Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, março 21, 2011

José Goldemberg O acidente nuclear do Japão

O Estado de S. Paulo - 21/03/2011

Existem hoje cerca de 450 reatores nucleares, que produzem
aproximadamente 15% da energia elétrica mundial. A maioria deles está
nos Estados Unidos, na França, no Japão e nos países da ex-União
Soviética. Somente no Japão há 55 deles.

A "idade de ouro" da energia nuclear foi a década de 1970, em que
cerca de 30 reatores novos eram postos em funcionamento por ano. A
partir da década de 1980, a energia nuclear estagnou após os acidentes
nucleares de Three Mile Island, nos Estados Unidos, em 1979, e de
Chernobyl, na Ucrânia, em 1986. Uma das razões para essa estagnação
foi o aumento do custo dos reatores, provocado pela necessidade de
melhorar a sua segurança. Com a queda do custo dos combustíveis
fósseis na década de 1980, eles ficaram ainda menos competitivos. O
custo da instalação de um reator nuclear triplicou entre 1985 e 1990.

Temos agora o terceiro grande acidente nuclear, desta vez no Japão,
que certamente vai levar a uma reavaliação das vantagens e
desvantagens de utilizar reatores nucleares.

Vejamos quais são os fatos, as causas e consequências do acidente
nuclear japonês.

Os fatos são bastante claros: o sistema de resfriamento deixou de
funcionar após os terremotos e o núcleo do reator onde se encontra o
urânio começou a fundir, produzindo uma nuvem de materiais radioativos
que escapou do edifício do reator, contaminando a região em torno
dele. Além disso, o calor do reator decompôs a água em hidrogênio e
oxigênio, o que provocou uma explosão do hidrogênio que derrubou parte
do edifício. A quantidade de radioatividade liberada ainda não é
conhecida, mas poderia ser muito grande (como em Chernobyl) se o
reator não fosse protegido por um envoltório protetor de aço. O reator
de Chernobyl não tinha essa proteção.

As causas do acidente são menos claras: a primeira explicação foi a de
que, com o "apagão" causado pelo terremoto, os sistemas de emergência
(geradores usando óleo diesel), que deveriam entrar em funcionamento e
garantir que o sistema de resfriamento do reator continuasse a
funcionar, falharam. A temperatura subiu muito e o núcleo do reator
começou a fundir, como aconteceu no reator de Three Mile Island, nos
Estados Unidos. Essa explicação provavelmente é incompleta; é bem
provável que parte da tubulação de resfriamento tenha sido danificada,
impedindo a circulação da água.

O que se aprende com essa sucessão de eventos é que sistemas complexos
como reatores nucleares são vulneráveis e é impossível prever toda e
qualquer espécie de acidente. Em Three Mile Island não houve nem
terremoto nem tsunami, e nem por isso o sistema de refrigeração deixou
de falhar.

A principal consequência do acidente nuclear no Japão é o abalo da
convicção apregoada pelos entusiastas da energia nuclear de que ela é
totalmente segura. Tal convicção é agora objeto de reavaliação em
vários países e certamente também o será no Brasil.

Essa reavaliação envolve três componentes.

Em primeiro lugar, considerações econômicas: a competitividade da
energia elétrica produzida em reatores nucleares comparada com
eletricidade produzida a partir de carvão ou gás é desfavorável a ela.
Ainda assim, ela se justificaria porque o uso de carvão ou gás para
geração de eletricidade resulta na emissão de gases responsáveis pelo
aquecimento da Terra, principalmente o dióxido de carbono. Em
funcionamento normal, reatores não emitem esse gás. A competitividade
da energia nuclear poderia melhorar se a emissão de carbono fosse
taxada.

Em segundo lugar, considerações de segurança no suprimento de energia.
A produção de eletricidade em reatores nucleares torna certos países
menos dependentes de importações de carvão ou de gás natural - caso do
Japão e da França -, mas, em contrapartida, torna-os dependentes da
produção de urânio enriquecido ou da sua importação.

Em terceiro lugar, riscos de natureza ambiental e de proteção à vida
humana resultantes da radioatividade. Este parece ser o "calcanhar de
aquiles" da energia nuclear. Outras formas de produção de eletricidade
também oferecem riscos, que vão desde a mineração do carvão até usinas
hidrelétricas que, ao se romperem, podem acarretar mortes e outros
problemas, como o deslocamento de populações. No entanto, a
radioatividade que é liberada em acidentes nucleares causa não só
mortes imediatas (como aconteceu em Chernobyl), mas também doenças -
inclusive o câncer - que só se manifestam anos após as pessoas terem
recebido doses altas de radioatividade.

Escolher a fonte de energia mais adequada depende, pois, de uma
comparação entre os benefícios, os custos e riscos que ela provoca e
envolve.

Diferentes países têm feito escolhas diferentes e vários deles, na
Europa, decidiram no passado excluir a energia nuclear do seu sistema,
como a Itália, a Suécia e outros. Já outros, como o Japão e a França,
fizeram a opção oposta.

Após 25 anos sem acidentes nucleares de grande vulto, a confiança na
segurança de reatores aumentou e houve um esforço para estimular um
"renascimento nuclear" com apoio governamental, principalmente nos
Estados Unidos.

O acidente nuclear do Japão destruiu essa credibilidade e reviveu
todos os problemas já esquecidos que reatores nucleares podem trazer.
E também provocou uma reanálise de interesse em expandir a energia
nuclear como solução na Europa e nos Estados Unidos.

Essa reavaliação é particularmente importante para os países em
desenvolvimento, como o Brasil, que tem outras opções - melhores sob
todos os pontos de vista - além da energia nuclear para a produção de
eletricidade, que são as energias renováveis, como a hidrelétrica, a
eólica e a energia de biomassa.

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