Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 26, 2009

A mini-ONU do ex-presidente Bill Clinton

Clinton abriu uma mini-ONU

Ex-presidentes gostam de criar fundações para
ter plateia e aplauso, mas Bill Clinton foi muito
mais longe do que todos eles


André Petry, de Nova York

Fotos Fabio Accorsi/Stephen Chernin/AP
ÁGUA DE BEBER
Clinton, com o ator Matt Damon, na abertura do encontro: água e esgoto para 50 000 pessoas no Haiti


O presidente Barack Obama subiu à tribuna da Organização das Nações Unidas (ONU) pela primeira vez e rompeu com a política isolacionista de seu antecessor. "Os Estados Unidos estão prontos para começar um novo capítulo de cooperação internacional", disse, para a alegria dos chefes de estado e ministros, que fizeram fila para cumprimentá-lo. Um dia antes, num dos salões do hotel Sheraton em Nova York, Obama havia feito outro discurso, dessa vez para a plateia reunida na abertura do encontro da entidade que o ex-presidente Bill Clinton criou há quatro anos, a Clinton Global Initiative. No discurso, Obama disse que, na semana anterior, Clinton e ele tinham se encontrado em Nova York e almoçado num pequeno restaurante italiano. Estavam discutindo questões relevantes, como a mudança climática, a recessão econômica, a pobreza na África e, de repente, como que subitamente assaltado por uma ideia luminosa, Clinton olhou Obama nos olhos e, com o cenho levemente franzido, disse: "Dá para me alcançar o parmesão?". A plateia riu, e Obama seguiu numa descontração que sublinha uma diferença entre a ONU de verdade e a mini-ONU de Clinton.

Na de verdade, os chefes de estado sobem à tribuna, dizem o que bem entendem e, depois do ditador líbio Muamar Kadafi, também usam o tempo que bem entendem: o protocolo manda falar quinze minutos, e o coronel falou noventa, jogou papel para o alto e pediu a transferência da sede da ONU para um país mais democrático – a China, por exemplo. Na mini-ONU de Clinton, pode-se fazer piada e contar anedota, mas quem sobe ao palco tem de se comprometer com alguma ação em algum lugar do mundo, com meta e tudo, e prestar contas no ano seguinte, sob pena de cair fora. Parece simples, mas, se esse princípio fosse aplicado à ONU, talvez não houvesse mais nenhum país-membro. A Clinton Global Initiative adotou esse método – "ações valem mais que palavras", diz seu bordão – e está com um saldo cada vez mais robusto: em quatro anos, canalizou 46 bilhões de dólares para 1 400 ações sociais e econômicas que, estima-se, tiveram impacto positivo na vida de 200 milhões de pessoas em mais de 150 países.

NA ÁFRICA
O publicitário Nizan Guanaes: seu grupo empresarial vai lutar contra a exploração sexual na África

Na semana passada, a CGI reuniu mais de 1 000 pessoas de 84 países, entre atuais e ex-chefes de estado, líderes de grandes corporações empresariais e entidades filantrópicas, além de estrelas de Hollywood. O ator Matt Damon comprometeu-se a oferecer água potável e esgoto a 50 000 pessoas no Haiti em três anos. (Não, Damon não está precisando de publicidade. O Desinformante!, seu filme em cartaz, foi a segunda maior bilheteria no fim de semana de estreia.) Muhtar Kent, o turco que dirige a Coca-Cola, vai investir na redução da pobreza usando sua enorme rede de distribuição na África. A Goldman Sachs vai dar treinamento a 700 microempresárias no Peru. A Plan USA, entidade filantrópica americana, vai ensinar técnicas jornalísticas a 140 adolescentes em Gana para habilitá-las a montar campanhas em rádio e TV contra a discriminação. Tem, inclusive, brasileiro no pedaço. O Grupo ABC, presidido pelo publicitário Nizan Guanaes, foi um dos patrocinadores do encontro e vai entrar no combate à exploração sexual na Tanzânia e na Suazilândia, essa última um enclave miserável na África do Sul onde 42% das grávidas são portadoras do vírus HIV.

"O Brasil é um mercado emergente com importância crescente no mundo", diz Clinton. "Vamos precisar do apoio de líderes empresariais brasileiros para continuar transformando ideias em resultados palpáveis." Como é moda recorrer às PPPs, sigla de parceria público-privada, a CGI é um bom caso de observação. Ali, aparecem representantes de governos, como os do Chile, do Quênia, da Austrália e dos Estados Unidos, e também líderes de grandes conglomerados empresariais, como Nike, Exxon, Microsoft e Wal-Mart. Eles se unem, em muitos casos com a presença de alguma agência da própria ONU, planejam uma ação qualquer – e dá certo. Com isso, Clinton manteve a tradição, americaníssima, segundo a qual um ex-presidente cria uma fundação que leva seu nome, e com ela consegue manter-se à vista do público e recolher alguns aplausos. Mas Clinton foi mais longe do que todos eles. Na semana passada, o encontro definiu outras 284 ações mundo afora, que somam mais 9,4 bilhões de dólares. É algo cuja magnitude só rivaliza mesmo com órgãos internacionais de grande porte ou com políticas de estado.

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