Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 02, 2008

A névoa do imponderável Gaudêncio Torquato

Qual é a eficácia de uma previsão na política, quando se sabe que nessa esfera o imponderável é, com freqüência, um fator decisivo? A pergunta tem que ver com a enxurrada de análises e projeções que se fazem a respeito de vencedores e perdedores do último pleito com o objetivo de demonstrar viabilidade eleitoral de determinados atores no cenário longínquo de 2010. De início, a constatação: nem bem se conclui o projeto de uma gigantesca casa, após demorado e penoso processo que envolveu proprietários e trabalhadores, e já se começa a pensar no anexo do empreendimento. Até parece que a disputa político-eleitoral se tornou o Leitmotiv da vida nacional, deixando em plano inferior prioridades, como as reformas nos campos político e previdenciário, e urgências, como um forte programa de prevenção contra a crise financeira internacional, que se deveria extrair de profundo debate entre partidos, lideranças e especialistas, inspirado nos altos interesses da Nação. O jogo político no País, de tão competitivo, já não dá nem tempo aos contendores para o intervalo regulamentar. Um alerta: jogadores e torcedores cansados podem ter a vista embaçada pelo suor do embate.

Se pretendem caminhar com segurança em direção ao futuro, precisam, primeiro, limpar os entulhos que se acumulam na estrada, a começar pela argamassa que apodrece os eixos da política. Chegamos a um ponto de saturação. A velha maneira de fazer política afasta a sociedade. Não adianta caprichar na cosmética, dourar a pílula com medidas pontuais e casuísticas. Uma reforma se faz necessária. E, se for para valer, implicará alterações no sistema de voto, privilegiando os ideários partidários e propiciando ao eleitor distinguir as diferenças entre as siglas; deve abrigar outros estatutos, como rígida disciplina partidária, proibição de coligações proporcionais - jeitinho para acomodação dos contrários - e abolição de siglas sem nenhuma expressão eleitoral, além de métodos de captação transparente de recursos para as campanhas. O princípio-mor das mudanças deve ser o de moralização dos padrões e extirpação de desvios e disfunções que conspurcam as funções da política e entortam as vigas da democracia.

Os interregnos entre os pleitos propiciam espaços e climas mais saudáveis para realização de programas reformistas, na medida em que estão menos sujeitos a casuísmos impostos pelo calor eleitoral. Sob essa certeza, os Poderes deveriam dar-se as mãos e abrir frentes avançadas. A integração de propósitos e esforços se faz necessária quando se sabe que nenhuma reforma se conseguirá sem patrocínio do Poder Executivo, cujo mando sobre o conjunto parlamentar ganha força, a cada exercício, por conta do extraordinário poder de repartir fatias do banquete entre os comensais. Sejamos realistas. Só sai reforma política se o Executivo assim o decidir. E como reitera que enviará ao Congresso, até o final de ano, as reformas política e tributária, de sua autoria, é provável que, desta feita, cumpra a palavra. (É oportuno lembrar que palavra de governante e político vale, hoje, tanto quanto um tostão furado.)

Na frente econômica, impõe-se denso programa de ações preventivas contra eventuais efeitos da onda desestabilizadora dos mercados. A prudência recomenda que as oposições, que tanto negam fogo no ambiente parlamentar, procurem não tirar proveito, politizando a crise. Há momentos em que a segurança nacional e a harmonia social se hão de sobrepor aos interesses partidários. E o governo, por sua vez, como demonstração inequívoca de grandeza, tem o dever de convidar os partidos de oposição a prestar colaboração na montagem de um plano nacional anticrise. A contribuição do Judiciário para o aperfeiçoamento do sistema normativo e para a boa convivência entre os Poderes pode contemplar, por exemplo, a limpeza de entulhos existentes na estrada da judicialização da política. Se há acusações de que o Supremo Tribunal Federal costuma adentrar, com freqüência, os vazios abertos pela ausência de legislação infraconstitucional e, desse modo, intrometer-se na esfera parlamentar, é mais que oportuno desanuviar a fumaça que gera tensões entre os Poderes.

Portanto, eis aí uma pauta de mais alto significado para o País que a simples projeção de cenários para o futuro. Até porque eventuais leituras que se queiram fazer sobre o amanhã não podem apagar da lousa a lição do hoje. O caçador que deseja acertar a ave em pleno vôo (com desculpas aos ambientalistas pela imagem) deve medir a distância em que ela se encontra, sua velocidade e o tempo do projétil até o alvo. Chama-se a isso "decalagem", que em matéria político-eleitoral significa o peso das informações que os atores detêm, as ações para melhorar suas condições e a análise de viabilidade dos adversários. O homem é a soma de seu perfil e das circunstâncias que o cercam. Se assim é, eis uma pequena lembrança. Se a fumaça da crise ofuscar o ambiente eleitoral, daqui a dois anos um oposicionista terá mais chances. Em caso contrário, um situacionista terá melhor chance. A resposta à pergunta que abre este texto passa, assim, pela fogueira da crise.

As névoas do futuro abrigarão tanto a dinâmica quanto a estática da política e da economia, correspondentes aos avanços ou recuos nos campos das reformas política e tributária. Por último, a lupa deve se fixar sobre os atores e partidos. O PMDB, por exemplo, tem quatro caminhos a seguir: a via do PT, significando aliança com Dilma Rousseff ou outro; a via das oposições, aliando-se ao governador José Serra, o mais provável candidato do PSDB; a via pessoal, significando candidatura própria, com um nome com chances reais atraído para o partido (Aécio Neves?) e apoiado por Lula; ou duas veredas, com uma ala dando para a situação e outra para a oposição.

De tudo isso sobra uma recomendação aos mais açodados: devagar com o andor.

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