Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, dezembro 24, 2009

Entre a máfia e a máfia


Apesar das evidências de corrupção, Arruda consegue permanecer
no cargo – e seu sucessor pode ser o homem que o ensinou a roubar


Diego Escosteguy

Fotos Orlando Brito/Breno Fortes/CB/D.A Press
Alma penada
Arruda arrasta-se no cargo: a eficácia da máfia garante a tranquilidade
do governador

O ex-delegado Durval Barbosa é um capo leal e disciplinado. Ele começou por baixo, fazendo favores aos poderosos quando ainda era delegado de polícia, e, aos poucos, foi subindo na hierarquia da organização criminosa que manda em Brasília. Durval cobrava o pizzo dos fornecedores do governo, protegia os comparsas e distribuía os lucros dos achaques de acordo com as orientações do poderoso chefão: o então governador Joaquim Roriz. Quando José Roberto Arruda, também apadrinhado por Roriz, virou Don e assumiu o governo, Durval teve certeza de que estava sendo traído pelo novo chefe – e, num gesto de retaliação, divulgou os vídeos que celebrizaram eternamente a corrupção no governo de Brasília. As documentadíssimas acusações do ex-delegado constituem o primeiro ato público da guerra que se abriu pelo comando de um negócio de
7 bilhões de reais por ano – a soma dos investimentos do governo do Distrito Federal. Há duas famiglie disputando o butim. De um lado está o grupo de Arruda. Do outro, engajando-se silenciosamente em lances de ataque ao rival, inclusive no vazamento dos vídeos produzidos por Durval, encontram-se os asseclas de Roriz, o homem que, tal qual um Vito Corleone do cerrado, criou a organização criminosa que domina Brasília desde o fim dos anos 80. Não se sabe ainda qual famiglia vai ganhar essa guerra. Sabe-se apenas o desfecho: a capital continuará à mercê de mafiosos.

Aos 73 anos, Don Roriz tem tudo para voltar pela quinta vez ao governo de Brasília. Na semana passada, uma pesquisa do instituto Datafolha revelou que não faltarão lábios a beijar-lhe as mãos caso ele realmente decida apossar-se de sua velha cadeira por meio das urnas brasilienses. Sejam quais forem seus adversários, Roriz venceria já no primeiro turno. Ele tem 44% dos votos. Os bons números de Roriz são uma triste homenagem à impunidade no mundo político. No Olimpo da corrupção brasileira, Roriz ombreia seus feitos com os do lendário deputado Paulo Maluf, outro titã da bandalha. Ele já foi acusado, e acusado muitas vezes, de tudo: receber propina, comprar votos, desviar recursos, lavar dinheiro, invadir terras... A última traquinagem pública de Roriz se passou há dois anos, logo após ele se eleger para uma vaga no Senado. O Don apareceu numa gravação para lá de mafiosa, combinando com um comparsa a partilha de 2,2 milhões de reais – dinheiro que, descobriu-se em seguida, serviu para subornar juízes eleitorais. Temendo ser cassado pelos colegas, Roriz renunciou.

O mestre
Don Roriz quer voltar: 44% nas pesquisas


A renúncia do Don demonstrou que nem o Congresso comporta as práticas mafiosas da política brasiliense – Arruda, aliás, também já foi enxotado de lá, no episódio em que mentiu sobre a violação do painel do Senado. Essa é a sorte do atual governador. Em Brasília, tudo é permitido. A máfia que controla a cidade está infiltrada de tal maneira na máquina pública que Arruda não precisa renunciar. Muito menos ter medo do processo de impeachment que enfrenta na Câmara Legislativa do DF. Quase todos os deputados integram a quadrilha, de modo que não há pressão popular que os apeie dessa mamata. Apenas algemas – e o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, sabe disso. Há dez dias, Gurgel pediu ao Supremo Tribunal Federal que declare inconstitucional a lei do DF que exige a autorização da Câmara local para processar o governador.

Na semana passada, as revelações de Durval continuaram demonstrando os poderosos tentáculos da máfia brasiliense. Em novos depoimentos ao MP, ele contou que, por determinação de Arruda, repassara 2 milhões de reais ao advogado Maurício Corrêa, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal – dinheiro, frise-se, extorquido de um fornecedor do governo. Na narrativa de Durval, Corrêa atuaria como consigliere da máfia, um homem cuja lealdade oscilaria entre Roriz e Arruda. Nas aparências, explicou o delator, Corrêa receberia para advogar num dos muitos processos que correm contra o ex-delegado. Durval chegou até a fazer uma procuração para o ex-ministro, mas Corrêa não advogou para ele. Segundo o capo, a verdadeira intenção de Arruda era "comprar o apoio político" do ex-ministro. Durval disse que, inicialmente, Corrêa havia cobrado a extraordinária quantia de 6 milhões de reais. Que tipo de serviço ou conselho poderia valer tanto dinheiro? Durval não revelou – ainda. Procurado por VEJA, Corrêa confirmou ter mantido encontros com Durval. Questionado se recebera a dinheirama, o ex-ministro concedeu uma resposta pouco assertiva: "Se houve pagamento, o dinheiro não chegou até mim". Um simples "não" seria mais convincente.

Consigliere
O capo Durval Barbosa (acima),
delator do esquema, e Maurício
Corrêa, ex-presidente do STF:
pagamento de 2 milhões

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