Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, fevereiro 17, 2009

Plano N - Mírian Leitão

O Globo - 17/02/2009

O nome do Plano é N. De Nacionalização, ou, para falar no nosso jeito, estatização de bancos. Americanos, bem entendido, porque os nossos vão bem. O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga acha que se pode, por ideologia, descartar a possibilidade de se estatizar alguns bancos. A ideia é defendida por economistas notórios, como Paul Krugman e Nouriel Roubini.

- Sinto um viés ideológico na discussão, como se essa ideia tivesse que ser descartada, porque os bancos têm que ser geridos pelo setor privado. Ora, há um consenso em qualquer país, inclusive aqui, que não se deve nacionalizar o sistema, mas, se lá algumas instituições estão obviamente com problemas, o Estado deve assumir temporariamente, como já aconteceu em outros momentos, em outros países - diz Armínio Fraga.

Ele acha que dificilmente o sistema seria todo estatizado, mas explica que o "teste de estresse" que está previsto no plano do secretário do Tesouro, Timothy Geithner, é exatamente uma avaliação da situação do banco, para ver se ele é viável sem a capitalização do governo.

- Esse teste não é simples de fazer. O mercado é complexo, pouco transparente e com inúmeros ativos ilíquidos, mas esse tipo de intervenção, para preservar o fluxo do dinheiro e do crédito, tem que ser decidido de forma mais objetiva e menos ideológica. Tem que ser feita uma seleção natural: quem é bom é premiado, quem é ruim é punido - conta Armínio.

Não parece tão simples, já que todos se mostram bem incapazes de viver sem a ajuda governamental, e o socorro está mais para prêmio do que para punição, ponderei.

Ele explicou que para que não seja um prêmio, nos bancos que estiverem mal administrados, os acionistas deverão perder suas ações.

- Aqui no Brasil houve muito debate político, o governo, na época do Proer, perdeu a batalha da comunicação e foi acusado de dar dinheiro aos bancos. Na verdade, os acionistas perderam ações e tiveram seus bens indisponíveis. Nos Estados Unidos, mesmo com o capital pulverizado, os acionistas também são donos, os administradores também são acionistas, e não são pequenos não. Quem poderá dizer que a maioria dos bancos americanos foi bem tocada? É preciso fazer uma clara fiscalização bancária, uma triagem como sugeriu Geithner, para se saber quem deve enfrentar um processo de nacionalização - diz o ex-presidente do Banco Central.

Para Armínio, é preciso acabar também com a "paranoia" de que se for um administrador nomeado pelo setor público ele fará "besteiras" nesta gestão.

- Hoje, isso é verdade aqui também, já existe um sistema de fiscalização que impede que num banco público se faça grande barbaridade, dessas que aconteciam antigamente e que só se sabia cinco anos depois, quando ninguém mais era o responsável.

Armínio está convencido de que não há muito como fugir da nacionalização e acha que, quando for feita, será temporária e vai seguir o padrão que já ocorreu em outros casos, inclusive no Brasil.

- Deixar de fazer o que precisa ser feito por ideologia é tolice. Contrate uma boa equipe, administre bem o banco, separe o banco bom e venda - sugere.

Ele não acredita que esta semana o governo detalhe o plano financeiro que na semana passada foi mal recebido pela ausência desses detalhes. Armínio acha que ainda vai demorar, porque as questões envolvidas são muito complexas. O Fundo Público Privado seria uma espécie de comprador de última instância dos títulos podres que estão nos bancos. Para o ex-presidente do Banco Central brasileiro, a ideia é ter um mecanismo que atraia o capital privado. Mas se atrair demais muito provavelmente é porque o governo está incentivando mais que o necessário, e isso pode incentivar o setor privado a tomar muito risco porque o governo está bancando.

- Eles estão pensando nisso há seis meses. Não é simples. Se o governo comprar diretamente (os ativos tóxicos) vai ser muito perigoso. Fazer um leilão é difícil, porque os produtos são muito heterogêneos.

Nesta semana, o governo americano vai também sancionar o pacote de estímulo econômico, mas a impressão que Armínio diz que tem colhido é de que a maior parte do pacote será sentida só em 2010. Apenas 25% a 30% do impacto do estímulo terão efeito neste ano.

- Seria interessante também que a equipe do novo governo americano desse mais sinais de política econômica, que tratasse da questão fiscal de longo prazo. Aliás, seria bom que o Brasil também fizesse isso aqui.

Os problemas na economia americana se acumulam, e ontem o governo anunciou que Timothy Geithner - o mesmo que tem ainda que dar vida ao plano de resgate financeiro - vai ser o responsável por acompanhar a reestruturação do setor automobilístico.

- As fábricas de automóveis tentam evitar o "Chapter 11" (a concordata) porque, apesar de haver uma possibilidade de recuperação, eles dizem que ninguém compra carro de indústria que está nesta situação. O risco é ficar como a Varig, que vai negociando, negociando, até desaparecer e ficar só o nome - diz Armínio.

Com tantos problemas, o presidente Barack Obama está consumindo rapidamente seu capital político, observa Armínio. De qualquer maneira, o que ele acha é que o governo americano não deve deixar de fazer o que precisa ser feito por alguma barreira ideológica, como, por exemplo, nacionalizar os bancos que estão travando o sistema.

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