Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, novembro 18, 2008

Fogueira na PF Luiz Garcia


O Globo - 18/11/2008

Nos últimos anos, a Polícia Federal construiu para si mesma uma imagem de eficiência que aparentemente a colocava a anos-luz de distância de todas ou quase todas as polícias estaduais. E o dado mais positivo dessa imagem era o perfil de muitos dos peixes que caíam em sua rede: gente poderosa, homens de alta posição e muito dinheiro.

Foi assim há cinco anos, quando a Operação Anaconda levou para a cadeia um juiz federal e outras figuras supostamente - ou historicamente - intocáveis. No ano passado, os federais prenderam os chefões do jogo do bicho no Rio, numa operação em que caíram na rede também dois desembargadores, um juiz e um procurador. Não faltam outras investigações com resultados semelhantes.

A Operação Satiagraha, este ano, parecia do mesmo tope. Foram apanhados o banqueiro Daniel Dantas e outros endinheirados. Mas em pouco tempo tudo começou a dar errado para os policiais. Os primeiros sinais de crise foram indícios, logo confirmados, de uso - aparentemente inédito e certamente irregular - de agentes da Agência Brasileira de Inteligência, repartição direitamente subordinada ao Palácio do Planalto, na gravação de telefonemas do grupo visado pela Satiagraha.

Para muita gente no Planalto, essa irregularidade era sinal assustador de que grupos na Polícia Federal faziam o que bem entendiam para conseguir resultados - quase sempre divulgados com uma dose pouco profissional e bastante perigosa de exibicionismo.


Posta em xeque, a PF começou a fazer água, revelando uma crise interna que fervia há algum tempo. E que na verdade era muito mais disputa de poder do que, como muita gente pensava, simples divergências sobre métodos de investigação.

Hoje, a PF não tem a confiança do governo e parece ter perdido a boa imagem na opinião pública. O delegado que montou a Satiagraha, Protógenes Queiroz, responde a inquérito por supostas falhas na operação - uma investigação aprovada por parte de seus colegas e condenada por outros.

Numa briga independente de tudo isso, agentes federais estão em pé de guerra contra um projeto do governo, já tramitando no Congresso, que transfere do juiz para o promotor público a supervisão e o controle das investigações policiais. Um manifesto assinado por mais de cem delegados afirma não ser correto que "investigações policiais sejam dirigidas pela parte que acusa, em prejuízo da defesa". Podem ter razão, mas nada impede que essa tomada de posição venha ser munição para os críticos da PF em Brasília.

O que parece evidente em tudo isso é que a Polícia Federal vive dias de cão, em parte devido a divergências e opções respeitáveis - e em parte devido a uma crepitante fogueira de vaidades que pode transformar em cinzas uma merecida reputação de eficiência.

Quem está de fora tem motivos óbvios para deduzir que nenhum grupo deve ser dono exclusivo da razão. E também para temer que a conseqüência mais notável da crise seja muito tempo de vida mansa para os daniéis dantas da praça.

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