Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 26, 2008

FERREIRA GULLAR Cidade suja, querida cidade



Por onde se anda, seja Leblon, Méier ou Barra, é lixo por todo canto; é de dar vergonha

A CIDADE DO Rio de Janeiro é uma das mais sujas do mundo. Não é só por causa do problema mal resolvido dos lixões, que infectam a vida de milhares de moradores, uma vez que há lixo por toda parte. A cidade é suja porque a prefeitura revela-se incapaz de cuidar dela mas também porque a população, de modo geral, nada faz para mantê-la limpa. Pelo contrário, sem trocadilho, está se lixando.
É de dar vergonha. Por onde se anda, seja no centro, seja em Copacabana, em Ipanema ou Leblon, seja na Tijuca, em Madureira, no Méier, na Barra, é lixo por todo canto. Termina o maço de cigarro, o cara simplesmente o joga no chão, embora haja uma lixeira ali adiante. A lata de refrigerante, ele a atira pela janela do carro, sem falar no pessoal que leva seu cachorrinho para sujar as calçadas do bairro. Já foi pior: atualmente, muitos trazem uma folha de jornal para apanhar os dejetos do bicho, mas também há quem a leve só para fazer de conta...
Mais espantoso é o que acontece nas praias. Não faz muito tempo, decidi dar um passeio pelo calçadão no fim de uma tarde de domingo. Caminhei do Lido ao Leme, e a quantidade de lixo que havia ali era assustadora: garrafas de plástico, latas vazias de refrigerante e cerveja, caixas vazias de suco, cascas de coco espalhavam-se por areia, calçadão e ciclovia. Nunca tinha visto coisa semelhante e, por isso mesmo, fiquei a me perguntar por que as pessoas faziam aquilo. A impressão era de que o faziam deliberadamente, para sujar a praia, pelo prazer de sujar.
Tenho uma amiga que viveu durante muitos anos na Alemanha, e ela me conta que, lá, se uma pessoa joga alguma coisa no chão, é multada, e se alguém a ver jogar, a adverte e a manda ajuntar o que atirara no chão. Ouvi isso, incrédulo, imaginando o que sucederia a alguém que, no Rio, se atrevesse a fazer semelhante advertência: seria, no mínimo, insultado ou até mesmo espancado pelo autor da sujeira. É que o nosso modo de entender a coisa pública é diferente: público, aqui, significa que é de todo mundo e, portanto, todos têm o direito de fazer, no espaço urbano, tudo o que desejam, como, por exemplo, urinar na rua.
Há certas ruas, no Rio, de bairros residenciais como Copacabana ou Flamengo, especialmente as transversais às vias principais, que fedem a mijo. Nelas costumam acampar grupos de mendigos ou vagabundos, que por ali mesmo fazem suas necessidades. Um nojo. Mas outro dia, aqui perto de casa, numa manhã de domingo, dei com um rapaz bem apessoado, de calças blujins, blusão e casquete na cabeça, urinando junto a uma banca de jornais, que estava fechada. Ele me viu, mas pouco se tocou, como se praticasse o ato mais natural do mundo.
Está errado, sem dúvida. Mas me perguntei: se o cara mora longe e sente necessidade premente de urinar, que pode fazer? Procurar um restaurante ou um boteco, dirá você.
E se não houver nenhum por perto, vai urinar nas calças? Não, claro, então o jeito é urinar na rua. E se for uma moça, que fará ela? Ao novo prefeito que chega, faço um apelo: mande instalar banheiros públicos por todo o Rio, como há muito se fez em toda grande cidade civilizada.
Trata-se de medida higiênica e ecológica.
Por falar em ecologia -e já que estou pedindo providências ao novo prefeito-, passo a outro tipo de poluição: a sonora. Mas fico ainda no lixo, ou seja, nos caminhões de lixo, que atormentam os moradores e o trânsito dos bairros. Aqui, na minha rua, o caminhão de lixo passava uma vez por semana, agora passa cinco vezes por dia, não sei por que razão.
E o pior é o barulho que fazem, triturando o lixo, embaixo de nossas janelas. Tem mesmo que ser assim? Devemos suportar, além do fedor, a barulheira da trituração do lixo? Falo como leigo, mas nunca vi isso em nenhuma outra cidade. Será que não existem caminhões mais modernos, menos infernalmente barulhentos?
Tem alguma coisa errada aí.
E aqui também, sabe onde? Nas sirenes das ambulâncias, dos carros de bombeiros, dos carros de polícia. São infernais. Sei que há outros problemas mais graves e urgentes, mas desses todo mundo fala a toda hora; dos que aqui menciono, quase ninguém fala.
Por isso pergunto: há necessidade de sirenes que soem tão alto a ponto de atordoar os outros motoristas e estressarem os transeuntes? Claro que não. Basta que sejam ouvidas a alguns metros de distância, para que os outros veículos abram passagem.
As sirenas não têm que enlouquecer as pessoas. E já que não há nenhuma nos azucrinando aqui, prefeito, escute: silêncio e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.

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