Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 06, 2008

O governo banqueiro Rolf Kuntz*

Crise econômica? Falta de liquidez no mercado financeiro? E quem se importa com isso? Com a fusão do Banco Itaú e do Unibanco, fica mais evidente o objetivo principal do governo quando lançou a Medida Provisória (MP) 443: facilitar a expansão do Banco do Brasil (BB) e da Caixa Econômica Federal (CEF). Injetar capital para reativar o crédito foi pouco mais que um pretexto de ocasião. A tarefa de movimentar o mercado vem sendo cumprida, de fato, pelos meios tradicionais: a ação do Banco Central (BC), em várias frentes, e a extensão do Programa de Financiamento de Exportações (Proex) a maior número de empresas.

O debate sobre um prazo de validade para a MP 443, no Congresso, tornou o jogo ainda mais claro. Segundo o líder do PT na Câmara, deputado Maurício Rands (PE), só tem sentido falar em prazo se o objetivo for o combate à crise, por meio do socorro aos bancos menores. Mas, se a intenção do governo for igualar as condições do BB e da CEF às do setor privado - "tratamento isonômico", nas suas palavras -, então não deve haver limitação.

Ao indicar as duas possibilidades, o deputado Maurício Rands manteve uma dúvida no ar, como se a intenção do governo não fosse clara. Ele não mencionou, por exemplo, a exposição de motivos assinada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, por seu colega do Planejamento, Paulo Bernardo, e pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.

Nessa exposição, o objetivo central da MP é declarado logo no início. Diante da crise, segundo os autores do texto, o governo adotou medidas para ampliar a oferta de dólares, expandir a liquidez no mercado interbancário e incentivar a compra de carteiras de instituições pequenas e médias. Não há uma palavra sobre a insuficiência dessas medidas. Mas, no mesmo parágrafo, há uma extensa referência ao assunto principal: "Embora os reflexos da crise no Brasil sejam relativamente limitados em razão da solidez macroeconômica do País e da solidez do sistema financeiro nacional, a contração da liquidez pode estimular um movimento de consolidação financeira no País." Ah, bom, então é isso. O sistema é forte, mas pode se tornar mais concentrado. E daí? Pelas normas em vigor, o BB e a CEF têm restrições para entrar nesse jogo. Isso tem "duas conseqüências indesejáveis: uma menor concorrência entre os potenciais investidores, reduzindo o valor dos ativos negociados, e a eventual perda de oportunidade de expansão das instituições financeiras federais". O importante, obviamente, é a conseqüência número dois. O resto é conversa, como se explica, sem nenhum disfarce, no penúltimo parágrafo do texto: "A relevância e a urgência da medida - que, como já colocado, tem como objetivo igualar as condições de concorrência dos bancos públicos com instituições privadas, nacionais e internacionais, num eventual processo de consolidação do sistema financeiro brasileiro - resultam da própria dinâmica da crise internacional, que abre uma oportunidade para que os bancos públicos se fortaleçam ao mesmo tempo que contribuem para minimizar o impacto das turbulências sobre o sistema financeiro doméstico." Para reduzir as turbulências o BB precisará comprar a Nossa Caixa? E a CEF precisará criar uma subsidiária e entrar no ramo da construção?

A intenção do governo paulista de vender a Nossa Caixa e o desejo do governo federal de comprá-la por meio do BB não têm nenhuma relação com a crise nem com a possível conveniência de se injetar capital em bancos pequenos e médios. Importante, mesmo, para as autoridades federais, é a "oportunidade" mencionada no fim da justificativa.

Curiosamente, a MP 443 foi publicada no Diário Oficial da União de 22 de outubro, na primeira página, sem a exposição de motivos. Não estaria pronta? O governo não teria interesse, naquele momento, em chamar a atenção para seu propósito real? De toda forma, não há mais dúvida a respeito do assunto e os parlamentares deveriam levar em conta esses dados ao avaliar a MP 443.

Se aprovarem o texto e sem fixar prazo nem condições para as compras de ações pelos bancos federais, darão ao governo carta branca para qualquer política de expansão das instituições federais, seja qual for o propósito dessa expansão. Darão ao governo um brinquedo perigoso, tão perigoso quanto o Fundo Soberano - injustificável, neste momento, em vista das condições fiscais e cambiais -, já aprovado na Câmara e ainda sujeito a apreciação pelos senadores.

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