Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, junho 14, 2010

CARLOS ALBERTO SARDENBERG A Copa dos emergentes

O Estado de S. Paulo - 14/06/2010
A Copa de 2006 coincidiu com o auge da economia global. O mundo crescia a taxas vigorosas, mais de 5% ao ano, bem acima das médias históricas. E mais: todas as regiões estavam em crescimento, quase todos os países avançando em níveis máximos. A Europa, por exemplo, que comemora quando cresce 2%, estava caminhando a 3%. A China, normalmente acelerada, aumentava sua produção a espantosos 12,5% ao ano. As bolsas de valores entravam num ciclo de otimismo que levaria a recordes de alta no final daquele ano e início de 2007. Além das ações, também se valorizavam os imóveis, enriquecendo as empresas e as famílias.


O que isso teria que ver com o futebol dentro das quatro linhas? Diretamente, nada. Mas o ambiente determinava o comportamento dos jogadores, estrelas globais, exuberantes como artistas. Esses períodos de prosperidade não apenas trazem à cena os ricos - novos e antigos -, como criam uma espécie de orgulho da riqueza.

Lembram-se das folgas dos jogadores brasileiros? Deixavam a concentração em automóveis de luxo, marcavam encontros com as mulheres e namoradas em hotéis mais que estrelados, alguns chegaram a alugar um jatinho para uma rápida escapada, algo como jantar em Madri e voltar em seguida.

Não foram apenas os brasileiros. A passagem da seleção inglesa, com Beckham e Victoria à frente, era uma festa em toda parte.

Isso certamente tem que ver com o desempenho dentro de campo. Havia nessa Copa craques já com a vida ganha, riqueza e fama conquistadas. Muitos foram lá para se exibir, não para dar o sangue, jogar bola e ganhar umas partidas. O próprio Parreira, técnico do Brasil e um homem de comportamento moderado, deixou-se levar pela onda. Dizia que estava ali não propriamente como treinador, mas como "administrador de talentos".

Outros técnicos pensavam coisa parecida. Esses talentos estavam tão convencidos de seu brilho que nem se importavam muito com a derrota. Suas seleções eram eliminadas e eles simplesmente saíam de férias, anunciadas e badaladas. Lembram-se do final do jogo em que o Brasil foi eliminado pela França? Jogadores brasileiros e franceses, que se conheciam do futebol europeu, saíram conversando animadamente, como se estivessem marcando um jantar com as patroas.

Atenção: não há, aqui, uma acusação, mas uma constatação. Não se tratava de pessoas ruins, egoístas, desprovidas de amor à Pátria. Apenas se comportavam de um modo determinado pelo ambiente e que era, registre-se, noticiado intensamente pela mídia, aprovado e mesmo admirado pelo povão.

A Copa de 2010 coincide com um momento duplo: a ressaca da crise, que foi simplesmente a pior em 90 anos, e uma incipiente recuperação que está longe de resgatar os mortos e feridos. Mesmo nos países que já estão crescendo forte, como é o caso do Brasil, o ambiente é de trabalho, de estar esperto para não voltar a cair na crise e para não ser atrapalhado pelos problemas dos que ainda estão no buraco. Em resumo, saiu a festa global, todos ficaram mais pobres, todos pagaram um preço e agora se trata de trabalhar duro para refazer as coisas.

De novo, o que isso tem que ver com o jogo dentro das quatro linhas? Diretamente, nada. Mas estão lá jogadores com outro comportamento e outra cabeça.

Não que falte dinheiro à Fifa e à Copa, mas o ambiente em torno das seleções está bem diferente. A farra acabou.

Mesmo os craques consagrados, que, aliás, continuaram ganhando dinheiro, estão contidos, disciplinados e com a sensação de que precisam mostrar algo em campo.

O argentino Messi, que no momento ostenta o título de melhor jogador do mundo, quase não aparece. Ninguém o vê circulando numa Mercedes, não se conhece sua namorada e toda a imprensa diz que ele precisa mostrar se sabe mesmo jogar numa Copa.

Nosso craque principal, Kaká, religioso, nunca foi dado a badalações, mas agora também está sob a pressão de mostrar que é mesmo um dos melhores do mundo e que pode carregar a seleção brasileira. Robinho, sim, é baladeiro. Mas tomou o cuidado de se recolher ao Brasil uns meses antes para se readequar.

E notem todo o time brasileiro. Ao contrário de Parreira, Dunga simplesmente manda nos seus trabalhadores, a tal ponto que estes falam todos a mesma coisa: dar o sangue pela Pátria. Talvez seja até o excesso oposto. Se o pessoal da Copa de 2006 estava ali para se exibir à plateia global, o time atual não precisava achar que caiu numa guerra mundial.

De todo modo, esse é o ambiente. Vale também para a seleção inglesa, austera, comportada e tão fechada quanto a cara de seu treinador, Fabio Capello.

A seleção da Espanha é simplesmente idolatrada por lá. Nunca os espanhóis tiveram um time tão bom e tanta chance de levar a Copa. Mas as pesquisas mostraram severa desaprovação quando se anunciou qual seria a premiação dos jogadores. Muitos se apressaram a dizer que doariam o dinheiro.

Os finalistas da última Copa foram países do grupo dos ricos e que estavam em fase exuberante. Hoje lidam com claras dificuldades econômicas. A França ainda consegue algum crescimento, mas a Itália vai bem devagar, com problemas difíceis de contas públicas. Na Espanha, funcionários públicos e trabalhadores se manifestam contra as políticas de arrocho preparadas pelo governo.

Os países que vão bem são os emergentes. O grupo Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) lidera uma retomada da economia global. E reparem: dos quatro, o único que está na Copa é o Brasil.

Ou seja: ganhamos!

Arquivo do blog