Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, julho 27, 2009

O Brasil precisa de mais Carlos Alberto Sardenberg

O Estado de S. Paulo - 27/07/2009
 
Com crise ou sem crise, o maior problema das empresas brasileiras - pequenas, médias e grandes - está na carga tributária e na pesada e custosa burocracia necessária para manter impostos em dia. E, entretanto, o que mais se discute no País, inclusive entre as próprias lideranças empresariais, é a dobradinha juros-dólar.

Não que não seja importante. Na pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), para o segundo trimestre deste ano, juros altos aparecem como a 4ª maior preocupação das empresas pequenas e médias e a 5ª das grandes. Com o dólar, a relação muda: é o 4º problema das grandes (mais exportadoras), mas cai lá embaixo na escala das pequenas e médias. Por que, então, o debate juros-câmbio ocupa muito mais espaço?

Porque parece mais fácil de resolver. Ou, ainda, porque é simples identificar os "suspeitos habituais". O Banco Central (BC), por exemplo, é um óbvio culpado. E de crime duplo, porque, ao manter os juros elevados - tal é o discurso -, encoraja a entrada de dólar especulativo, o que valoriza demais o real.

A taxa básica de juros, agora em 8,75% ao ano (a.a.), está no mais baixo patamar desde que o País alcançou a moderna estabilidade, na era do real. Os juros reais, descontada a expectativa de inflação, estão na casa dos 4%, um resultado que ninguém imaginava poucos meses atrás. Há três anos, o então ministro da Fazenda Antonio Palocci fez uma festa danada quando essa taxa real caiu abaixo dos 10%.

Tudo bem, diz o pessoal, mas os juros "no resto do mundo" estão perto de zero. Primeiro que não é no resto do mundo nem interessa fazer essa comparação. Os juros na Argentina, por exemplo, são menores, mas não parece que estejamos querendo imitar o modelo dos Kirchners. Mas é verdade que os juros estão perto de zero em muitos países importantes, mais ou menos parecidos com o Brasil.

Essa comparação leva à conclusão de que o BC brasileiro está errado. Assim, direto? Não seria o caso de perguntar, antes, se não haveria diferenças entre o Brasil e outros países que explicassem ao menos em parte essa diferença nos juros?

Há pontos importantes. Entre os principais emergentes, o Brasil foi o último a abater a inflação e conquistar a estabilidade macroeconômica, e o último a obter o grau de investimento. Não é de estranhar que, ainda hoje, carregue uma memória inflacionária mais pesada, inclusive consagrada em lei. Há muitos preços e contratos indexados à inflação passada, o que impede uma queda mais forte dos índices. Nessa crise, por exemplo, a inflação foi a zero ou passou para o perigoso terreno da deflação em muitos países. No Brasil, só agora está chegando aos 4,5% a.a., justamente por causa daquelas tais correções automáticas de preços, tarifas e contratos. E mais: do salário mínimo, do piso da Previdência, dos salários do funcionalismo, etc.

Em vez de enfrentar isso, inclusive a poupança indexada, o que faz o governo? Fixa uma meta de inflação mais elevada, desenvolvendo a tese de que inflação mais alta permite juros mais baixos. Pode até ser, no curto prazo, mas, vejam, é derrubar juros por um mau caminho: o da inflação. Isso é economia de segunda.

Se é para comparar com os países de primeira, reparem: no médio e no longo prazos, quem tem metas de inflação mais baixas que a nossa também tem juros mais baixos.

Mas é mais fácil atacar a miopia do BC do que se engajar num complexo processo de desindexação da economia. Isso vale para todos: governo e setor privado. Também é mais fácil culpar de novo o BC por deixar o real valorizado e assim tornar as exportações mais caras. Mais fácil isso do que se engajar num complexo processo para desonerar e destravar investimentos em infraestrutura (portos, estradas, ferrovias e aeroportos, por exemplo), que tornariam os produtos brasileiros mais competitivos.

Reforma tributária não sai do palavrório. Refazer a legislação e os procedimentos ambientais, nem pensar. Cortar gastos para reduzir impostos, só palavrório. Há anos, por exemplo, o ministro Guido Mantega fala em reduzir os absurdos impostos sobre a folha de pagamento.

Tudo considerado, chegamos a um ponto importante: o modelo implantado ao longo dos últimos 15 anos de instalação e aperfeiçoamento do real já deu o que tinha de dar. E foi muita coisa. Mas é preciso uma nova onda de mudanças estruturais para ir adiante.

É muito provável que o BC tenha chegado ao seu limite com essa taxa básica de juros de 8,75% ao ano. Pode até cair mais alguma coisinha, mas nada de substancial sem meta de inflação progressivamente mais baixa, até chegar a algo entre 2% e 3%. Para isso, será necessário um amplo programa de desindexação.

É muito provável, também, que a capacidade de crescimento do País não passe da casa dos 5% ao ano, o que é bastante se comparado com a situação de alguns anos atrás. Mas o Brasil continuará abaixo da média dos emergentes, como sempre, se não completar reformas que reduzam a carga tributária (e sua burocracia), abram espaço e condições amigáveis para os investimentos privados e ampliem a capacidade de investimento do governo. E, sobretudo, se não fizer a revolução da educação. Tudo mais complicado do que culpar juros-dólar.

Ora, dirão, por que então o Brasil é tão bem-visto no cenário internacional? Porque o que se fez até aqui é simplesmente notável. O Brasil saiu de "junk" para "investiment grade", pela boa cartilha. E não é um país qualquer, mas tem um PIB de US$ 1,5 trilhão, um mercado que parte de 3 milhões de automóveis/ano, 180 milhões de celulares, um agronegócio de Primeiro Mundo, enormes possibilidades no petróleo e por aí vai. 

Uma coisa dessas crescendo 5% a.a. é um bom negócio. Mas para brasileiros que querem prosperar na vida mais depressa seria preciso mais de 5%.

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