Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, novembro 03, 2008

Do pânico ao desânimo. E melhorou Carlos Alberto Sardenberg*

Estamos saindo do pânico para algo como um desânimo conformado. O pânico, no caso, diante da possibilidade de um colapso financeiro global, leva a movimentos bruscos - venda ações, compre dólares, queime dólares, compre ienes, venda tudo, esconda o dinheiro. No desânimo, é como na depressão, não se faz quase nada. Traduzindo, a volatilidade nas bolsas e no mercado financeiro em geral deve dar lugar a um período de pasmaceira, lá embaixo.

O resumo da semana passada é este: a crise amainou no lado financeiro, mas mostrou sua cara no lado real.

No lado financeiro, talvez tenha sido a melhor semana. Medidas anunciadas por governos e bancos centrais começaram a funcionar, as centenas de bilhões de dólares começaram a chegar ao mercado e provocaram um primeiro resultado notável: acabou o pânico, aquele sentimento desesperador de que o mundo estava à beira de um colapso financeiro, com quebradeira de bancos e de clientes e com as empresas e as pessoas perdendo depósitos e investimentos.

Isso acabou. Não haverá esse colapso, tal é a convicção hoje. Os governos e os bancos centrais já haviam dito isso, mas levou algum tempo para o pessoal acreditar. Mais ou menos um mês para o pessoal se convencer de que não haveria um segundo Lehman Brothers indo à falência.

A propósito, quando o governo americano e seu banco central, o Federal Reserve, deixaram o Lehman quebrar, alguns analistas disseram: só o tempo dirá se foram corajosos ou loucos. Hoje, olhando para trás, está evidente que foram loucos.

De todo modo, a série de medidas tomadas no último mês indicou nova disposição: primeiro, impedir a quebradeira; segundo, reanimar o sistema financeiro; e terceiro, suportar a recessão.

Outra grande mudança, depois do colapso do Lehman, foi a virada dos líderes mundiais. Pararam com aquele populismo de direita e de esquerda, Sarkozy e Lula, por exemplo, dizendo que era tudo culpa dos americanos e que eles se virassem para acabar com o cassino que haviam criado. Todos entenderam que a crise era global, que seus sistemas financeiros e suas economias se haviam beneficiado do "cassino" e que todos deveriam agir em conjunto.

Fizeram isso e começamos a sair do pânico. E, na última semana, foram animadores os sinais de retomada do fluxo de empréstimos. Longe da normalidade, mas também longe da paralisia de semanas anteriores. Foi esse ambiente que as bolsas celebraram até quinta-feira.

Mas a semana terminou com a crise mostrando sua cara no lado real, especialmente para nós, brasileiros.

O sinal mais forte veio na sexta-feira pela manhã, quando a Vale anunciou uma redução em sua produção mundial de minério de ferro, níquel, alumínio, ferro liga e outros produtos. A razão, a óbvia desaceleração da economia mundial.

Outro sinal importante foi dado pelas montadoras de veículos. Ao longo da semana, várias delas anunciaram férias coletivas para reduzir a produção e "adequá-la" ao consumo em queda.

Há, portanto, sinais de parada nas economias externa e interna. Eis o que veremos: o contrário do que aconteceu nos cinco anos brilhantes de crescimento mundial, de 2003 a 2007.

No lado externo, a Vale, que se beneficiou espetacularmente da forte expansão global e, especialmente, com a China, paga agora o preço da falta de crédito, que leva à redução de investimento e consumo. A China, que há cinco anos crescia a taxas superiores a 11% ao ano, desacelerou para 9% no terceiro trimestre deste ano.

Pode-se dizer: mas 9% está muito longe de uma recessão. Claro. Mas a "função" da China na economia mundial é acelerar rapidamente e aumentar a demanda todos os anos. No caso, também impressiona a rapidez com que a China reduziu seu ritmo.

Outro sinal externo: nesse mesmo terceiro trimestre, a economia americana encolheu 0,3%, o que parece pouco diante do tamanho do estrago. Mas esse trimestre apanha apenas um mês do auge da crise, setembro. O efeito maior se vê neste final de ano.

Além disso, os indicadores já mostram uma forte queda no consumo das famílias, que movimenta 79% do PIB americano.

Aqui, no Brasil, o sinal da indústria automobilística foi também muito forte. Notem, 70% da venda de automóveis se faz no crediário, que havia crescido espetacularmente no Brasil nos últimos anos, graças, entre outras coisas, ao sistema financeiro mundial, que ofereceu capital barato. Agora que o crédito aperta, as montadoras entram em férias.

Esses sinais aparecem em todos os países, em proporções diferentes. Alguns vão desacelerar, crescer menos; outros vão andar para trás. Às vezes, a queda nem parece tão forte, mas o que vale é a comparação. E estamos comprando com anos de ouro, o início deste século, em que todo o mundo cresceu acima de seu potencial.

De todo modo, ainda falta saber qual será a profundidade da desaceleração/recessão e qual a sua duração. Isso vai dominar as expectativas. Certamente virão notícias ruins, como essa da Vale de reduzir a produção. Mas tudo dentro de um cenário esperado, de modo que não devem mais ocorrer esses enormes sustos das últimas semanas, quando o pessoal temia acordar e saber que um bancão havia quebrado.

Resumo geral: parece que batemos no fundo do poço, saímos de lá e chegamos no estágio de lidar com a recessão/desaceleração. Com menos volatilidade, mas também sem recuperação.

Em termos de Bolsa de Valores, vá lá, possivelmente já batemos no fundo do poço, mas ainda não sabemos quando começará a recuperação. Mas sabemos que haverá recuperação, porque o capitalismo está longe, muito longe, do fim.

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