Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, abril 23, 2009

Problema: humanos CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO
Está todo mundo, aqui e lá fora, aproveitando para esculhambar os economistas. Sobram motivos ou pretextos.

A crise que começou no setor imobiliário dos EUA desenvolveu-se numa sequência de surpresas, sempre piorando.

Onde estavam os economistas que se apresentavam como operadores de uma ciência rigorosa? As críticas e zombarias, entretanto, servem pouco, pois, em geral, padecem do mesmo mal que afeta as análises de muitos economistas: justamente o de achar que os fatos econômicos são sempre previsíveis. Não são. E começamos por uma obviedade: crises não são previsíveis, porque, se o fossem, seriam evitadas.

É verdade que alguns economistas alertaram que algo ia mal na farra de crescimento do final dos anos 90 e início do século XXI. Mas isso é diferente, muito diferente de prever uma crise com tais e tais dimensões.

Isso não acontece, pela simples razão de que se trata de comportamento humano. Os agentes econômicos, grupo amplo que inclui desde o executivo do mundo financeiro até a dona de casa que toma decisões de compra no supermercado, agem pela razão e pelos sentimentos, com base em informações limitadas.

Juntando-se todas as ciências humanas, sem preconceitos, ou seja, utilizandose desde a psiquiatria de base darwiniana, passando pela psicanálise mais clássica, até as sociologias e políticas e, claro, a economia, chega-se hoje a uma boa compreensão do comportamento humano. Mas não o suficiente para prever o que cada um e todos coletivamente vão fazer ou deixar de fazer, com alguma exatidão.

As próprias ciências explicam essa impossibilidade pela capacidade dos seres humanos de pensar diferente, de inventar e criar e de agir num tumulto de emoções. Se não fosse assim, faríamos sempre a mesma música. Ou as mesmas operações financeiras.

Além disso, no caso da economia e da vida política, há sempre pessoas intervindo nos processos. Um exemplo apenas: a crise, que já aparecera em seus contornos básicos, tornouse violenta e quase terminal a partir da falência do Lehman Brothers, em setembro de 2008. Isso desfechou uma absoluta crise de confiança — fator psicológico, a propósito — que paralisou os negócios.

Ora, a falência poderia ter sido evitada.

Se os banqueiros e as autoridades americanas do momento tivessem sido mais inteligentes e menos assustados, teriam encontrado um meio de evitar a desastrosa falência. Às vezes, nessas situações — três dias de intensas negociações para evitar um colapso — uma boa cabeça, uma alma sábia e tranquila, faz a diferença.

Como teria sido se o Lehman não tivesse quebrado? Considerem agora os famosos cenários feitos pelos economistas. As previsões variam muito porque são construídas a partir de hipóteses amplas e variadas.

Para o mundo, por exemplo, uma variável-chave é o comportamento do consumidor americano, responsável por 70% do PIB dos EUA, que representa 25% da economia mundial. Portanto, a decisão do consumidor americano de ir ou não ao shopping, de gastar ou poupar, afeta 17,5% da economia global.

E então? Continuará retraído, poupando para pagar suas dívidas, ou cairá na tentação dos preços baixos? Finalmente, é preciso considerar a ação dos governos. Um bom plano de gastos pode fracassar por má administração e não gerar efeito algum no crescimento.

Então, a economia e as ciências humanas não servem para nada? É o que dizem cientistas da área das exatas e biológicas, que só estudam os seres humanos pelo lado da biologia/genética.

Enganam-se também. A ciência econômica tem vários casos de sucesso, muitos acontecidos aqui no Brasil. Exemplo: o controle da inflação com o regime de metas.

Isso foi uma invenção teórica, que começou a ser aplicada (testada?) por bancos centrais e hoje é um modelo aplicado em quase todo o mundo.

Querem outro? A compreensão de como as contas públicas afetam a economia, para o bem, quando equilibradas e financiáveis, para o mal, quando desequilibradas por muito tempo. Lembrem-se: Obama anunciou um déficit enorme para o momento, mas jurou que reequilibra as contas antes do final de seu mandato.

E outro: a demonstração de como o comércio mundial aberto promove o crescimento. E logo estaremos tirando lições desta crise.

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