Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, novembro 11, 2008

De acusador a acusado De acusador a acusado

Do ponto de vista institucional, é um descalabro o rififi na Polícia Federal (PF), notoriamente dividida entre o "partido" do ex-diretor-geral Paulo Lacerda e o do atual, Luiz Fernando Corrêa. Mas, à falta de melhor, esse é o preço que infelizmente o País está fadado a pagar pelo desvendamento, com todos os seus pormenores, da seqüência de ilícitos que transformaram em caso de manual de procedimentos abusivos a Operação Satiagraha. Conduzida pelo messiânico delegado Protógenes Queiroz, o seu alvo central é o banqueiro Daniel Dantas, acusado de evasão de divisas, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.

Tão ou mais grave que o inquérito sobre o comportamento funcional do delegado Protógenes é o julgamento, em curso no Tribunal Regional Federal de São Paulo, do pedido de afastamento do juiz Fausto De Sanctis do processo em que Daniel Dantas é acusado de corrupção. A defesa do banqueiro questiona a imparcialidade do juiz - que já deixou claro que irá condená-lo - e sustenta que ele trabalhou em coordenação com o delegado Protógenes. No julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do mérito dos mandados de prisão do banqueiro, libertado por liminar expedida pelo ministro Gilmar Mendes, não apenas se decidiu por 9 votos contra 1 que Daniel Dantas deveria permanecer solto, como o ministro Celso de Mello declarou que o juiz De Sanctis tentou construir um "feudo" em sua vara, e o ministro Cezar Peluso, pedindo providências contra o juiz, observou que "o Judiciário não foi criado para condenar, mas para julgar".

O espalhafato do delegado Protógenes e seu pouco-caso com as normas pelas quais o policial deve se conduzir levaram a cúpula da PF a afastá-lo das investigações. A gota d?água foi a revelação de que Protógenes, à revelia da chefia da PF, mas seguro do apoio do seu patrono Paulo Lacerda, então titular da Abin, arregimentou pelo menos 72 funcionários da agência para a Satiagraha. Lacerda negou ter tido conhecimento da mobilização. Dado o porte da operação, a PF considera isso impossível.

Agentes não só foram incumbidos de vigiar Dantas e pessoas de suas relações, como ainda receberam senhas de ingresso ao sistema de interceptação telefônica "Guardião" para transcrever conversas interceptadas por autorização judicial, protegidas, portanto, pelo segredo de Justiça. O inquérito aberto na PF para apuração do vazamento de dados secretos da Satiagraha, a cargo do corregedor-geral do órgão, Amaro Vieira Ferreira, acabou trazendo à luz o modus operandi de Protógenes. Um funcionário da Abin, Lúcio Fábio Godoy de Sá, contou em depoimento que o delegado procurou justificar o convite para que participasse clandestinamente da operação com o argumento de que, além de envolver um caso de espionagem internacional, ela era de interesse do presidente da República.

Ele teria dito a Godoy que Lula "cobrava o andamento da investigação porque o próprio filho do presidente teria sido cooptado por essa organização criminosa - presumivelmente a empresa Kroll - que também havia se infiltrado nos altos escalões da administração pública". O inquérito sobre a atuação de Protógenes deverá desembocar no seu indiciamento por cinco crimes - quebra de sigilo funcional, desobediência, usurpação de função pública, prevaricação e violação de sigilo telefônico - sujeitando-o a pena mínima de 3 anos e meio de prisão.

A PF acusa ainda Protógenes de ter informado à TV Globo os endereços dos "alvos" a serem detidos no dia 8 de julho: Daniel Dantas, o investidor Naji Nahas e o ex-prefeito Celso Pitta. Ao participar pessoalmente da detenção de Pitta, Protógenes desobedeceu ordem expressa do titular da Delegacia de Crimes Financeiros. O show resultante abriu, já não sem tempo, o debate sobre a "espetacularização" das ações da PF, na expressão do presidente do STF, Gilmar Mendes.

Como não podia deixar de ser, o delegado Protógenes considera que as cúpulas do Judiciário e da Polícia Federal estão fazendo uma "operação casada", movendo contra ele uma "perseguição brutal" para garantir a impunidade do banqueiro que ele chama de bandido.

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