Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 21, 2009

Pequenos se destacam nas vendas pela internet

A Amazon que se cuide

Criadas por jovens que gostam de tecnologia e planejam cada
passo do negócio, pequenas empresas já se tornaram campeãs
de vendas nos segmentos em que se especializaram na internet


Renata Betti

Ernani Almeida
ÁVIDOS POR CHANEL
Os melhores clientes da perfumaria Sack’s, que o carioca Carlos Montenegro, 31 anos, montou na internet, vêm de cidades do interior. "Antes, eles precisavam viajar atrás de frascos de grife", diz ele, que teve trabalho para convencer grandes fabricantes a fornecer seus produtos. "Ninguém acreditava no negócio." Hoje, sua loja é campeã na venda de perfumes na rede

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Um novo tipo de empresa está ganhando espaço no comércio eletrônico brasileiro. São lojas virtuais que, ao contrário dos gigantes da rede, se especializaram em vender um único gênero de produto. Elas têm em comum estruturas enxutas que, não raro, se limitam a uma sala com não mais que uma dezena de funcionários. Essas pequenas empresas existem desde que o comércio na internet estreou no Brasil, no fim da década de 90, mas só agora ganham relevância. Uma nova pesquisa, conduzida pela consultoria e-bit, mostra que, juntas, elas já representam 10% do mercado - dez vezes o que tinham uma década atrás. Em 2009, o faturamento do comércio on-line no Brasil será de algo como 10 bilhões de reais - e só faz aumentar. O notável é que algumas dessas lojas crescem mais do que a média do mercado e se tornaram, em questão de dois ou três anos, campeãs de vendas em seus segmentos. À frente delas está um animado grupo de jovens ligados à área tecnológica, que usaram a poupança para montar um negócio. Em contraste com a geração que embarcou na internet dez anos atrás e foi logo varrida pela bolha, esta é mais pé no chão. Típico integrante da turma, o engenheiro Mariano Gomide, 32 anos, só decidiu investir com três amigos numa loja de vinhos na rede depois de detectar, por meio de pesquisas, uma demanda concreta. Hoje, ninguém vende na internet mais garrafas do que a sua Estação do Vinho. "A especialização num único produto foi uma decisão acertada."

Lailson Santos
3 000 RÓTULOS E NENHUM ESTOQUE
A estrutura da loja virtual de vinhos criada pelo engenheiro Mariano Gomide, 32 anos, é mínima. Ele não mantém sequer um estoque. As garrafas saem das importadoras diretamente para a casa dos clientes. O sistema possibilita que ele ofereça o maior número de rótulos do mercado. "A variedade é um trunfo"


O espaço que se abre para empresas como a dele é um indicador de que o comércio eletrônico está se consolidando no Brasil. A experiência internacional mostra que esse tipo de negócio só passa a ter vez quando existe um elevado nível de confiança no sistema de compras on-line. Do contrário, ninguém forneceria o número do cartão de crédito a uma loja da qual jamais ouviu falar. O avanço brasileiro se deve a duas mudanças recentes. Em primeiro lugar, aumentou consideravelmente a segurança nas transações financeiras conduzidas no ambiente virtual. Com a disseminação do uso de sistemas capazes não só de criptografar mas também de cruzar dados de compra e acusar a presença de hackers, há menos propensão a fraudes. As empresas pagam caro por esse serviço, mas fazer uso dele se tornou questão de sobrevivência. "As pessoas só compram numa loja chamada PortCasa porque veem no canto da tela o tal certificado de segurança", reconhece o próprio dono, Natan Sztamfater, 28 anos, cuja especialidade é vender toalhas e lençóis. A segunda mudança decisiva para o comércio on-line brasileiro veio do aprimoramento de programas que conectam a loja virtual aos fornecedores e ao setor encarregado da logística. Com eles, 85% das compras já são entregues no prazo certo - em 2001, eram apenas 66% delas, segundo o e-bit.

Lailson Santos
Ph.D. EM LENÇOL
Não havia na rede nenhuma loja multimarcas dedicada à venda de artigos como lençóis e toalhas quando o publicitário paulista Natan Sztamfater, 28 anos, decidiu abrir a sua, em 2007. Ele conta hoje com uma equipe devidamente treinada - e a postos - para falar até sobre as alergias que determinado tecido pode causar. "É decisivo para conquistar mercado"


O comércio eletrônico brasileiro é explorado por um grupo bastante heterogêneo de empresas, que variam não apenas em relação ao produto que vendem, mas também quanto ao tamanho. Há algo como 5 000 pequenas e médias lojas virtuais, que faturam até 60 milhões de reais por ano. Daí para cima, elas são consideradas grandes. Existem cinquenta empresas on-line dessa envergadura no Brasil. O grupo das grandes é bastante variado. Ele abarca companhias aéreas como Gol e TAM, a livraria Saraiva e o Ponto Frio. A líder do mercado é a B2W, empresa que resultou da fusão da Submarino com a Americanas.com, em 2006. Entre a venda de passagens aéreas, eletrodomésticos e lingeries, o grupo já atua em sessenta segmentos. Os efeitos da união entre duas empresas grandes, de história e cultura muito diferentes, trouxeram grandes desafios de gestão à B2W. O aumento da concorrência agravou suas dificuldades. Insatisfeitos, alguns dos melhores funcionários do alto escalão de ambas acabaram em concorrentes como o Wal-Mart, novato na internet. Desde 2007, o grupo reduziu sua fatia no mercado de 60% para 36% - uma sangria.

É natural que, à medida que evolui, o comércio on-line no Brasil fique menos concentrado nas mãos de poucas empresas. Foi o que ocorreu nos Estados Unidos. No princípio da década de 90, quando surgiram os primeiros negócios virtuais, só a Amazon, a líder mundial do varejo on-line, respondia por 80% do mercado americano. Hoje, detém 10% dele. Um caminho encontrado pela Amazon e por outros gigantes para não perder mais terreno foi justamente fazer negócio com pequenas empresas, que já haviam alcançado alto grau de eficiência em suas especialidades. A parceria consiste no aluguel de espaço nos grandes sites às empresas menores, que passam a vender ali seus produtos. No caso da Amazon, 40% de todo o faturamento já vem daí, uma vez que as empresas repassam a ela em torno de 20% do valor de cada venda. Lojas pequenas, por sua vez, ganham uma visibilidade que jamais teriam de outra maneira. "Estar hospedado em grandes sites ou portais foi decisivo para o meu faturamento ter crescido 42% neste ano", avalia Clóvis Souza, 39 anos, dono da Giuliana Flores, a atual líder no segmento. Para ele, a internet significou um divisor de águas. Com três floriculturas em São Bernardo do Campo, foi só quando decidiu ingressar na rede que seu negócio mudou de patamar. "Deixei de ser o florista do ABC para vender para todo o Brasil", resume. "Em seus segmentos, os pequenos já são os melhores", admite Frederico Trajano, à frente do braço virtual do Magazine Luiza, uma das grandes na internet.

Lailson Santos
AS GRANDES O ACOLHERAM
Depois de abrir três floriculturas em São Bernardo do Campo, Clóvis Souza, 39 anos, decidiu ingressar na internet. Acabou se tornando o maior vendedor de flores da rede. O altíssimo acesso à sua loja se deve, em boa parte, ao fato de ele ter um espaço em grandes sites, como Americanas.com. "Foi o melhor investimento que eu fiz"


Montar uma loja na internet envolve todas as burocracias de qualquer negócio - mais as dificuldades típicas da rede. Logo de saída, é preciso escolher um programa adequado para fazer funcionar a loja virtual. Já há softwares prontos no mercado, que variam conforme a quantidade de informações que serão processadas. Quanto maior a operação, mais complexo - e caro - deve ser o sistema. Errar aí, portanto, pode ser um problema, como ilustra o caso recente da B2W. O grupo investiu milhões num novo software com o objetivo de agilizar a compra, mas ele não comportou a gigantesca quantidade de informações em circulação no site. O jeito foi trocá-lo. O segundo grande desafio para uma empresa on-line é conseguir erguer uma logística eficaz. Muitas das pequenas não têm estoque próprio e ainda terceirizam a entrega. Para isso, é necessário contar com um tipo de sistema como o que tem a Estação do Vinho. Ele liga a loja virtual a um grupo de cinquenta importadoras. Ao registrar a compra, o programa envia um aviso ao fornecedor e outro à empresa encarregada da entrega. Para minimizarem os erros, os treze funcionários da loja monitoram tudo a partir de um único escritório. Os custos fixos do negócio são baixos e a margem de lucro é elevada. Para as grandes, o estoque é imprescindível. Sem ele, seria impossível coordenar a entrega de tantos produtos diferentes ao mesmo tempo.

O comércio eletrônico no Brasil está, grosso modo, no mesmo estágio em que se encontrava o mercado americano três anos atrás. Embora os avanços recentes sejam significativos (veja o quadro na pág. 97), há ainda muito que evoluir. Dos 60 milhões de brasileiros que acessam hoje a internet, apenas 28% fazem compras on-line - enquanto nos Estados Unidos eles são 70%. As vendas na internet, por sua vez, correspondem a apenas 3% do que fatura o varejo brasileiro. Os especialistas apostam que o cenário logo será outro. Isso porque o setor cresce a taxas de 30% ao ano e tem como clientes potenciais aqueles brasileiros que em breve chegarão à internet com dinheiro para comprar. Dos 4 milhões de novos consumidores na rede em 2009, 60% vieram da classe C. O movimento está beneficiando negócios como o do administrador de empresas Carlos André Montenegro, 31 anos, dono da Sack’s (é para lembrar mesmo a luxuosa loja de departamentos da Quinta Avenida, em Nova York). Ele observou que, no interior do Rio de Janeiro, as pessoas estavam ávidas por perfumes importados, mas só conseguiam comprá-los na capital. Foi aí que teve a ideia de oferecer sociedade numa loja virtual a um amigo que já era dono de perfumarias com o mesmo nome havia mais de uma década. O amigo acabou fechando o comércio tradicional e hoje vive só do on-line. Diz Montenegro: "Levamos Chanel ao interior e estamos ganhando muito dinheiro com isso".

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