Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 15, 2008

Renato Kherlakian conta como a Zoomp acabou


"Eu apostei errado"

Lailson Santos

A VIDA DEPOIS DO RAIO
Kherlakian: montanha de dívidas e perdas na "bolsa que virou pochete"


Em julho de 2006, o empresário Renato Kherlakian, 58 anos, dono da Zoomp, uma das mais conhecidas marcas de roupa do Brasil, vendeu o negócio. No mesmo pacote, foi contratado como consultor pelos investidores Enzo Monzani e Conrado Will, que mais tarde comprariam outras grifes sob o guarda-chuva de uma empresa desconhecida, de nome moderninho, a I’M. Em abril deste ano, a I’M afundou publicamente, imersa em dívidas. Deprimido, isolado e imobilizado pelo recesso de dois anos imposto por contrato, Kherlakian continuou até agosto a fingir que trabalhava, vendo a Zoomp sumir do mapa da moda. Agora, pela primeira vez, falou à repórter Sandra Brasil sobre o barco furado em que se meteu e a tristeza pelo destino da marca, que em 34 anos de existência colocou o logotipo do raio nos jeans que todo mundo já usou.

O fim da Zoomp

"A marca, como era antes, morreu. O número de funcionários caiu de 800, em 2006, para cerca de 100. Avalio que tenha perdido 70% em faturamento e 98% em prestígio. Eu apostei errado. Vendi a Zoomp porque ela estava altamente endividada e queria encontrar uma forma de eternizá-la. Os investidores falavam que tinham meio bilhão de dólares para pôr no negócio. Enzo me abraçava e dizia que ia realizar meu sonho de perpetuar a Zoomp. Eu acreditei na fantasia de que dominaríamos o mercado, que seríamos uma empresa com dez marcas e que formaríamos um escudo protetor para dominar a América do Sul. Mas pararam de pagar aos fornecedores, que, conseqüentemente, pararam de entregar o produto. Foi a marca que deixou de atender o consumidor. Acho que ela vai tentar se reposicionar numa faixa de preços mais baixos, para vender mais. É o mesmo que pegar um tremendo cavalo de raça e colocar no pasto para correr atrás de gado. Destruíram a marca."

Dívida e esqueletos

"A princípio, o passivo da Zoomp era inferior a 130 milhões de reais. Os investidores assumiriam as dívidas e eu e meu ex-sócio, Alvaro Neiva, receberíamos 56 milhões para dividir entre nós. Após a venda, viu-se que a dívida era de mais de 200 milhões, e eles contingenciaram absolutamente tudo o que eu tinha a receber. Talvez eu tenha sido ludibriado internamente, antes da venda, porque havia mais esqueletos dentro da empresa. Eu e Alvaro recebemos os 2 milhões de reais iniciais. Deu 1 milhão para cada um. E só."

O recesso de dois anos

"Todo mundo achava que eu realmente fazia a direção de criação, e eu confirmava. Hoje, meu nariz é grande tanto pela ascendência armênia como pelas mentiras bobas que tive de contar"

"Eu me sentia como se tivesse me separado da mulher e continuasse vivendo na mesma casa. Sofria vendo o encolhimento da marca. Sofria quando fornecedores antigos passavam na minha sala para reclamar de falta de pagamento. Ninguém podia me passar informação alguma, como se eu fosse um ladrão. A sala de reuniões era ao lado da minha sala, e eu só sabia de algumas pela ‘rádio peão’. Os funcionários que falavam comigo eram repreendidos. Entrei em depressão. Tinha parado de fumar depois da cirurgia para a retirada de um câncer no pâncreas, mas voltei. Passei a fumar mais ainda. Havia dias em que eu subia as escadas do escritório com a sensação de que carregava um caminhão nas costas. Cheguei a passar seis meses sem sair de casa, só ia para a empresa. Fui um urso, fiquei hibernando. Durante algum tempo, todo mundo no mercado achava que eu realmente fazia a direção de criação, e eu confirmava. Hoje, meu nariz é grande tanto pela ascendência armênia como pelo monte de mentiras bobas que tive de contar."

Dívida em aberto

"Gasto muito dinheiro com advogados. Estou com o nome sujo na praça, por causa dos avais que dei à Zoomp no passado e que os compradores não substituíram, como estava previsto em contrato. Imagino que a empresa deva hoje mais de 300 milhões de reais. Destes, calculo por alto que sou avalista de uns 10 milhões. Pode até ser mais. Não tenho idéia."

O pior dia

"Foi 14 de julho de 2006, quando tive de assinar o contrato de venda da Zoomp. Passei a noite em claro e bebi três garrafas e meia de champanhe. Depois, as noites foram ficando cada vez mais difíceis, porque via que as coisas estavam saindo dos trilhos. Também sofri muito quando abri um jornal e vi uma reportagem que escancarava a péssima situação da Zoomp, que tinha 1 500 títulos protestados."

Situação financeira

"Eu nasci rico. Minha mãe faleceu nesse espaço de tempo, e eu herdei alguns bens que vendi juntamente com meus irmãos. Antes do negócio com a Zoomp, vendi uma fazenda que tinha e fui me mantendo, apertado à beça, dois anos antes da venda e os dois anos depois de assinar o contrato. Estou bebendo menos champanhe, mas a gente vai se acomodando. Continuo andando de carro blindado e educando na Europa duas das minhas filhas. Nunca disse não para os meus filhos. Mas tomo cuidado para preservar meu patrimônio. Meus bens e propriedades não podem levar mais nenhum golpe. Ainda mais agora que a bolsa de valores virou uma pochete e perdi cerca 50% do que havia aplicado."

O futuro

"Torço para que a Zoomp se recupere em meio a esse turbilhão. Mas estou afastado dela e investindo no meu novo negócio. Vou lançar uma marca de jeans para mulheres em 2009. Será um jeans de qualidade superior, que não vai custar menos de 450 reais nem mais de 730 reais. Tenho uma clientela formada no mercado que consome luxo. Imagino que a indústria ainda vá passar por muita mudança nos próximos dois anos. Vou entrar bem devagar e com produtos extraordinários. E quero deixar bem claro: não fiquei traumatizado, não. Para dar certo no negócio da moda, é preciso respaldo financeiro de alguma organização."

Preços nas alturas

"Tudo depende dos buracos que você tem no closet. O fast fashion baliza o que é caro e o que é barato. Um produto de 1 000 euros vai ter uma cópia a 1 000 reais e outra, numa seda sintética da China, a 50 ou 100 reais. Mas realmente o aumento da demanda por produtos de luxo contribuiu para que as grifes brasileiras melhorassem a qualidade – e isso elevou os preços."

Extravagância pessoal

"A peça mais cara que já comprei foi uma jaqueta de couro do Claude Montana, no auge dele, em Paris, por cerca de 3 800 dólares. Mas já fiz compras que chegaram a 10 000, 15 000 dólares. Em Milão, paguei 2 000 dólares por um canivete para apontar minha coleção de lápis. Sou viciado em lápis. Tenho uns 5 700 inteiros e uns 1 000 toquinhos."

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