Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, dezembro 24, 2008

Retrospectiva 2008 Brasil


A ministra com costas quentes

Ricardo Stuckert

Ela começou o ano como a "mãe do PAC" e terminou como a escolhida de Lula. Sim, Dilma Rousseff é a candidata do presidente à sua sucessão, como finalmente admitiu o próprio, em novembro. Mas 2008 não trouxe apenas boas notícias para a ministra-chefe da Casa Civil. Em março, ela esteve às voltas com um escândalo que ameaçou respingar nas suas costas – já naquele tempo quentes, mas não tanto. Pouco depois de vir à tona a denúncia de que ministros do governo estavam usando cartões corporativos com finalidades indevidamente recreativas, um grupo de assessores da Casa Civil, supostamente a título de revanche, foi encarregado de escarafunchar os arquivos do Palácio do Planalto. Aparentemente, a idéia era encontrar gastos igualmente pouco republicanos do ex-primeiro casal Fernando Henrique Cardoso e, assim, constranger a oposição. Sendo a Casa Civil o domínio da ministra e estando sua principal assessora diretamente envolvida no imbróglio, era de esperar que sobrasse para ela. Tudo se resolveu milagrosamente, porém, quando uma sindicância interna – da Casa Civil – concluiu que o dossiê não era dossiê e, sim, um "banco de dados", embora ninguém tenha entendido que diferença isso faz. No mês em que o escândalo do dossiê – quer dizer, do banco de dados – estourou, um levantamento do Datafolha apontou que Dilma tinha míseros 4% de intenção de votos. No início de dezembro, uma nova pesquisa feita pelo mesmo instituto mostrou um crescimento de 8 pontos em torno do seu nome. O PAC pode ter terminado o ano cambaleante. Mas Dilma Rousseff, essa sim, acelerou e cresceu, no melhor cenário.

 

Crueldade sem limite

Reprodução/Jornal O Popular

A história da menina Lucélia Rodrigues da Silva, de 13 anos, torturada pela empresária de Goiânia Sílvia Calabresi Lima, mostrou até que ponto um ser humano pode ser cruel e quanto sofrimento é capaz de infligir a outro. Durante dois anos, Lucélia foi sistematicamente supliciada por Sílvia, que a havia "adotado" prometendo oferecer-lhe estudo. Entre outros horrores, a empresária esmagou dedos da criança em dobradiças de porta, quebrou-lhe dentes a golpes de martelo, cortou pedaços da sua língua com alicate e obrigou-a a comer fezes de animais. Em 17 de março, Lucélia foi encontrada pela polícia na área de serviço da casa de Sílvia com os braços erguidos, acorrentados a uma escada, de modo que os pés mal alcançavam o chão. Presa, a empresária afirmou que, ao torturar a menina, pensava que a estava "educando". Em junho, ela foi condenada a quinze anos de prisão. A empregada doméstica Vanice Maria Morais, que trabalhava para Sílvia, recebeu uma pena de sete anos por tê-la ajudado na tortura. Lucélia mora em um abrigo de Goiânia e está à espera de adoção.

 

O crime que fez o país chorar

Reprodução/Futura Press

Raramente um crime é capaz de provocar a comoção que o assassinato de Isabella Nardoni causou no país. Dificilmente também as circunstâncias em que crimes como esse ocorrem são tão espantosas quanto as que cercaram a morte da menina, aos 5 anos de idade, no dia 29 de março. Segundo a polícia, Isabella foi atirada da janela do 6º andar de um edifício em São Paulo pelo pai, Alexandre Nardoni, depois de ter sido asfixiada pela madrasta, Anna Carolina Jatobá. O casal, que nega o assassinato, está preso há oito meses em penitenciárias de Tremembé, no interior paulista, e deve ir a júri popular no primeiro semestre de 2009. Na cadeia, como mostrou VEJA em reportagem publicada em novembro, o pai de Isabella não trabalha, acorda tarde e recebe da família comida suficiente para alimentar também os quatro presos com os quais divide a cela. Anna Carolina trabalha na faxina da penitenciária. A madrasta de Isabella buscou abrigo na ala das evangélicas, de modo a proteger-se da hostilidade que costuma cercar detentas acusadas da morte de crianças – um tipo de crime que não costuma ser tolerado nem mesmo pelos piores bandidos condenados.

 

A vitória do bom senso

Ana Araujo

Vinte e nove de maio foi um dia histórico para a ciência e para a Justiça brasileira. Por 6 votos a 5, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram-se pela liberação do uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas. O STF, que chegou a convocar uma audiência pública com 22 estudiosos de genética e neurociência para discutir o momento em que a vida se inicia, teve o bom senso de, ao final, tomar a decisão à luz daquilo que entende melhor: as leis brasileiras. As células-tronco embrionárias são as únicas capazes de se transformar em qualquer um dos 216 tipos de célula do corpo humano. Isso significa que, no futuro, poderão dar origem à cura de doenças como diabetes e Parkinson, além de possibilitar a recuperação dos movimentos a paraplégicos e tetraplégicos. A decisão do tribunal já deu resultados. Em outubro, quatro meses depois da liberação das pesquisas, uma parceria entre pesquisadores da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal do Rio de Janeiro anunciou a produção da primeira linhagem de células-tronco feita no Brasil. O STF deu o primeiro passo – e a ciência, felizmente, está caminhando rápido.

 

À sombra da ilegalidade

Dida Samapaio/AE

A notoriedade, assim como as grandes fortunas, pode ter origens diversas – e elas nem sempre são dignificantes. No caso do delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz, a fama adveio de motivos bem pouco nobres. No comando da operação Satiagraha, destinada a investigar supostos crimes financeiros do banqueiro Daniel Dantas, o delegado cometeu tantas ilegalidades e desvarios que acabou por facilitar a defesa do investigado e colocar a si próprio, e aos seus excessos, em primeiro plano. No capítulo das ilegalidades perpetradas, figuram desde o uso de serviços clandestinos de arapongas da Abin até a prática de gravações sem autorização judicial. Já na seção "desvarios", o melhor exemplo foi o relatório que o delegado produziu sobre a operação – e que, por excesso de retórica e falta de sentido, acabou tendo de ser refeito. O desempenho de Protógenes custou-lhe o cargo (que de investigativo passou a burocrático na PF), mas ele parece não estar se importando muito com isso. O delegado tem investido boa parte do seu tempo dando palestras e participando de homenagens do PSOL. Há poucas semanas, chegou a ser agraciado pela líder da sigla, a deputada Luciana Genro, com uma medalha de honra ao mérito. Graças à filha do ministro Tarso Genro, Protógenes virou comendador. A notoriedade, não importa sua origem, parece estar agradando ao delegado.

 

Salto redentor

Alexandre Battibugli

Quando a atleta Maurren Maggi alcançou a marca de 7,04 metros em seu salto no ginásio Ninho de Pássaro, em Pequim, não estava conquistando apenas a segunda medalha de ouro do Brasil naquela Olimpíada, mas deixando definitivamente para trás um dos piores capítulos da sua carreira. Depois de ter sido suspensa por uso de doping em 2003 – acusação que até hoje nega –, ela decidiu afastar-se das pistas. Durante quase três anos viveu um cotidiano de dona-de-casa, dedicada exclusivamente à filha, Sofia, hoje com 4 anos de idade, com quem conversou por telefone logo depois da vitória. Durante esse período, Maurren não quis nem ouvir falar de atletismo – até chegar à conclusão de que não conseguiria passar sem ele. "Não estudei, não fiz nada, só sei ser atleta. Então, resolvi me dar mais uma chance", disse. Teve pouco mais de dois anos para treinar duro, voltar à forma e bater, pela diferença de 1 centímetro, a russa Tatyana Lebedeva. Na próxima Olimpíada, em Londres, Maurren terá 36 anos – e já declarou que vai competir para ganhar. Melhor não duvidar.

 

Terror e morte aos 15 anos

Danilo Verpa/Folha Imagem

Em outubro, o Brasil acompanhou o mais longo caso de cárcere privado da história do estado de São Paulo. Inconformado com o fim do namoro de três anos, Lindemberg Alves, de 22 anos, tomou como reféns a ex-namorada Eloá Pimentel e uma amiga dela, Nayara Rodrigues, ambas de 15 anos. Por cinco dias, usou o apartamento da família da ex-namorada em Santo André, no ABC paulista, como cativeiro. Nesse período, chegou a libertar Nayara, mas a menina, a pedido do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate), da Polícia Militar, voltou ao local e foi feita refém novamente, num dos episódios que mais renderam críticas à polícia. O outro foi a malsucedida invasão do cativeiro – que a polícia diz ter sido motivada por um tiro desferido por Lindemberg e que Nayara nega ter existido. A demora do Gate em romper a barricada armada pelo criminoso na entrada do apartamento permitiu que ele tivesse tempo de atirar contra as adolescentes, antes de ser dominado. Nayara sobreviveu. Eloá morreu com um tiro na cabeça e outro na virilha, depois de viver cinco dias de inferno. Ao longo do cárcere, ela foi chutada, esbofeteada, ameaçada e humilhada a ponto de, ao final, cansada, pedir ao seu algoz para ser morta. "Ela sabia que não sairia viva de lá", contou Nayara. Em audiência marcada para o dia 8 de janeiro, a estudante terá de ficar novamente cara a cara com o assassino de sua amiga.

 

Vidas submersas

Filipe Araujo/AE

As imagens de casas despencando morro abaixo, como se fossem de brinquedo, e os olhares ainda perplexos daqueles que viram família, amigos, lar e emprego desaparecer em meio ao dilúvio que desabou sobre Santa Catarina comoveram os brasileiros. Uma das maiores calamidades já registradas no estado foi fruto de uma combinação catastrófica de fatores meteorológicos e geográficos. Os primeiros ajudaram a produzir uma tempestade sem precedentes no estado: em cinco dias, só em Blumenau, caíram 300 bilhões de litros de água – o suficiente para abastecer a cidade de São Paulo durante três meses. Já o solo argiloso e os fortes declives do Vale do Itajaí, a região mais afetada, potencializaram o efeito do desastre ao facilitar os deslizamentos.

Passado quase um mês da tragédia, ainda não se pode dizer quantas vidas ela tragou. Oficialmente, até o fechamento desta edição, os mortos são 131, mas, até agora, 22 pessoas continuam desaparecidas. Os desalojados e desabrigados, que já chegaram a 78 707, ainda somam 32 973 pessoas. Os danos econômicos também foram gigantescos: só o conserto do Porto de Itajaí, o segundo maior em circulação de contêineres do Brasil, deverá consumir 257,5 milhões de reais. Seis mil voluntários de diversas regiões rumaram para o estado, num esforço para mitigar o sofrimento dos flagelados e ajudá-los a reconstruir o que a chuva havia levado. Será uma longa empreitada.

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