Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, março 28, 2011

CARLOS ALBERTO SARDENBERG Pouca infraestrutura e muito imposto

O Estado de S.Paulo - 28/03/11

"A verdade é que investir no Brasil está muito caro. E por causa de
infraestrutura e impostos", comentou o presidente do Conselho de
Administração da siderúrgica ArcelorMittal Brasil, José Armando de
Figueiredo Campos, resumindo um debate promovido pela Rádio CBN
Vitória em torno do tema "grandes investimentos".

Em novembro último ouvi coisa parecida de um executivo israelense
chamado Dov Moran, simplesmente o cara que inventou o pen drive e que
hoje desenvolve uma companhia de celulares, a Modu. Ele resumiu assim
seus esforços para fazer negócios por aqui: "O Brasil é caro e
difícil".

Nesse "caro" se inclui, certamente, a valorização do real. Preços em
dólar ficam altos aqui. Mas não é apenas esse fator nem o mais
importante. O pessoal se queixa do ambiente de negócios, ou seja, das
dificuldades para montar e operar empresas, registrar marcas, obter
licenças e, especialmente, lidar com o sistema tributário. Em cima
disso vem o peso dos impostos.

As empresas participantes do debate em Vitória (Petrobrás, Vale,
Samarco e Fibria, além da ArcelorMittal) são todas grandes,
multinacionais e estão fazendo investimentos importantes no Brasil. E
por que fazem isso, se as condições são tão difíceis?

Primeiro, porque são obrigadas. Já desenvolvem grandes
empreendimentos, têm compromissos no País, não podem simplesmente
fechar as portas e cair fora.

E, depois, porque o Brasil, com todos esses problemas, é uma economia
que deve chegar neste ano a um Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 2,4
trilhões, colocando-se possivelmente entre as seis maiores do mundo.
Há negócios a fazer. O mercado brasileiro de celulares é o quinto do
mundo.

O que nos leva a outra pergunta: como foi possível chegar a esse
tamanho com essas dificuldades apontadas por executivos locais e
estrangeiros?

Resposta: o Brasil cresce apesar desses obstáculos e por causa de
virtudes, como a estabilidade macroeconômica, e a sorte de,
recentemente, ter sido beneficiado por um forte crescimento global,
sobretudo da China.

Mas o custo Brasil fica cada vez mais caro. O cipoal do sistema
tributário se complica ainda mais todos os dias, com as novas normas
lançadas pelos Fiscos estaduais, municipais e federal.

No final dos anos 90, a carga tributária era normal, cerca de 25% do
PIB. Com as obrigações impostas ao governo pela Constituição de 1988,
sobretudo nas áreas de Previdência e saúde, e pela tendência, digamos,
"natural" de políticos eleitos de aumentarem o gasto público, os
impostos também precisaram subir para financiar despesas crescentes.

Mas se isso tivesse ocorrido de uma forma racional - com poucos e
simples impostos - o problema seria menor. Ficou mais complicado
porque muitas vezes os governantes, políticos, no esforço de arranjar
dinheiro sem assumir aumentos de impostos, impopulares ou ilegais,
inventaram quebra-galhos e truques que tornaram o nosso sistema
tributário o pior do mundo. E o mais custoso. As empresas e as pessoas
gastam dinheiro para ficar em dia com o Fisco.

Um dos truques mais escandalosos está no ICMS, imposto estadual cujas
alíquotas são fixadas em lei e reguladas pelo Confaz, conselho que
reúne os secretários estaduais de Fazenda. Há tetos para as alíquotas.

Foi aí que um talento das contas públicas inventou o "cálculo por
dentro". Isso mesmo, uma fórmula matemática que faz o milagre:
acrescenta ao preço "líquido" do produto (ou serviço) o valor do
imposto e calcula o imposto sobre o preço total.

Não passa no teste da boa lógica ou do simples bom senso. O imposto
incide sobre o valor da mercadoria (ou serviço) e ponto final. Está na
cara que colocar o imposto no preço e recalcular é um truque para
cobrar duas vezes. O resultado é que se cobra imposto sobre imposto,
criando-se uma alíquota acima do estipulado na lei.

Eis um exemplo, apanhado numa conta de telefone celular de São Paulo,
onde o ICMS é de 25% - e já pedindo desculpas ao leitor pelo excesso
de números. Na nota fiscal está escrito que o valor do ICMS é de R$
98,22 - que são 25% sobre uma base de cálculo, ali referida, de R$
392,88, total a ser pago pelo usuário.

Ora, retirando desse total o valor do imposto, dá o preço líquido do
serviço, certo? Temos, então: preço líquido do serviço, R$ 294,66; e
ICMS, R$ 98,22. Portanto, o imposto efetivamente cobrado representa
33,33% - uma alíquota ilegal.

Como é que isso passa nos Parlamentos e nos tribunais? Porque estão
todos - deputados, senadores, juízes e mais o Executivo - sempre em
busca de dinheiro dos contribuintes para gastar mais.

Ficamos, então, com uma carga tributária que é bem acima da média dos
emergentes (24% do PIB) e um sistema complexo e mentiroso, que passa
informações erradas ao contribuinte (como a que está nas contas de
telefone e de luz).

E para onde vai o dinheiro? Quando a carga era de 25% do PIB, o
governo federal chegou a gastar 5% do PIB em obras de infraestrutura.
Hoje, com a carga tributária muito maior, o investimento mal chega a
1,5% do PIB. O grosso do dinheiro vai para Previdência, pessoal e
custeio, incluindo programas sociais, que, aliás, são até baratos.

Eis o custo Brasil: pouca infraestrutura, muito imposto. Um problema
que está passando dos limites e trava o País. Foi crescer 7,5% no ano
passado e está tudo entupido.

O governo, o setor público, não cabe no Brasil. É preciso conter e
reduzir o gasto e a dívida pública, para poder começar a reduzir
impostos e juros. E facilitar a vida de quem quer fazer negócios
honestamente.

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