Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 19, 2010

Mistério japonês Miriam Leitão

O Globo
O Japão perderá este ano o posto de segunda maior economia do mundo
para a China. Depois de duas décadas de baixo crescimento, a crise de
2008 pôs sobre os japoneses o risco de novos anos difíceis: a dívida
pública passa de 200% do PIB; o déficit chegará a 10%; a deflação
voltou; o desemprego é alto. Nos últimos quatro anos, o Japão trocou
de primeiro-ministro cinco vezes.

Nos anos 70, o Japão era a China de hoje. Parecia destinada a superar
os Estados Unidos. Este ano, perderá para a China. É emblemático.

A economia japonesa cresce a quatro trimestres consecutivos. Nos três
primeiros meses do ano, a alta do PIB foi de 1,2%. O FMI projeta
crescimento de 1,9% este ano e de 2% no ano que vem. Mas isso não
recupera o país dos tombos de 1,19%, em 2008, e de 5,2%, em 2009.

O pouco crescimento é sustentado por pacotes de incentivo, mas a
dívida pública gigante levará o governo japonês a cortar gastos nos
próximos anos.

O baixo crescimento é a causa da instabilidade política, segundo o
diretor do departamento de pesquisas da Jetro Brazil (Japan External
Trade Organization), Rei Oiwa. No começo do mês, Naoto Kan assumiu o
governo, sucedendo Yukio Hatoyama, que passou apenas oito meses no
cargo.

— Os problemas econômicos têm abalado a popularidade dos governantes.

No Japão, a maioria dos trabalhadores é de terceirizados.

Na crise houve muita demissão. O envelhecimento da população eleva os
gastos com Previdência e a carga tributária é baixa — explicou Oiwa.

Em julho, haverá eleições na Câmara e o Partido Democrático,
atualmente no poder, pode se enfraquecer.

O Partido Liberal governou o país durante quase todo o pós-guerra. Se
o governo perder cadeiras no Parlamento, a aprovação dos cortes nos
gastos públicos será mais difícil. O déficit em 10% do PIB pode levar
a dívida pública a 248% em 2015, segundo o FMI. A agência Standard &
Poor's mudou de estável para negativa a perspectiva da dívida
japonesa.

— Uma das propostas para organizar as contas é aumentar o imposto
sobre o consumo de 3% para 5%.

Mas o consumo representa 65% do PIB, então o risco é que essa medida
coloque de novo a economia em recessão — explicou o professor
Alexandre Uehara, das Faculdades Integradas Rio Branco.

A coluna entrou em contato com brasileiros lá. Um deles contou que do
seu grupo de 20 amigos brasileiros que foi morar no Japão, 15 ficaram
desempregados com a crise, entre janeiro e julho de 2009. Mas a
situação melhorou. Hoje, 14 já conseguiram novas vagas.

Mesmo assim, o desemprego permanece elevado para padrões japoneses, e
voltou a subir em abril, indo de 5% para 5,1%. Quem sofre mais são os
jovens.

Entre 18 a 24 anos, a taxa é de 10,1% entre os homens e 8,4%, entre as mulheres.

— Fazer um pé-de-meia está mais difícil, o salário caiu e até mesmo a
hora extra está menor. Três brasileiros que conheço voltaram.

Antes da crise dava para juntar dinheiro muito mais fácil — contou um
dos brasileiros.

Em 2009, a produção industrial chegou a cair quase 40% no mês de fevereiro.

Em abril deste ano, ela ainda permanecia 7% abaixo do nível de
setembro de 2008. Os problemas no Japão começaram na década de 90,
quando o país foi atingido por duas crises: a interna, em 1991, com o
estouro de uma bolha imobiliária; a segunda em 1997, com a quebradeira
dos países do sudeste asiático. O crescimento médio dos anos 80, de
3,75%, caiu para 1,48% nos anos 90. De 2000 a 2009, o crescimento
médio anual foi ainda menor: 0,81%. Com isso, em 15 anos a
participação do PIB japonês no mundo caiu de 17,9% para 8,7%, em 2009
(vejam no gráfico). Este ano, o PIB chinês chegará a US$ 5,3 trilhões,
contra US$ 5,2 trilhões do Japão, de acordo com o FMI.

O erro do Japão no combate às crises dos anos 90 serviu de alerta para
o que não deveria ser feito em 2008, segundo o economista Sérgio Vale,
da MB Associados.

— Eles demoraram muito para usar as políticas monetária e fiscal para
estimular o crescimento e os bancos ficaram em dificuldade por mais de
cinco anos — explicou.

Na última reunião do Banco Central japonês (BoJ) os juros foram
mantidos em 0,1%. O dilema da política monetária é evitar a deflação,
queda excessiva de preços, que leva à recessão crônica. Nos últimos 15
meses, o país enfrentou deflação na comparação anual. Em abril, a
retração nos preços foi de 1,2%.

O Japão continua uma potência, tem moeda forte, o iene, usado como
reserva de muitos países, e mais de US$ 1 trilhão de reservas,
perdendo apenas para a China. Mas a crise de 2008 tornou mais difícil
a volta da exuberância japonesa vivida entre as décadas de 60 e 80.

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