Entrevista:O Estado inteligente

domingo, janeiro 25, 2009

Blindagem rompida Paulo Renato Souza

Os dados sobre a queda do emprego formal no Brasil em dezembro revelaram que o desemprego gerado pela crise econômica internacional chegou a nosso país muito antes do esperado e numa dimensão surpreendente. O seu efeito sobre o emprego deveria manifestar-se apenas a partir do início deste ano, como consequência da queda na produção real derivada da menor demanda por nossas commodities.

Apesar da insistência de nossas autoridades em minimizar o impacto da crise no País, alguns indicadores mostram que nos últimos meses fomos uma das nações mais afetadas em algumas das principais variáveis macroeconômicas. Nossa moeda foi, de longe, a que mais se desvalorizou em relação ao dólar entre todos os países emergentes; e a Bovespa foi a segunda bolsa no mundo que mais perdeu com o aprofundamento da crise a partir de setembro em relação ao desempenho observado nos 12 meses anteriores.

Agora sabemos que o número de postos de trabalho formais eliminados em dezembro de 2008 foi o dobro do observado no mesmo mês do ano anterior. Superou em termos absolutos o número de demitidos nos Estados Unidos no mesmo período, país cuja força de trabalho formal é três vezes maior do que a nossa. Foram 654 mil empregos formais a menos, a maior queda em 16 anos. Entre novembro e dezembro, o número de demissões chegou a 700 mil. A redução de empregos atingiu inclusive o comércio, setor tradicionalmente empregador às vésperas do fim de ano.

O tamanho de nossa desvalorização se explica em parte pela supervalorização do real antes da crise, mas é muito preocupante a grande volatilidade do nosso mercado de câmbio nos últimos meses. Na questão do emprego, o tamanho da queda se relaciona em parte ao seu caráter abrupto: enquanto a economia americana vinha reduzindo o emprego havia vários meses, o mercado de trabalho brasileiro começou a mostrar sinais negativos apenas em novembro. Até então, nossa economia vinha crescendo de vento em popa. São explicações parciais que não escondem a dimensão inusitada que a crise já assumiu no Brasil, ao contrário do previsto há apenas alguns meses por todos os analistas, inclusive os mais pessimistas.

A opinião unânime dos especialistas de várias tendências e instituições ouvidos pelos meios de comunicação na semana passada indica, contudo, que esse volume recorde não significa o ápice do efeito da crise sobre o emprego no Brasil. Em parte, as demissões em massa ainda estão circunscritas a poucos setores: sucroalcooleiro, agroindústria de sucos, cadeia automotiva, comércio, siderúrgico e grupos que registraram perdas com derivativos.

Na verdade, os dois impactos da crise até agora sentidos no Brasil - a crise financeira e cambial em outubro e a da destruição de empregos em dezembro - não deveriam ter ocorrido até agora - pelo menos nas proporções observadas. Ainda não sentimos os piores efeitos da crise, que ocorrerão no lado real da economia e chegarão pela porta do comércio exterior. Como registrei em artigo publicado neste mesmo Espaço Aberto no último mês de outubro, a crise financeira aportou em nosso país muito antes do esperado em razão dos equívocos das políticas de câmbio e de juros. A destruição de postos de trabalho em alguns setores, que agora se registra, só parcialmente está vinculada à crise real que virá. Como destacou recente informe preparado pelo Instituto Teotônio Vilela, do PSDB, trata-se de uma crise de confiança "tanto dos banqueiros, que passaram a restringir a oferta de crédito, como dos empresários, que pararam de produzir", em função da escassez de financiamento e das perspectivas de evolução futura da demanda.

A crise de confiança tem como pano de fundo a crise internacional e seus previsíveis impactos na economia brasileira, mas está diretamente relacionada com a insegurança econômica provocada pela reação de nossas autoridades à turbulência global. É o governo que está transmitindo insegurança aos mercados, às empresas e à sociedade em geral. Se olharmos em retrospecto, nos últimos meses o comportamento do governo tem sido marcado por observação passiva, críticas a iniciativas e propostas de segmentos empresariais ou sindicais, ameaças a empresários que vierem a demitir, distanciamento dos problemas e busca de culpados a quem acusar e, também, medidas pontuais que revelam na prática uma situação pior do que a reconhecida no discurso. Faltam uma estratégia global contra a crise e o exercício da liderança no País para implementá-la. Por seu turno, notoriamente o presidente busca faturar politicamente com a crise, como se não tivesse nenhuma responsabilidade sobre ela.

Autoridades de países estrangeiros relatam a sua perplexidade diante do desdém de nossos dirigentes em relação aos possíveis efeitos da crise no Brasil. Contrastando com as políticas preventivas que vários países emergentes vêm adotando há meses, os responsáveis pela economia brasileira gastam o tempo de encontros bilaterais para tentar explicar por que o Brasil seria pouco afetado por uma crise financeira que ficaria restrita aos países mais desenvolvidos. Ou seja, também para seus colegas estrangeiros, nossos dirigentes maiores repetem a cantilena que, pensávamos muitos, seria apenas uma estratégia de comunicação para tentar manter o otimismo da população em alta. Parecia-nos inconcebível que eles não estivessem enxergando o que todos viam e preparando um arsenal de medidas coerentes a ser oportunamente adotado ou proposto ao País. Como estávamos enganados! Não era estratégia de comunicação, era pura incompetência e ufanismo fora de hora e lugar.
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