Entrevista:O Estado inteligente

domingo, junho 20, 2010

SUELY CALDAS Extravagâncias de Brasília

- O Estado de S.Paulo

No Brasil os pobres são a parcela da população que mais paga impostos para sustentar um Estado caro e garantir os altos salários de funcionários públicos ricos. Segundo pesquisa da Fiesp, baseada em números da Receita Federal, as famílias pobres que vivem com até dois salários mínimos consomem 48,9% de sua renda em pagamento de impostos. Já os funcionários da Câmara dos Deputados, que na quarta-feira tiveram salários reajustados em 15% e passaram a ganhar entre R$ 4,3 mil e R$ 22 mil, pagam carga tributária bem menor, entre 31,8% e 26,3% de sua renda.

Essa transferência de renda perversa, que tira do pobre para dar ao rico, explica em grande parte a concentração da renda no Brasil. Só que é uma realidade camuflada, escondida, não é divulgada por órgãos públicos nem trabalhada e detalhada por instituições de pesquisa. E por quê? Simplesmente porque não interessa aos sucessivos governos.

Pesquisar, cruzar e expor os números para mostrar quem ganha e quem perde no rateio da renda do País vai tornar claro justamente o que interessa ao governo esconder: além de se apropriar de boa parte do dinheiro dos impostos pagos por todo o resto da população, o setor público tira proveito da atribuição legal de aprovar e executar leis e regras de governança do País, elevando seus próprios salários acima do suportável para a população que o sustenta. Afinal, são deputados e senadores que fazem as leis, definem o reajuste de seus salários, legislam em causa própria e, depois, remetem para o presidente da República aprovar e sancionar. E Lula confirmou e assinou o reajuste do Legislativo: não quer perder votos de servidores públicos para sua candidata. E, como em ano eleitoral deputados e senadores costumam aprovar privilégios públicos para ganhar votos com dinheiro privado dos contribuintes, já estão em curso:

Aumento salarial médio de 56% para os funcionários do Judiciário (impacto de R$ 6,4 bilhões/ano em gastos);

Novo Plano de Cargos e Salários para o Senado (mais R$ 380 milhões);

Piso nacional de R$ 3,5 mil para policiais civis, militares e bombeiros (R$ 20 bilhões);

Criação de 5.365 vagas de agentes de combate a endemias (R$ 2,4 bilhões).

"Virou uma gandaia", interpretou o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, ao referir-se ao oportunismo irresponsável dos parlamentares em abusar do dinheiro público para favorecê-los em campanha eleitoral. Mas é uma "gandaia" a que o próprio presidente Lula aderiu nos episódios dos reajustes salariais dos servidores da Câmara e dos aposentados que ganham acima do salário mínimo. Na quinta-feira ele disse que vai parar por aí, chamou de "sandice" o comportamento dos parlamentares, mas deixou uma brecha para nova "sandice": "Vamos cumprir as parcelas de aumento que tínhamos acordado em 2008", decerto referindo-se ao reajuste dos funcionários do Executivo, que Paulo Bernardo descartou há dias, na expectativa de adiar para o novo presidente.

Com seus salários privilegiados na comparação com a remuneração dos trabalhadores privados, os funcionários públicos fazem de Brasília a cidade com maior renda per capita do Brasil - R$ 34,7 mil/ano, o dobro da média do País e sete vezes mais do que a do Piauí. O salário médio do Poder Judiciário (do motorista ao juiz), por exemplo, ultrapassa os R$ 7 mil e, se depender do Congresso, vai aumentar em mais 56%, produzindo uma conta de R$ 6,4 bilhões a ser paga pelo contribuinte - menos o rico e mais o pobre que ganha até dois salários mínimos e compromete metade de sua renda com impostos.

No Brasil a população paga impostos - às vezes sem perceber - e quer ser retribuída pelos governos com ações de progresso social e econômico que melhorem as condições de vida do País. As retribuições mais esperadas e aprovadas pela população são os programas sociais dirigidos a exterminar a miséria e a pobreza, eficiência nos serviços públicos de saúde, educação e segurança e investimentos direcionados ao progresso econômico. É para isso que serve o Estado, não para conceder privilégios aos que nele trabalham.

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