoras, o mecanismo é, a princípio, neutro, pois os custos com a compra de energia são repassados à tarifa sem nenhuma margem. Resta, no entanto, um risco às empresas de distribuição. Se o consumo previsto com cinco anos de antecedência não se realizar haverá sobra de energia e, a partir de certo volume, o custo adicional será arcado somente da própria empresa de distribuição. Há mecanismos de correção desses desvios de projeção, que funcionaram bem até 2010, mas que estão limitados e insuficientes.
Existem no Brasil dois mercados de energia: os grandes consumidores, que podem escolher comprar diretamente dos geradores e comercializadores (Mercado Livre) e os consumidores pequenos atendidos obrigatoriamente pelas distribuidoras (Mercado Regulado). Quando um cliente convencional de grande porte (demanda contratada superior a 3 MW) exerce a opção de adquirir energia de outro fornecedor, ou seja, resolve tornar-se um cliente livre, a energia que a distribuidora adquiriu para atender este cliente passa a não ter um consumo associado, havendo uma sobra contratual de energia. Para diminuir este excesso, a distribuidora pode reduzir os volumes que contratou, mas não aqueles associados aos leilões de expansão, pois esta opção dificultaria a obtenção de financiamento pelos empreendedores. Neste caso, as reduções contratuais podem ser realizadas em contratos de energia existente, firmados com usinas que já estão em operação.
Ao longo dos últimos anos, muitas empresas de distribuição já reduziram a totalidade dos contratos de energia existente, de modo que quando um cliente migra para o Mercado Livre a sobra de energia da distribuidora transforma-se em um custo sem receita equivalente, provocando desequilíbrio econômico.
Situação mais crítica tem se configurado com a migração ao Mercado Livre de clientes menores, de até 500 kW, que adquirem energia de fontes incentivadas (pequenas usinas hidrelétricas, usinas a biomassa e eólicas), com subsídios dos demais clientes. Nesses casos, mesmo que haja contratos de energia existente, eles não podem ser reduzidos. O fato preocupante é que as sobras de energia associadas a estas migrações já representam, em algumas distribuidoras, até 10% de seus mercados consumidores.
O caráter emergencial da situação pode gerar sérios riscos ao setor. Com custos elevados de compra de energia e sem os respectivos clientes para realizar as receitas, as distribuidoras de energia podem começar a não ser capazes de honrar os contratos de energia firmados. A solidez financeira também é afetada pelo fato de que a parcela da tarifa de fornecimento associada à remuneração e custeio das distribuidoras vem se reduzindo nos últimos anos. O que está em jogo é a segurança energética nacional e a sustentabilidade do setor elétrico.
Observa-se um movimento amplo em prol da ampliação do Mercado Livre, aumentando os clientes que podem deixar de adquirir energia das distribuidoras e escolher seu fornecedor. A competição em si entre geradores de energia seria saudável, desde que se estabeleçam as condições para que a expansão da oferta de energia seja mantida para que os contratos já firmados possam ser honrados. A atual política de incentivos aplicada ao setor elétrico, via isenções ou reduções tarifárias merece atenção. O desconto tarifário obtido por alguns segmentos onera a tarifa dos demais usuários. Assim, a mensuração desses impactos deve ser contínua e a manutenção deste tipo de incentivo deve ser bem justificada.
As distribuidoras acreditam que a sustentabilidade do Modelo do Setor Elétrico, sabiamente implantado em 2004, só será atingida se houver o justo equilíbrio entre mercado regulado e mercado livre com mecanismos que permitam atribuir a responsabilidade pela garantia de expansão da geração também a este último. Com regras claras e contratos respeitados ganham todos, inclusive os consumidores residenciais.

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