Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, março 21, 2011

Ricardo Noblat Ó pai, ó!

O GLOBO
- E Lula, hein? Foi o único ex-presidente que recusou o convite de
Dilma para almoçar com Obama. malandro ou zé mané?

Maria Bethânia criará um blog para disseminar poesia de boa qualidade?
Ótimo! O blog custará pouco mais de R$ 1.350 mil para se manter
durante um ano? Problema dela! Bethânia embolsará R$ 50 mil mensais
para declamar um poema por dia? Sortuda! O dinheiro será arrecadado
junto a empresas que depois o abaterão do seu Imposto de Renda? Êpa!

Existe uma lei de nome Rouanet aprovada pelo Congresso no final de
1991. Ela permite às empresas aplicarem em projetos culturais até 4%
do que pagariam de Imposto de Renda, e às pessoas físicas até 6%. A
maior parte da clientela da lei difunde a ideia de que é privado o
dinheiro destinado a financiar projetos.

Mentira! Na verdade, o governo abdica de receber uma parcela de
impostos para que a cultura floresça entre nós. A intenção
inegavelmente é boa. No mais quase tudo é ruim. Onde já se viu
dinheiro público escapar ao controle do governo? Aqui é o que ocorre
na prática.

Uma vez autorizada a arrecadação de recursos, o negócio passa a ser
tratado entre artistas, produtores e suas eventuais fontes de
financiamento. Na maioria das vezes o processo é nebuloso. O governo
limita-se a receber depois a prestação de contas. Está para existir no
mundo civilizado um modelo sequer parecido com esse.

Não pense que é pouco o dinheiro envolvido em transações por vezes
tenebrosas. Em 2003 foram R$ 300 milhões. Seis anos depois, R$ 1
bilhão. Cerca de 80% do orçamento do Ministério da Cultura para este
ano derivam de impostos que o governo deixará de recolher. O que sobra
é uma titica.

A Polícia Federal produziu no ano passado um relatório sigiloso sobre
projetos tocados adiante com base na Lei Rouanet. Pelo menos 30% do
dinheiro que empresas dizem ter investido em projetos foram devolvidos
para elas por debaixo do pano. Devolvidos por quem? Pelos
arrecadadores com a cumplicidade de artistas.

Autoridades e artistas enchem a boca quando falam sobre uma política
nacional de cultura. Sinto muito, mas não há política – primeiro
porque falta dinheiro para outras coisas, segundo porque uma política
nacional de cultura teria que ser definida pelo governo depois de
consultas à sociedade.

Contudo, por obra e graça dos mecanismos e da ausência de critérios da
Lei Rouanet, são os departamentos de marketing das empresas que
definem a "política nacional de cultura". Os responsáveis por tais
departamentos escolhem os projetos a serem contemplados com um
dinheiro que é do governo. E quem mais lucra?

As empresas, que associam sua imagem à imagem de artistas famosos. Os
intermediários entre as empresas e os artistas. E os artistas. Entre
pôr dinheiro numa orquestra juvenil da periferia de Fortaleza ou num
show de Ivete Sangalo, você imagina qual será a escolha de uma
empresa?

E o dinheiro que elas economizam com publicidade? Numa recepção, há
dois anos, sem se dar conta da presença de Millú Villela, uma das
donas do Banco Itaú, o então presidente Lula comentou numa roda de
amigos: "O Itaú faz a maior propaganda dele mesmo com dinheiro de
renúncia fiscal". Millú foi embora aborrecida.

O finado Banco Santos patrocinou em 2009 a exposição de exemplares do
exército de terracota desencavado na China. Para celebrar a proeza,
publicou páginas de anúncios em revistas e jornais exaltando a
contribuição da iniciativa privada à cultura nacional. Tudo pago via
Lei Rouanet.

Apenas 3% dos que apresentam projetos ao Ministério da Cultura ficam
com mais da metade do dinheiro atraído pela lei. Mais da metade do
dinheiro banca projetos nascidos no eixo Rio-São Paulo. Fora do eixo,
deu a entender certa vez o produtor paulista Paulo Pélico, "o resto é
bumba-meu-boi".

A presidente Dilma Rousseff está disposta a acabar com a farra feita
com o nosso dinheirinho. A Lei Rouanet dará lugar a outra que já
tramita no Congresso. Anotem desde já: será ensurdecedora a chiadeira
dos viciados em dinheiro público.

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