Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 20, 2011

VINICIUS TORRES FREIRE Chiclete com Obama

FOLHA DE SÃO PAULO - 20/03/11

Diplomacia dos EUA tem pouco a oferecer ao Brasil; realidade econômica
crua dita maior parte das relações


A QUESTÃO das "relações bilaterais" entre EUA e Brasil ainda parece
muito com a da pauta estabelecida por Gordurinha e Almira Castilho em
"Chiclete com Banana" nos idos de 1959, cantada pelo embaixador do
forró, Jackson do Pandeiro.
Espécie de manifesto geopolítico, canção de protesto "avant la
lettre", tapa na Bossa Nova e crítica antecipada ao Tropicalismo
"entreguista", "Chiclete com Banana" dizia: "Eu só ponho bebop/ No meu
samba/ Quando Tio Sam tocar o tamborim". Seguindo um princípio básico
da diplomacia, o da reciprocidade, Gordurinha e Almira ofereciam um
mix de chiclete com banana, de samba com rock, "mas em compensação"
queriam ver um "boogie-woogie de pandeiro e violão".
O que os EUA têm a oferecer? O que queremos? Os governos petistas
querem apoio para uma vaga no Conselho de Segurança da ONU, ambição
duvidosa que, satisfeita, deve render mais dor de cabeça e conflito do
que vantagem real.
Barack Obama veio ao Brasil fazer relações públicas, "discursos
históricos" e vender umas coisas. Bom que a gente converse, bom para
nós e o mundo que Obama seja um tipo amistoso e "cool" etc. E daí?
As relações econômicas entre Brasil e EUA são determinadas por
realidades bem mesquinhas. Nada será diferente se a "diplomacia
presidencial" for apenas algo mais calorosa. Quede planos?
Claro que os EUA já foram mais relevantes e intrometidos. Por exemplo,
quando deram uma força meio fraca à industrialização, em meados do
século 20. Quando vieram com a "modernização" da Aliança para o
Progresso, nos anos 1960, que distribuiu umas latas de leite, fez
propaganda anticomunista, financiou a subversão da Constituição
brasileira e ajudou empresas americanas. Ou quando mandou uma frota
para auxiliar os golpistas de 1964, "just in case".
Agora, os americanos querem mercado para sua indústria, que aos poucos
migra para a China e arredores. Querem que ajudemos num tico a evitar
a desindustrialização deles. O que vamos ganhar?
Querem um ponto de abastecimento de petróleo mais confiável. Mas mesmo
que o pré-sal seja um sucesso, seremos fornecedores menores. Ainda que
fôssemos maiores, em termos políticos isso talvez seja mais um risco
do que uma vantagem. Basta ver as intervenções americanas nos países
petrolíferos.
A conversa sobre livre comércio morreu desde a desastrosa e
inaceitável negociação da Alca em 2002. Foi quando o "sub do sub", o
ministro da negociação comercial dos EUA, Robert Zoellick, disse que o
Brasil teria de fazer comércio na Antártida se rejeitasse a Alca.
Desde então, os EUA nada fizeram para retomar o diálogo de forma menos
extorsiva e estúpida que a de Zoellick.
Na OMC, os EUA fazem de tudo para burlar decisões pró-Brasil. Obama
pode fazer quase nada sobre o protecionismo agrícola, decidido em
barganhas no Congresso, como no caso do etanol, barrado no baile de
subsídios americanos. Por falar em etanol, aliás, se o plano de
energia limpa de Obama decolar, nossos biocombustíveis terão sérios
problemas. Os EUA querem ainda aliados para detonar a bárbara política
comercial chinesa. Como em parte isso nos interessa também, ok. Mas os
chineses não dão a mínima.
Então, a que veio Obama?

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