Entrevista:O Estado inteligente

domingo, maio 29, 2011

Chama Lula! Alberto Dines

JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Assim como na medicina há uma gradação vocabular que vai do mal-estar
à enfermidade, no universo ético-político a matização é ainda mais
diversificada, já que a política é a arte do relativismo. Do impróprio
ao irregular, deste ao ilícito e do ilícito ao ilegal percorre-se uma
vasta gama de nuances e dégradés que baralham os padrões estabelecidos
pelo senso comum.
A súbita entrada em cena do presidente Lula na primeira grande crise
perto do fim do primeiro semestre do governo Dilma não configura
qualquer infração nas regras do jogo institucional. Mas foi imprópria.
Um político não tem prazo de validade, vale para sempre.
Ex-presidentes não se aposentam, ao contrário, têm obrigação de
transferir a experiência acumulada não apenas aos sucessores diretos,
mas principalmente às sociedades que o elegeram. Pijama é uma peça de
vestuário inexistente no armário de um chefe de Estado. Só agora,
depois da redemocratização, estamos começando a concretar a figura do
Elder Statesman, estadista sênior, prova da estabilidade do sistema.
O presidente Lula avisou em diversos momentos antes de entregar a
faixa presidencial que manteria aberto um canal de comunicação com a
sua sucessora e, ao longo destes 144 dias, certamente cumpriu a
promessa seja em encontros pessoais ou telefônicos. A sua intempestiva
entrada na arena reservada aos agentes representativos da sociedade
chefiando reuniões com ministros e parlamentares, pode ser facilmente
classificada como inadequada e, por extensão, inconveniente.
Inclusive nas suas hostes, a chamada base aliada. O novo surto de
onipotência do ex-presidente escancara duas situações que taticamente
jamais deveriam ter sido magnificadas: a fragilidade da chefe da Nação
(inclusive em matéria de saúde) e a gravidade das denúncias referentes
ao aumento do patrimônio do ex-deputado e agora ministro-chefe da Casa
Civil.
Os 20 milhões que teriam sido faturados pela "Projeto", a empresa de
consultoria de Antonio Palocci ao longo de quatro anos, de repente,
ganharam uma dimensão que transcendem à esfera onde se situavam as
revelações da Folha de S.Paulo. Na insensata intervenção, Lula
chutou-as para o alto, insuflou-as e converteu o que antes se
enquadrava como "conflito de interesses" em transgressão quase
delituosa.
O que originalmente estava no âmbito pessoal, deslize, foi
dramaticamente ampliado como questão de estado. Tanto a presidente
Dilma Rousseff como seu principal auxiliar até então os queridinhos da
mídia, dos empresários e surpreendentemente respeitados pela oposição,
num passe de mágica, foram colocados na corda bamba pela entrada em
cena do Superman, o anjo exterminador do golpismo da mídia.
E isto no exato momento em que a derrota do governo nas mãos dos
ruralistas ganhava as manchetes dos principais jornais do mundo e o
País dava um exemplo de maturidade produzindo a inédita reunião da
presidente Dilma com 10 ex-ministros de Meio Ambiente desde os tempos
da ditadura.
A informalidade iniciada em 1º de janeiro aparentemente exacerbou o
ego e embotou alguns dos atributos do ex-presidente. A pressa em
acabar com o "vazio político" levou-o a aposentar o seu celebrado
timing. O seu senso de oportunidade funcionou ao revés, como
bumerangue: a sucessora saiu mais frágil da inopinada visita e o
habilíssimo ministro que coordenou a sua vitoriosa campanha para
chegar ao Planalto assemelha-se a um títere inanimado nas mãos do
mago.
Doravante, diante de qualquer sobressalto - real ou virtual - será
inevitável acionar o alarme e gritar "chama o Lula!".
Alberto Dines é jornalista

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