Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, abril 20, 2010

MÍRIAM LEITÃO Custo do inesperado

O Globo - 20/04/2010

Nas cinzas do vulcão islandês é preciso ler as lições. O tráfego aéreo começava a voltar ao normal, depois de US$ 2 bilhões de prejuízos, e a erupção piorou novamente. Vulcões e terremotos são parte da atividade sísmica que sempre existiu na Terra. Os prejuízos de eventos sísmicos e climáticos entre 2004 e 2009 foram de US$ 753 bilhões, segundo a resseguradora Munich Re.

Num mundo mais complexo e interligado, as repercussões econômicas de qualquer evento são grandes e ocorrem em cadeia. Na crise financeira recente, a quebra de bancos islandeses provocou uma crise em vários órgãos ou empresas de outros países. Agora, o vulcão islandês paralisa o tráfego aéreo por cinco dias.

Por isso, a grande lição que as cinzas estão deixando é que é preciso ter planos de contingência. As atividades sísmicas são até certo ponto imprevisíveis e parte da natureza do planeta. Já os eventos climáticos extremos são em parte agravados ou provocados pelo aquecimento global. O que o mundo claramente precisa é se preparar, ter planos alternativos, para eventualidade de eventos que provoquem fatos em cadeia, como agora.

Ontem, a empresa de tráfego aéreo da Inglaterra, a Nats, divulgou às 15h30m uma nota dizendo que tudo estava caminhando para a normalidade, apesar de afirmar que a situação era "dinâmica e mutável." Mais à noite, divulgou outro boletim, avisando que infelizmente a erupção do vulcão tinha piorado.

O pano de fundo em que esse inesperado ocorre é o de uma economia europeia começando a se recuperar da crise financeira e bancária de 2008 e 2009, no início de uma crise fiscal que atingiu a Grécia, mas com risco de se espalhar. Está também neste pano de fundo o fato de que há muito tempo as empresas aéreas do mundo estão em dificuldades financeiras, mas não podemos viver sem elas.

A economista Monica de Bolle, da Galanto Consultoria, diz que a Alemanha é altamente dependente do fluxo de comércio, e ainda que uma pequena parte se faça por avião, ela é afetada.

A Grécia é a maior prejudicada porque precisa do turismo como uma esperança de se reerguer. O mesmo acontece com a Espanha.

O professor Istvan Kasznar, da FGV, calcula que numa média de 65% de ocupação, a rede hoteleira europeia está perdendo US$ 380 milhões por dia. Mas há quem ganhe, como o transporte marítimo e as telecomunicações. Já que não se pode viajar, haverá mais reuniões telefônicas.

O professor Respício do Espírito Santo, da UFRJ, lembra que 40% do tráfego aéreo mundial ocorre na Europa, o que torna o setor altamente vulnerável. A Emirates diz que está perdendo US$ 10 milhões por dia.

No Brasil, só 5% das nossas exportações acontecem por aviões, segundo a AEB.

Pode afetar apenas importações de alto valor como chips e software. A Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica) informou que ainda não há relatos de perdas porque, em sua maioria, as importações são feitas de países asiáticos, que não foram afetados.

Mas o professor Paulo Fleury, do Instituto Ilos, explica que não se pode pensar de forma estática quando o assunto é logística. A Europa é o centro de escala do tráfego aéreo internacional, isso significa que os voos que vem da Ásia podem não conseguir chegar ao Brasil.

— O impacto não é restrito à Europa porque temos um efeito cascata já que o sistema é interligado. Um voo que sai do Brasil e vai para Nova York pode não acontecer porque a aeronave viria da Europa — explicou.

O problema é mais grave mundialmente porque os modais alternativos de transporte estão todos lotados, segundo Fleury. Ou seja, não é possível desviar o fluxo de cargas e de pessoas para navios, trens e caminhões. Além disso, haveria perda de produtividade porque os prazos de entrega seriam maiores.

Segundo relatório do Royal Bank of Scotland (RBS), na Europa, só 1% das mercadorias é transportada por aviões. Apesar da pequena participação, Fleury lembra que os aviões são usados para o transporte de itens essenciais, como remédios e frutas, bens de alto valor e de tamanho menor.

O diretor-executivo da Fieam (Federação das Indústrias do Amazonas), Flávio Dutra, diz que os problemas na Zona Franca podem começar a aparecer se o caos aéreo durar mais uma semana.

O reflexo aconteceria daqui a 60 a 90 dias, que é o período entre o pedido e a entrega da encomenda.

— As fábricas de televisores estão operando em três turnos para atender à forte demanda deste ano de Copa do Mundo. O volume de importações aéreas é muito grande de componentes eletrônicos de pequeno porte e de alto valor agregado — disse Dutra.

A empresa de seguros Munich Re levantou dados mostrando que os eventos climáticos extremos e os eventos geofísicos produziram de 2004 a 2009 um total de 543 mil mortes, US$ 753 bilhões de perdas financeiras e US$ 256 bilhões de perdas seguradas.

Num mundo em que eventos climáticos extremos serão mais frequentes, em que os vulcões e terremotos continuam tão imprevisíveis como sempre foram, e em que a interdependência é cada vez maior, fatos espantosos como os dessas cinzas podem acontecer mais vezes. Inesperados farão mais surpresas.

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