Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, outubro 31, 2008

VINICIUS TORRES FREIRE O porrete e o tapinha do BC




Governo vai tirar dinheiro de banco que não emprestar o compulsório liberado. É um tapinha, mas não é solução


"O BC FEZ isso para que os bancos emprestem. Se os caras não emprestarem, toma de volta. Faz um compulsório diferenciado para os que cumprem as regras e eleva para os que não emprestarem", dizia a economia Maria da Conceição Tavares, no dia 17, a respeito da relutância dos bancos em emprestar o dinheiro que o BC liberara de seus cofres. Isto é, aquela parcela do dinheiro depositado e aplicado em bancos mas recolhida pelo BC a fim de, em tese, controlar o excesso de moeda na praça, o chamado compulsório.
"O BC deve agir com um porrete", dizia Conceição, madrinha dos "desenvolvimentistas". Bem, o BC agiu ontem com um porrete. Bancos que não usarem dinheiro liberado pelo BC para irrigar a praça com crédito vão perder uma quantia razoável. O porrete não chega a ser do tamanho de um bastão de beisebol nem de uma borduna, para ser nacionalista. Mas vale bem uma palmatória, um tapinha que dói e que havia sido preanunciado pelo governo. Na Índia, no dia 15, Lula ameaçara "tomar de volta" tal dinheiro. No dia 19, o ministro Paulo Bernardo praticamente antecipara a medida à repórter Sheila D'Amorim, desta Folha. O BC havia permitido que os bancos deixassem de recolher 70% do compulsório sobre depósitos a prazo desde que usassem o dinheiro para irrigar o mercado (um CDB é um depósito a prazo). O dinheiro deveria ser dirigido para a compra de empréstimos concedidos por bancos menores, de títulos de empresas e recebíveis (crédito a receber, direitos creditórios) que estivessem em fundos de investimento. Era uma mãozinha indireta para desafogar o crédito para empresas e para dar água a fundos de investimento que sangravam.
Segundo o último dado oficial disponível, do dia 24, os bancos deixavam no BC uns R$ 42 bilhões de compulsório sobre depósitos a prazo. O dinheiro era remunerado pelo BC por uma taxa equivalente à Selic (os bancos depositavam títulos federais, não dinheiro). Agora, 70% do depósito será em dinheiro, sem remuneração. Fica parado, sem render, a menos que os bancos utilizem tais fundos para aquelas finalidades definidas pelo BC. Quanto os bancos "perderão" se deixarem o dinheiro parado por um ano? Se a remuneração fosse equivalente à taxa média do CDB (num chute ponderado), deveria dar uns 11% ao ano (o custo médio de remuneração de todo o compulsório está em torno de 8%, conta que inclui compulsórios não remunerados). Ou seja, uns R$ 3 bilhões por ano, no caso extremo. Uma mordida, mas não um desastre.
É "intervenção dirigista no mercado"? É. Os bancos não estão emprestando dinheiro por "maldade"? Não, pois banco não rasga dinheiro. Se não emprestam é porque temem perder, pois a praça está confusa, empresas perderam muito com os derivativos malucos (oferecidos pelos bancos) e vem desaquecimento econômico forte pela frente. Mas entre a cautela e a cautela excessiva ou até malandra há espaço para uma cutucada governamental. Foi isso que o governo fez. Nem é um deus nos acuda nem solução para o crédito -para compensar a perda, os bancos podem elevar juros. É só um tapinha.

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS Um horizonte mais claro


Nos próximos meses teremos uma idéia mais clara dos efeitos da redução do crédito sobre a atividade econômica


O MOMENTO mais grave da crise financeira que tomou conta do mundo pode ter sido alcançado na primeira quinzena deste mês. Os mercados chegaram à beira de um colapso em todos os seus segmentos, na medida em que ocorria uma verdadeira corrida pela compra da moeda norte-americana. Naqueles dias turbulentos e irracionais, a crise passou a adicionar um componente novo via mercados de câmbio e da dívida soberana nas economias emergentes como o Brasil.
O mercado, que vivia as tensões decorrentes da queda das Bolsas mundiais e da paralisia dos mercados de crédito no Primeiro Mundo, sofreu um novo abalo com a queda das cotações das moedas em relação ao dólar. A crise de liquidez nos mercados financeiros ganhou novas cores devido à grande movimentação de recursos em direção ao mercado de títulos públicos americano. Nós, no Brasil, sentimos esse movimento de forma clara, e o medo da inflação voltou a rondar nosso inconsciente.
Alguns países chegaram, inclusive, a aumentar os juros internos na vã tentativa de estabilizar a taxa de câmbio. Felizmente, a maioria dos bancos centrais no mundo emergente manteve a calma, trancou os dentes e deixou a questão da inflação para ser enfrentada depois. Até porque, a contração interna de crédito por conta da grande insegurança nos mercados seria suficiente para reduzir a demanda interna e evitar a espiral de preços. Rapidamente os líderes da grande cruzada internacional contra a depressão econômica identificaram esse novo front e tomaram medidas agressivas para enfrentar o novo desafio. O FMI (Fundo Monetário Internacional) criou linhas de financiamento emergencial para as nações mais ameaçadas, e o Fed (o banco central dos Estados Unidos) estendeu para alguns países suas operações de "swap" de dólar. São medidas corretas e eficientes para enfrentar esse novo foco de turbulência em um mundo já abalado por uma crise financeira de proporções gigantescas.
O Brasil recebeu o apoio de US$ 30 bilhões em um momento em que o Banco Central conduzia de forma agressiva suas operações para acalmar um mercado à beira de um ataque de nervos. Quando escrevo esta coluna, são claros os sinais de que a taxa de câmbio do real contra o dólar pode estar se estabilizando na faixa de R$ 2 e alguns centavos. Esse nível me parece adequado para enfrentar a queda das cotações de nossos principais produtos de exportação sem causar danos definitivos ao controle da inflação. Certamente, a inflação vai ficar acima do centro da meta em 2009, sem, entretanto, superar o intervalo de segurança. O Copom (Comitê de Política Monetária) foi perfeito ao decidir manter em 13,75% ao ano a taxa Selic em sua reunião desta semana e, principalmente, ao evitar declarações agressivas no sentido de poder voltar a subir os juros em futuro próximo. O mercado tem um grande respeito por nossa autoridade monetária e o Banco Central não precisa desse tipo de reforço, que apenas revela insegurança. Nos próximos meses teremos uma idéia mais clara dos efeitos da redução do crédito bancário sobre a atividade econômica. Até lá, vai haver um choque entre índices de inflação mais elevados e números bem mais modestos sobre consumo e investimento.
Será preciso sangue-frio e convicções sólidas para enfrentar esse período. Certamente não faltarão falcões a pedir o aumento dos juros e a pregar dias terríveis no campo da inflação. Mas a cautela do Copom me parece a melhor posição para enfrentar os próximos meses.

Balanço parcial Miriam Leitão

O governo tem uma lista importante de acertos nesta crise, mas errou também. Alguns erros, feios. Acertou toda vez que entrou com medidas precisas e pontuais, seja venda de reservas, seja a suspensão do IOF de investimento estrangeiro. Errou quando subestimou a crise, quando as autoridades incentivaram o consumo, ou quando tiveram idéias mirabolantes.

O Banco Central acertou quando decidiu ir ao mercado, vender reservas, oferecer linhas de dólares para as empresas exportadoras e, assim, enfrentar de frente o nó que se formou no mercado cambial. O governo errou quando propôs a compra de bancos pelos bancos públicos, e de construtoras pela Caixa Econômica. O balanço parcial tem mais acertos que erros, felizmente. Fica ainda mais claro quando se compara o Brasil com a Argentina.

O governo Kirchner está conseguindo reavivar o pânico do “corralito”. O Brasil, que teve o seu Plano Collor, o nosso corralito, há 18 anos, sabe que neste tipo de ferida é melhor nunca mais mexer. A ferida não fecha.

O erro inicial cometido aqui foi a tentativa inútil das autoridades de segurar a peneira para tapar um sol inescapável. A crise é global, e perdeu-se tempo na boba atitude de “Crise, que crise?”. Essa fase não está inteiramente superada. De vez em quando, alguns têm recaída. Felizmente, nenhum deles está no BC.

A demora em admitir a crise atrasou as medidas para revertê-la. Ainda agora, depois do forte terremoto no câmbio, no risco, nas bolsas, nos juros de mercado, autoridades incentivam as pessoas a consumir. Nem todas as pessoas podem entrar num crediário. Os juros aumentaram.

Uma reportagem de ontem, do jornalista Wallace Lara, no “Bom dia Brasil”, mostrou como um carro financiado em 60 meses ficou R$ 16.000 mais caro pela nova taxa de juros cobrada pelos revendedores.

A economia vai desacelerar, o desemprego, aumentar, e a oferta de emprego, diminuir.

O ambiente econômico será menos confortável.

As autoridades não devem alimentar o pessimismo, mas não podem incentivar comportamento inconseqüente.

Se os brasileiros seguissem esses conselhos, o país teria um agravamento da crise a curto prazo: as importações aumentariam, não apenas de produto acabado, mas também dos componentes para produção local. Como as exportações vão cair em volume e em valor, e o déficit em transações correntes está crescendo, o consumo elevado acentuaria essa tendência.

A realidade mudou, o país vai crescer menos, o ambiente estará mais hostil, os consumidores reduzirão suas compras, o governo vai arrecadar menos.

O pacote de empréstimos para as construtoras pela Caixa foi bem recebido pelo setor.

Entrevistei no “Espaço aberto”, da Globonews, os empresários Luis Simões Lopes, da Brascan, e Rogério Chor, da Ademi e da CHL. Eles disseram que financiamento de capital de giro e das operações de recebíveis é exatamente o que as empresas estavam precisando. Ao contrário da idéia, rejeitada pelas empresas, de a Caixa comprar participações ou o controle de construtoras, como está previsto na MP 443.

Rogério Chor acha que a MP passou a idéia de que a crise é maior do que parece para o setor, disse que as empresas estão bem e que o único problema é que os bancos se retraíram exatamente nas operações que, agora, a Caixa vai fazer.

— Algumas ficaram com problemas de capital de giro.

Outras terminaram as vendas, e tinham a expectativa de financiar os recebíveis, e os bancos suspenderam as operações. A Caixa fará esse papel. São créditos bons, a inadimplência é baixa, o Tesouro não correrá riscos — disse o empresário.

A operação para desfazer a crise dos derivativos cambiais começou tarde, mas foi bem feita. Não é hora de considerar esta parte da crise terminada. Ainda há empresas com grandes prejuízos para processar em seus balanços, mas houve um momento em que o governo não sabia a dimensão do problema, o dólar disparava e os boatos exageravam uma crise que já era grave.

O resultado da necessidade de zeragem dos derivativos cambiais se viu no exagero da alta do dólar. O resultado do nó dos ACCs virá mais tarde, quando a queda de exportação ficar mais visível nos números dos próximos meses. Mas os ACCs estão voltando, e as operações de derivativos sendo desmontadas. O BC atuou de forma precisa e persistente.

Uma medida por vez, mas uma atuação sem descanso.

Ficando comprovado que uma não era suficiente, aprovava outra. Fez swaps cambiais, vendeu reservas, anunciou que tinha US$ 50 bilhões para mais operações de swaps, fez leilão de reservas dirigidas aos exportadores, anunciou, ontem, novos aperfeiçoamentos nas regras para que o dólar chegue a quem deve chegar, reforçou as reservas com uma operação inédita com o Fed.

O BC foi fustigando a crise com correções na pontaria.

Usou a mesma técnica, de medidas sucessivas e aperfeiçoamentos seguidos, para dissolver problemas de liquidez que, no entanto, persistem.

A crise não acabou. Muita insensatez foi dita por quem não devia. Algumas medidas trazem a marca do oportunismo ideológico, ou do desconhecimento da dimensão do problema, mas em outras medidas o governo acertou o alvo. Que prevaleçam os instrumentos de precisão sobre as idéias exóticas.

Uma derrota triunfal NELSON MOTTA

Um dos aspectos mais detestáveis da “American way of life” é o culto incondicional aos que se dão bem na vida, aos aparentemente vencedores: o fundamentalismo de resultados. Ainda mais execrável é o seu complemento, o desprezo absoluto pelos perdedores, pelos fracos, pobres e pequenos, pelos “losers” que não conseguem dinheiro, poder ou felicidade.

Ou tudo isso junto, e também beleza, que se tornou um bem de consumo.

Porque vencer a qualquer preço não é um valor civilizatório nem moralmente aceitável. É o equivalente capitalista dos comunistas justificando os meios pelos fins. Por isso, numa sociedade ultracompetitiva, mas legalista, democrática e republicana, os que usam atalhos ilegais para “chegar lá” estão em minoria e, se flagrados, são punidos.

Por outro lado, nem todos os “losers” são vítimas de sua própria fraqueza, ignorância ou preguiça. Muitos que são vistos como perdedores são apenas independentes, artistas, intelectuais, até políticos, que fazem o que querem, ou acham que devem, e pagam o preço, em dinheiro e tempo perdidos.

No Brasil, a tradição é desprezar os bem-sucedidos. Aqui, o sucesso é ofensa pessoal, dizia Tom Jobim , vítima constante da inveja e do ressentimento provincianos.

Aqui, há um vezo por cultuar perdedores, culpando a sociedade, “todos nós”, por escolhas e fracassos individuais. Aqui é sempre diferente, mas desta vez foi mais diferente ainda.

O momento definidor da duríssima disputa pela prefeitura do Rio de Janeiro foi quando o candidato Fernando Gabeira disse para seu adversário, um liberpolítico profissional idôneo, competente e ambicioso: “A diferença entre nós é que você faria qualquer coisa para ganhar a eleição. Eu não.” Eduardo Paes não pôde responder.

Nesse momento senti que Gabeira perderia a eleição. Mas faria história, com uma nova forma, limpa e positiva, sincera e criativa, de fazer política no Rio de Janeiro. Assim como a derrota de Marta Suplicy em São Paulo foi humilhante, a quase-vitória de Gabeira no Rio foi triunfal, um grande avanço e um justo orgulho para metade dos cariocas, uma esperança para todo o Brasil.

Aqui, o sucesso é ofensa pessoal, dizia Tom Jobim, vítima constante do provincianismo

Uma escolha LUIZ GARCIA

Está a salvo de qualquer contestação formal a eleição de Eduardo Paes.

Falando mais claro, o feriadinho criado pelo governo estadual não forçou eleitor algum a trocar de voto.

Apenas ofereceu a um considerável contingente de cidadãos funcionários a opção entre cumprir o dever cívico e levar a mulher e as crianças para um passeio de fim de semana. E isso afetou a votação do eleitorado carioca no segundo turno.

Até que ponto essa abstenção estimulada pesou no resultado, ninguém sabe. Com certeza, algum efeito teve — só não é possível afirmar se foi desejado ou acidental.

Seja como tiver sido, esperamos que todos tenham aproveitado bastante. O suficiente para compensar qualquer remorso.

Porque algum motivo para remorso, entre os que eram eleitores de Fernando Gabeira, deve existir. A comparação entre os totais de votos de cada candidato nos dois turnos mostra que a ausência nas urnas da turma do passeio fez diferença. Toda a diferença necessária? Difícil afirmar.

Enfim, cada cidadão dedicou seu domingo ao que considerava mais importante. Uns pensaram na alegria das crianças e foram se distrair. Outros deram mais importância ao acima citado dever cívico. Talvez tenham tido até a tentação de passear.

Resistiram a ela, achando que tinham coisa mais importante para fazer por aqui.

Esse contingente ganhou um direito que alguns podem considerar valioso: o de dizer, mais adiante — e se for o caso — que fizeram o pouco que estava ao seu alcance para oferecer ao Rio a chance de conhecer um novo tipo de gestão.

Muito provavelmente, seria bem diferente daquele a que estamos acostumados. Melhor? Ninguém garante.

Cabeças arejadas e boas intenções oferecem apenas um ponto de partida.

E o fato de um candidato ter um perfil e um discurso completamente diferentes daqueles a que estamos acostumados não é garantia de êxito. Quem duvidar, pergunte aos mais velhos, aqueles que meio século atrás apostaram numa extraordinária novidade chamada Jânio Quadros.

Gabeira não precisa se ofender: não há comparação nessa lembrança. Apenas a constatação do óbvio. Quando escolhemos o novo, por exasperação com os vícios do velho, sempre trabalhamos com esperanças, nunca com certezas.

Desta vez, independentemente do peso do tal feriadinho, os cariocas que ficaram em casa votaram no conhecido. Pelos primeiros passos e atos dos vencedores, ganhamos quatro anos de poucas surpresas e nenhuma novidade. Há quem ache que dorme melhor assim.

Menos promessas KEVIN WATKINS

Enquanto os líderes do mundo se preparam para (mais uma) cúpula das Nações Unidas sobre a ajuda ao desenvolvimento, surge uma pergunta: será que vale a pena? A resposta dependerá se a reunião apenas reciclará os antigos clichês, ou se serão elaborados planos práticos para combater a pobreza.

Convocados pela ONU, governos se reuniram em novembro, em Doha, para avaliar o progresso na implementação do Consenso de Monterrey. Este é o marco fundamental de atuação na área de cooperação, financiamento e desenvolvimento internacional desde que foi adotado pelos Estados em 2002. Os compromissos então assumidos sugerem uma maior assistência oficial para o desenvolvimento, a abertura das economias e o alívio das dívidas externas dos países pobres sem prejudicar os países desenvolvidos. Tudo isso com o objetivo final de combater a pobreza e promover o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

Com a atenção pública voltada para a crise financeira, é fácil perder de vista o que está em jogo. Dez milhões de crianças morrem a cada ano de doenças facilmente evitáveis relacionadas à pobreza. Cerca de 1,4 bilhão de pessoas no mundo sobrevivem com menos de US$ 1,25 — o mesmo que o preço do seu café da amanhã. E mais de 70 milhões de crianças em idade escolar estão fora da escola.

O que a cúpula das Nações Unidas pode fazer para mudar esse quadro? Os países ricos têm de parar de oferecer aos pobres comunicados pomposos e começar a oferecer ajuda e comércio.

Há três anos, os países prometeram um aumento escalonado da ajuda. Desde então, os fluxos de ajuda vêm minguando.

O antigo objetivo de destinar o 0,7% do PIB para o desenvolvimento é cumprido por apenas cinco países: Suécia, Dinamarca, Luxemburgo, Noruega e Holanda. Países como Estados Unidos estão muito longe de atingi-lo.

O contexto atual marcado pelas crises financeira, ambiental, energética e de alimentos exige propostas políticas corajosas e dinheiro. Porque é o dinheiro de verdade, não promessas, que constrói escolas, paga a profissionais de saúde, e financia as tubulações que abastecem a população com água limpa.

A cúpula das Nações Unidas em Doha é uma oportunidade para doadores recalcitrantes — entre os quais EUA, Japão e Alemanha — de respaldar suas promessas com dinheiro.

A crise financeira anuncia uma previsível redução da ajuda internacional para o desenvolvimento que ameaça a sobrevivência de milhões que podem sofrer ainda mais limitação de seu acesso a alimentos, saúde básica e saneamento.

A situação atual não pode ser usada como desculpa. A ajuda para o desenvolvimento neste ano foi de 76 bilhões de euros, uma cifra dez vezes menor do que a quantia que em apenas três semanas EUA e a UE ofereceram para salvar o sistema financeiro.

Por outro lado, há o comércio — ou melhor, houve a Rodada de Doha. Pretendiase que fosse a “rodada do desenvolvimento”.

Os países ricos iam abrir seus mercados para os mais pobres, e extinguir os subsídios agrícolas que prejudicam a agricultura dos países em desenvolvimento. Naquela ocasião, a única coisa extinta foi a credibilidade da Organização Mundial do Comércio.

Seria demais esperar que a cúpula das Nações Unidas reviva o cadáver em decomposição da rodada de Doha. Mas os países desenvolvidos poderiam oferecer acesso pleno e livre a seus mercados para a África Subsaariana e aos países mais pobres em outras regiões.

E os EUA poderiam cortar os subsídios do algodão que estão minando meios de vida na África Ocidental.

E temos também o compromisso relativo à dívida externa. Segundo o acordado em Monterrey, o cancelamento da dívida não deveria ser computado como ajuda. Porém, os ricos engordam suas cifras acrescentando aquelas relativas ao perdão da dívida. Em 2006, o cancelamento da dívida externa foi computado como 18% do total da ajuda oficial ao desenvolvimento. Assim, o compromisso fica disfarçado. Enquanto isso, os pobres pagam mais do que recebem e destinam à dívida uma cifra até três vezes superior à investida em educação e saúde.

Depois de anos de bonança, os países ricos não podem voltar as costas a milhões que podem ficar sem ajuda para sobrevivência. A revisão do Consenso de Monterrey pode ser uma oportunidade real ou mais uma cúpula a repetir promessas vazias. O preço a pagar pode ser muito alto. Nesse caso, promessas fajutas custam vidas.

O GLOBO EDITORIAL, Gasto prioritário

Por mais resistência que possa existir no governo, a política de gastos precisará ser revista, para o país enfrentar a crise mundial da melhor maneira possível. Isso se a preocupação dominante no Palácio do Planalto for mesmo não repetir erros antigos, como o do governo Ernesto Geisel, na década de 70, quando a ordem de acelerar a economia em meio ao segundo choque do petróleo produziu muito calor e nada de luz: explodiu o déficit do balanço de pagamentos e a inflação disparou.

Portanto, cortes terão de ser feitos nos gastos, nem que seja na velocidade de seu crescimento.

Critérios para esses cortes precisam, então, ser definidos dentro de uma visão estratégica adequada que privilegie setores-chave. E entre as poucas áreas a serem preservadas destaca-se a educação, único instrumento capaz de permitir ao país dar o salto que necessita. Mas, para complicar o quadro, os recursos que o setor recebe já são insuficientes.

Não chegam a ser destinados ao ensino público 5% do PIB, quando, segundo o próprio ministro da Educação, Fernando Haddad, o mínimo exigido seriam 6%. Há, ainda, distorções como a excessiva preferência pelo ensino superior: em 2000, quando o cálculo começou a ser feito, um estudante universitário custava aos cofres públicos 11,1 vezes mais que um aluno do ensino básico.

Em 2006, pelo último dado disponível, a proporção caíra para 6,7, mas ainda distante, de acordo com Haddad, do indicado — que é de três a quatro vezes.

Como o centro da crise educacional brasileira está no ensino básico, não só essa redução de disparidade é bem-vinda como o que é destinado às escolas deste ciclo precisa ser ampliado.

Com isso, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) — que ajuda estados e municípios a melhorar a qualidade de suas escolas — poderá atingir de fato as metas.

Transcorre há tempos uma negociação dentro do governo para o orçamento da educação ficar livre da DRU, a Desvinculação de Recursos da União, votada periodicamente a fim de liberar do engessado Orçamento da União 20% do total de verbas, para o Executivo poder financiar seus programas. A crise mundial não pode retirar da agenda essa proposta.

Apenas este ano o ensino público deve ter perdido quase R$ 8 bilhões para a DRU, mais do que o dobro do que está sendo destinado ao PDE.

A crise não serve de justificativa para o governo deixar de investir no futuro do país.

O GLOBO EDITORIAL, Outro patamar

A crise financeira internacional deve se estender até que os mercados consigam desmontar todas as operações que levaram muitos bancos, empresas e instituições não-financeiras a assumir riscos elevados, aproveitando-se de um longo período de excesso de liquidez na economia mundial. E ainda ninguém sabe o efetivo tamanho desta conta. Sabe-se apenas que a unidade de medida é o trilhão de dólares. Nesse processo de desmonte, o maior impacto recairá mesmo sobre os próprios sistemas financeiros, mas também é inevitável que a economia real seja atingida indiretamente em conseqüência de uma retração do crédito e da perda de riqueza financeira artificialmente constituída.

Para evitar que esse desmonte enfraqueça os sistemas financeiros a ponto de inviabilizá-los, as autoridades monetárias de todo o mundo têm adotado medidas eficazes que buscam restabelecer a confiança do público e demais agentes econômicos nos sistemas financeiros.

Assim, espera-se que paulatinamente as operações de crédito sejam retomadas, voltando a um padrão satisfatório e suficiente para que as atividades produtivas não sofram forte retração.

Nesse sentido, os bancos centrais dos Estados Unidos, da Europa e do Japão criaram mecanismos de troca de moedas (swaps) para evitar pressões exageradas sobre o câmbio, esquema que agora se estendeu para países emergentes importantes no cenário econômico mundial, como é o caso de Brasil, México, Cingapura e Coréia do Sul.

Para os Estados Unidos essa troca por reais — que pode atingir US$ 30 bilhões — também é conveniente, já que a crise ocasionou uma corrida para o dólar, valorizando a moeda em um momento que as empresas americanas precisarão exportar mais. Para o Brasil, a troca será capaz de reforçar a munição que o BC dispõe para suprir internamente as necessidades de moeda estrangeira no curto prazo, sem que as autoridades monetárias precisem de recorrer às reservas cambiais acumuladas pelo país.

Como reforço adicional, o Fundo Monetário Internacional (FMI) finalmente aceitou a reivindicação para liberar linhas de crédito emergenciais destinadas a países com economias que não necessitem de programas de ajustes conjunturais.

Registre-se que o país subiu de patamar na economia mundial. Caso contrário, não teria sido aberta essa linha automática do Fed para o BC — algo impossível de acontecer, por exemplo, com a Argentina. E tudo se deve ao fato de que, com exceção da política fiscal de 2006 em diante, o Brasil praticou uma política econômica sensata, sem as pirotecnias heterodoxas defendidas por parte do PT.

Os dólares do Fed Merval Pereira

NOVA YORK. A versão Pollyana do empréstimo de US$ 30 bilhões diretamente do Fed, o banco central americano, para o Brasil é que ele significa a inclusão do país no grupo dos que possuem “economias sistemicamente importantes, além de representar reconhecimento da qualidade da política econômica”, na definição do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Na vida real, reflete a preocupação com a exposição do setor financeiro e o lado real da economia americana no Brasil. A política do Fed tem como objetivo único garantir que, se os setores corporativo e financeiro acharem que devem retirar dinheiro do Brasil para fortalecer suas posições nos Estados Unidos, possam fazê-lo sem criar nem ter problemas.

Para o economista Paulo Vieira da Cunha, ex-diretor do Banco Central, esse é um “rearranjo no qual o sistema financeiro e as corporações norteamericanas estão diminuindo exposição em ativos externos”. Vieira da Cunha ressalta o fato de que, entre os emergentes, apenas Coréia, Cingapura e México, além do Brasil, entraram no programa do Fed e, para ele, “é surpreendente que tenha saído, por que o Brasil é o único entre esses países que não tem uma moeda conversível”.

A explicação pode estar em que foram “medidas coordenadas” entre FMI e Fed. A ida do Brasil ao Fed faria parte do mesmo movimento de outros países que foram ao FMI. Pelo menos no caso da Coréia, há informações de que o país não aceitava o FMI e, por isso, fechou com o Fed O economista José Roberto Afonso, mesmo convencido de que o país deve fazer essa operação, que dá “um enorme poder de fogo para as autoridades monetárias ora convertidas em bombeiros para apagar o fogo nas contas externas”, acha que, se o governo brasileiro precisou pegar US$ 30 bilhões de dólares junto ao governo americano, é porque as reservas de US$ 200 bilhões não estavam sendo suficientes para enfrentar a crise. “O crédito equivale a mais de 10% das reservas”.

Os fatos da crise internacional já ensinaram ao mercado que ter reserva não significa uma blindagem total. A Coréia tinha reservas equivalentes a 26% do seu PIB e a Rússia a 42% do PIB, e os dois estão enfrentando uma crise externa muito mais grave que o Brasil, e nossas reservas equivalem a apenas 15% do PIB. Na visão de Paulo Vieira da Cunha, “a blindagem é contra um desequilíbrio interno, onde o tamanho dos ativos é proporcional ao tamanho da economia brasileira, mas não aos US$ 12 trilhões de ativos líquidos internacionais.

Nessas dimensões, apenas o Fed”.

José Roberto Afonso lembra que, além das reservas, é preciso considerar também o dinheiro externo que há no Brasil, US$ 944 bilhões em março último, e o brasileiro no exterior, equivalente a US$ 390 bilhões, incluindo os US$ 200 bilhões de reservas.

“Ou seja, liquidamente, devemos US$ 553 bilhões para o mundo, o que os economistas chamam de passivo externo líquido”.

Uma parte é investimento fixo, que ninguém desmonta e tira às pressas, como uma fábrica de automóveis; porém, Afonso lembra que “muito de nossas reservas foram formadas por aplicações financeiras de fácil mobilização: muitos estrangeiros se endividavam lá fora, onde os juros foram cada vez mais baixos e mandavam dólar para o Brasil, para comprar títulos públicos aqui, campeões mundiais de juros. Com o estouro da crise, o aplicador estrangeiro começou a ter problemas em seu país, e se prepara para fazer o caminho inverso, sair de papéis no Brasil e converter seus reais em dólares, para remeter lá para a matriz no exterior. Aí, o círculo virtuoso vai virar vicioso”.

A saída cada vez maior de dólares poderá pressionar a desvalorização mais do que já aconteceu nas últimas semanas.

Paulo Vieira da Cunha diz que esse é o “lado negativo” da globalização financeira, e reforça a idéia de que, diferentemente das demais crises internacionais, “agora a falta de confiança é no sistema financeiro internacional e na própria recessão da economia americana. O Brasil vai de enxurrada”. Ele ressalta que o Fed “não esta preocupado com o Brasil, continua preocupado com os bancos e empresas americanas, que estão fazendo todo o estrago em escala global”.

O Fed, apesar de ter dito em nota oficial que estava fazendo esses contratos de swap cambial “com economias que são fortes e bem administradas”, foi bem claro, relembra José Roberto Afonso: é uma operação com países que estão enfrentando problemas de financiamento nas contas externas.

Brasil, Coréia e México “são os três países que eram considerados por todos no mercado os que mais sofreriam de possível fuga de capitais externos”.

Ele diz que o fato político relevante é que “o Brasil foi ao dono do FMI, e os brasileiros ainda não foram avisados.

O empréstimo do dono do FMI é uma bala de canhão para o Banco Central enfrentar essa possível corrida”.

Paulo Vieira da Cunha vê claras vantagens nesse swap cambial: “As linhas externas dos bancos brasileiros ficam agora mais seguras. Embora o swap seja US$ 30 bilhões, em princípio não há limite para o Fed emitir dólares. O Banco Central não tem que entrar em mercado vendendo dólares de suas reservas, pressionando o movimento da moeda norte-americana globalmente e, ao mesmo, tempo colocando em xeque sua credibilidade de continuar atuando no futuro quando seja necessário”.

O lado ruim, ressalta José Roberto Afonso, é que, depois de os aplicadores estrangeiros terem saído, ficamos devendo para o governo americano. “Como é quando vamos pagar? O governo norteamericano vai cobrar os dólares de volta, com juros, e em que prazo? Ou foi melhor ainda, e eles fizeram um escambo, e vão aplicar as reservas americanas em reais? A segunda hipótese é a melhor para o país, mas, quando a esmola é demais, o santo desconfia”, ironiza.

O Estado de S. Paulo EDITORIAL, Inovação contra a crise

Ninguém sabe se o pior da crise já passou ou se os sinais de retração nos Estados Unidos e na Europa são apenas o prenúncio de tempos mais duros. Mas, embora persista a insegurança, há hoje muito mais motivos para otimismo do que há apenas três ou quatro semanas. Em todas as grandes economias, desenvolvidas e em desenvolvimento, as autoridades vêm agindo com uma desenvoltura incomum e com um grau de articulação internacional sem precedente para conter a turbulência financeira e seus efeitos na atividade real e no emprego. Os próximos meses deverão ser difíceis, mas provavelmente seriam bem piores sem essas iniciativas.

Nesta semana, as ações mais notáveis foram protagonizadas pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O Fed anunciou operações de swap, isto é, de troca de moedas, com os bancos centrais (BCs) do Brasil, do México, da Coréia e de Cingapura, para ampliar a oferta de dólares nesses mercados.

Ao mesmo tempo, o Conselho Executivo do FMI aprovou a criação de uma linha especial de financiamento para aliviar problemas temporários de países com políticas consideradas saudáveis.

Além disso, a onda de reduções de juros continuou, em vários países, e o Fed cortou mais uma vez a taxa básica americana. O BC brasileiro interrompeu a seqüência de aumentos iniciada em abril.

Há menos de um mês, o desafio mais urgente, nas economias desenvolvidas, era conter a seqüência de quebras no mercado financeiro. Com a decisão de usar dinheiro público para capitalizar as instituições, os governos dos Estados Unidos e da União Européia parecem haver controlado um foco importante de insegurança. Puderam dedicar-se, a partir desse momento, à tarefa de atenuar o efeito da crise financeira sobre as atividades econômicas.

Os bancos brasileiros não se envolveram diretamente na crise dos títulos subprime, isto é, dos papéis lastreados direta ou indiretamente nas hipotecas imobiliárias americanas. Mas foram afetados, assim como a indústria e a agricultura, pela retração do crédito internacional. Com o BC na linha de frente, o governo brasileiro vem procurando, há semanas, atenuar o problema de liquidez e restabelecer um razoável grau de normalidade nos financiamentos ao setor privado.

O acordo com o Fed aumenta o poder de intervenção do BC brasileiro tanto para irrigar o mercado quanto para conter a especulação cambial. A autoridade nacional passa a dispor de um reforço de US$ 30 bilhões pelos próximos seis meses. A mesma quantia foi oferecida a cada um dos outros BCs envolvidos no acordo anunciado na quarta-feira. Arranjos parecidos haviam sido feitos, no auge da crise financeira, com autoridades monetárias das economias mais avançadas. A necessidade mais urgente, no caso brasileiro, é de financiamento para exportações, porque as tradicionais operações de adiantamento de contrato de câmbio ficaram perigosamente escassas.

Ao justificar a iniciativa, os dirigentes do Fed mencionaram as quatro economias como "grandes e sistemicamente importantes". Não se trata de mera gentileza. Uma crise mais séria em qualquer dos quatro países teria conseqüências graves para vários parceiros, especialmente em escala regional. Ao contribuir, por exemplo, para a segurança da economia brasileira, o Fed ajuda também a limitar o risco de problemas importantes na maior parte da América do Sul.

Com a decisão de criar uma linha especial de financiamento para economias basicamente saudáveis, mas sujeitas a problemas temporários de liquidez, o FMI também se empenha numa ação preventiva. O governo brasileiro batalhou durante anos, desde a gestão de Antonio Palocci no Ministério da Fazenda, pela criação desse instrumento de segurança. A linha agora criada tem as características mais importantes daquela proposta por Brasília com apoio de governos de outras economias em desenvolvimento.

Com esse tipo de ação preventiva, o FMI enriquece o seu repertório e reafirma a sua importância como um fator de segurança da economia mundial. Mas isso é apenas parte de uma inovação mais ampla: forçados por mais esta crise, também os bancos centrais desenvolvem formas inéditas de cooperação internacional. É um aspecto novo e positivo da globalização.

O Estado de S. Paulo EDITORIAL, Privatização, apesar da crise



Por causa do agravamento da crise financeira global e da ampliação de seus efeitos sobre a economia brasileira houve pressões para o governo do Estado de São Paulo adiar o leilão de concessão de cinco trechos rodoviários paulistas a empresas particulares. Mas o governo resistiu e os resultados do leilão, realizado com êxito na quarta-feira, mostram que agiu corretamente.

Na média, o resultado não foi tão bom como o do leilão do Trecho Oeste do Rodoanel, em março, cujo vencedor ofereceu uma redução de 60% no valor do pedágio em relação ao preço máximo. Mas, no mais disputado dos cinco trechos agora leiloados (da Rodovia Ayrton Senna/Carvalho Pinto), o deságio foi de 55%.

No clima atual - de temor e cautela -, o resultado é surpreendentemente favorável ao usuário. Por isso, foi comemorado pelo secretário de Transportes, Mauro Arce: "Quem falava de crise, hein?" Crise, disse Arce, combate-se mantendo o ritmo de investimento. No entanto, no trecho em que não houve disputa, o do corredor Dom Pedro I, o deságio se limitou a 6%.

Temia-se que a paralisação do mercado de crédito - inclusive para empresas com boa classificação pelos analistas de riscos de financiamento - tornasse muito difícil a montagem de um plano financeiro viável para a participação no leilão. O presidente da BRVias (vencedora do leilão do trecho chamado Rondon Oeste), Martus Tavares, admitiu que a maior dificuldade para a montagem da proposta foi definir sua parte financeira. "Acredito que todos os competidores tiveram essa dificuldade por conta da grande restrição de crédito."

Para reduzir essa dificuldade, ainda que parcialmente, o governo do Estado de São Paulo determinou à Nossa Caixa, da qual detém o controle, que colocasse à disposição dos vencedores uma linha de financiamento de R$ 759 milhões. Esse valor corresponde a cerca de 20% do valor da outorga, de R$ 3,5 bilhões. Também o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)têm linhas de crédito para as empresas vencedoras do leilão. Sem o apoio financeiro de instituições oficiais e do BID, talvez não houvesse interesse pelo leilão. O secretário dos Transportes de São Paulo reconheceu que esse apoio foi fundamental para a realização do leilão.

Todos os trechos leiloados tiveram interessados, que, além do preço de outorga - que terá de ser pago ao governo do Estado no prazo de 18 meses, sendo 20% no ato da assinatura do contrato -, terão de arcar com investimentos que somam R$ 8 bilhões, a serem aplicados durante o período da concessão, de 30 anos, mas com forte concentração de desembolsos nos primeiros anos. Ou seja, no total, as empresas vencedoras assumiram compromissos financeiros de R$ 11,5 bilhões. O governo do Estado espera que, até o dia 15 de dezembro, os contratos de concessão dos cincos trechos rodoviários estejam assinados. Em seguida, serão instalados os postos de pedágio e iniciado o programa de investimentos em recuperação, melhoria e expansão sob responsabilidade das empresas vencedoras dos leilões.

Os lotes leiloados na quarta-feira totalizam 1.715 quilômetros nas Rodovias Ayrton Senna/Carvalho Pinto, Dom Pedro I, Marechal Rondon (trechos Leste e Oeste) e Raposo Tavares. As empresas vencedoras comprometem-se também a operar e manter cerca de 900 quilômetros de estradas vicinais na região em que obtiveram a concessão, além de executar obras complementares na área. A vencedora da concessão do trecho da Ayrton Senna/Carvalho Pinto, por exemplo, terá de fazer mudanças na Marginal do Tietê desde o acesso para a Via Dutra até o trecho que lhe foi concedido.

Estradas paulistas privatizadas estão entre as melhores do País, de acordo com a classificação feita anualmente pela Confederação Nacional do Transporte. Além de oferecer melhores estradas aos usuários, a privatização aumenta a receita do governo do Estado. E o governo garante que toda a receita obtida com as novas concessões será aplicada na malha rodoviária sob sua responsabilidade.

O Estado de S. Paulo EDITORIAL, O nó da greve na Polícia

A greve na Polícia Civil de São Paulo completa um mês e meio e as perspectivas de solução da crise parecem cada vez mais nebulosas. Para piorar o quadro, sindicatos policiais de diversos Estados - do Acre ao Rio Grande do Sul, passando pelo Rio de Janeiro - se movimentam para imitar os colegas paulistas, aos quais 14 corporações estaduais, mais a do Distrito Federal, se solidarizaram anteontem, interrompendo as atividades durante duas horas. O impasse em São Paulo se agravou depois que os grevistas recuaram da disposição de aceitar as propostas consubstanciadas em cinco projetos de lei que o Palácio dos Bandeirantes enviou à Assembléia Legislativa na semana passada.

O governo saiu da posição de imobilismo sob o impacto do conflito sem precedentes, às portas da sua sede, entre agentes civis armados e amotinados e a Tropa de Choque da PM chamada a impedir a invasão do palácio. Decerto não se teria chegado a esse episódio de extrema gravidade, incitado pelo sindicalismo de perversos resultados políticos, se o Executivo estadual tivesse atentado a tempo - como já assinalamos nesta página - para a extensão do descontentamento da Polícia com os baixos salários, a estrutura da carreira e os critérios para as aposentadorias dos 35 mil servidores do setor. Mas o pacote afinal autorizado pelo governador José Serra representou um avanço inequívoco em relação à primeira - e irrealista - oferta, ao custo adicional de R$ 830 milhões para os cofres estaduais.

Em síntese, o governo se dispôs a conceder dois aumentos de 6,5% (um em janeiro próximo, outro no mesmo mês de 2010) no salário-base da categoria, além de promover cerca de 17 mil policiais, entre eles 1.100 delegados, mediante a extinção da chamada 5ª classe da carreira, a de menor paga, e a transformação da classe seguinte em estágio probatório, e restabelecer a aposentadoria especial. "Quem tiver promoção ganhará um bom aumento, mas a maioria terá pouco e haverá ainda os que vão ganhar menos", criticou o diretor da Associação dos Delegados, André Dahmer, inicialmente favorável ao fim da greve - e hoje dizendo que pode durar até o fim do governo Serra. Os policiais reivindicam, entre outras coisas, reajuste imediato de 15%, mais 12% em 2009 e 2010.

O delegado se queixa de que "faltou diálogo". Retruca o governo que o diálogo é prejudicado pela recusa dos grevistas de suspender o movimento - e praticamente impossibilitado pela inexistência de uma pauta única, estável, de demandas. O inchaço dos pedidos se explica pela fragmentação dos interlocutores do Executivo: são nada menos de 18 os organismos interessados, que representam diferentes setores corporativos da Polícia Civil, agregando pontos específicos à agenda básica. A Associação dos Delegados, por exemplo, insiste numa "ampla reforma" da Polícia Civil. Eles compartilham com colegas de outros Estados a reivindicação de equiparar os seus salários iniciais aos dos juízes e promotores, cujo piso, em São Paulo, é da ordem de R$ 19 mil mensais. O dos delegados, atualmente, é inferior a R$ 4 mil. (Passaria a R$ 5.203.)

A frente da crise se transferiu para a Assembléia Legislativa. O Palácio dos Bandeirantes deixou as eventuais negociações sob a responsabilidade do líder do governo, Barros Munhoz. De novo, no entanto, não está claro quais e quantos serão os interlocutores. Parte das lideranças grevistas, por sinal, desrespeita a hierarquia da instituição, propensa a buscar um acordo capaz de levar ao fim da greve, por intermédio do Legislativo. Já os mais duros querem manter o foco das pressões voltado para o Executivo. A "nacionalização" do problema joga a favor da intransigência. A eclosão de greves no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro é tida como provável. Outras podem acontecer na Bahia, Pará, Acre, Alagoas e Paraná.

A Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol) convocou os sindicatos estaduais para uma reunião em Brasília. "Vamos discutir um movimento nacional", diz o presidente da entidade, Jânio Gandra. Ele cita entre as principais demandas em comum a aposentadoria especial e a reestruturação das carreiras - esta última embute a aprovação de uma emenda constitucional para que o piso salarial dos delegados seja igual, em cada Estado, ao dos promotores públicos. É um cenário sombrio.

O Estado de S. Paulo EDITORIAL, Posição do Copom ''neste momento''

O Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu manter a taxa básica de juros (Selic) em 13,75%, interrompendo assim o processo de alta iniciado em abril.

Embora o presidente da República tivesse manifestado o desejo de redução da Selic, a opção foi pela decisão difícil que se refletiu no comunicado: "Avaliando o cenário prospectivo e o balanço de riscos para a inflação, em ambiente de maior incerteza, o Copom decidiu, por unanimidade, neste momento, manter a taxa Selic em 13,75% ao ano, sem viés."

Três expressões merecem ser destacadas: "riscos", "incerteza" e "neste momento". Os membros do Copom estão conscientes do risco de uma retomada da inflação, em razão de dois fatores principais: a taxa cambial, que afeta o preço dos componentes importados, e a alta dos juros. A incerteza é quanto aos efeitos e a durabilidade desses fatores: a taxa cambial poderá voltar a um nível mais adequado e a falta de crédito - que tem a vantagem de reduzir a demanda - pode se atenuar com as medidas tomadas. O Copom continua visando à meta da inflação, mas prefere esperar para poder melhor analisar a evolução da crise em razão das medidas já tomadas.

Seguramente seus membros ficaram impressionados com o que aconteceu em outros países (considerando a União Européia um só país) que, no dia 8 e no dia 29 de outubro, reduziram suas taxas de juros de referência. O Brasil manteve as mais altas taxas - nominal e real - de juro básico.

O Copom, que nos meses anteriores se mostrou muito preocupado com um descasamento entre a demanda alimentada pelo crescimento do crédito e a produção industrial, está se convencendo agora de que a demanda deverá sofrer uma redução sensível com os aumentos de preços, as dificuldades das empresas para aumentos de salários e a queda da demanda do setor público por causa da redução das receitas.

Os bancos não esperaram uma alta da Selic para aumentar suas taxas de juros e a crise de liquidez mudou totalmente a tendência do crédito.

As autoridades monetárias brasileiras, ao contrário do que acontece em outros países, e notadamente nos EUA, não têm por função fomentar o crescimento econômico - tarefa que o governo assume com grande fervor, o que poderá representar novo foco inflacionário. Por isso o Copom, "neste momento", colocou em segundo lugar sua luta contra a inflação, mas deixou bem claro que não renunciou à sua função essencial.

DORA KRAMER Civismo pelo avesso

Grande ou pequeno, amplo ou um mero ato isolado que se configure esvaziado, o movimento que contesta a eleição de Eduardo Paes na internet e pretende levar hoje o protesto para as ruas do Rio não pode ser visto com indiferença.

De repente uma coisa dessas cresce, a juventude adere, as pessoas ávidas por tomar alguma "providência" acham que encontraram enfim o caminho do engajamento e, sem que ninguém se dê conta do processo, se instala na sociedade o impulso de resolver contrariedades no grito em nome da democracia sob a alegação de que toda forma de bom combate vale a pena.

A idéia surgiu entre eleitores e simpatizantes da candidatura de Fernando Gabeira a prefeito do Rio, circulou no Orkut e virou uma convocação para passeata no centro da cidade com todos vestidos de preto. Para quê?

Aí é que está. Os organizadores não sabem direito. Ora informam que se trata de protesto contra a vitória do prefeito eleito, ora dizem que não é nada disso; é uma manifestação de indignados com as irregularidades cometidas pela campanha de Eduardo Paes com a intenção de "pressionar" o Tribunal Regional Eleitoral a apurar as denúncias de uso da máquina pública, boca de urna e distribuição de panfletos apócrifos contra Gabeira.

Asseguram que não pretendem contestar o resultado da eleição, mas "apenas" questionar os métodos pelos quais o eleito usou para vencer e, no entanto, proíbem alusões a candidatos. Batizam a ação de "Movimento Pró-Democracia" e vetam a entrada de quem pretende questionar seus fundamentos. "Estamos aqui para convocar eleitores, não para debater filosofia", refuta o professor Rodrigo Faray, explicitando as noções de democracia adquiridas em seus 30 anos de idade.

Compreende-se o afã de dar prosseguimento à onda de fervor cívico que uniu a metade do eleitorado da cidade em torno dos valores contidos na campanha do candidato que enfrentou as estruturas estabelecidas, rompeu dogmas do marketing político, combateu esquemas pré-fabricados com a força da inteligência, sustentou-se literalmente na cara e na coragem e, no fim, sagrou-se campeão moral na derrota eleitoral por 55 mil votos.

Uma diferença ínfima em que a abstenção de 25% certamente foi determinante. Muito mais que qualquer panfleto, uso da máquina ou ação ilegal de boca de urna, embora esse tipo de munição tenha dado uma enorme contribuição para sustentar a situação de empate entre Paes e Gabeira.

Substantivo, portanto, teria sido apostar numa campanha pelo comparecimento do eleitor às urnas no momento em que o governador Sérgio Cabral patrocinou um feriadão no fim de semana eleitoral, movendo de terça para segunda-feira a folga do Dia do Funcionário Público. Teria dado tempo de sobra.

A campanha de Fernando Gabeira foi um marco, institucionalmente didática, socialmente avançada, mostrou que há possibilidade de vida inteligente na política e por pouco não chegou lá. Entusiasmou, estabeleceu um padrão para o futuro, mas acabou.

O patrimônio amealhado no período pode e deve ser preservado, usado com estratégica, acurada autocrítica e mediana instrução política. Caso contrário, a obra iniciada voltará à estaca zero, ganhará na versão dos muito detratores o caráter de um alegre, mas breve, acontecimento. Uma boa exceção a confirmar a nefasta regra.

O ato eleitoral está extinto, a vitória de Eduardo Paes não tem volta e este é apenas um dos pontos a respeito dos quais a moçada da passeata sobre o leite derramado não entendeu nada. Não compreendeu que atividade política não é festa, tem seus tempos e suas conseqüências.

Não percebeu que reclamações adjetivas costumam cair no vazio, mas, antes disso, caem na boca do adversário dando a ele a "prova" de que o eleitor fez a opção mais responsável, pois do outro lado grassa o gosto pelo civismo do espetáculo, para não dizer da arruaça.

Não notou que movimentos denominados "democráticos" que trabalham com a ferramenta do veto transformam-se em contradições de si mesmos.

Não viu que esse tipo de atitude contraria a lógica da candidatura que agora imaginam defender e traduz falta de educação política para lidar com derrotas e vitórias tirando delas o rumo do próximo passo.

Não enxergou a ineficácia da contestação festiva sobre o andamento de processos na Justiça. Neles, prevalecem as provas; o voluntarismo não conta nada.

Não atinou para o fato de que a arte está em saber como agir para firmar o padrão e garantir com solidez sua continuidade.

Não captou o conteúdo da mensagem da campanha e, sobretudo, não destrinchou o sentido objetivo da sua existência. Lista conceitos a título de apresentação "apartidário, pacífico, espontâneo e democrático", aos quais cumpre acrescentar "equivocado", a fim de se estabelecer uma clara distinção entre ativismo político de qualidade e civismo virado pelo avesso em feitio de pura infantilidade.

CELSO MING Reforço contra a crise

Reforço contra a crise

Celso Ming, celso.ming@grupoestado.com.br

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O fechamento do acordo de troca de moedas entre o banco central dos Estados Unidos (Federal Reserve, Fed) e o Banco Central do Brasil (BC), de US$ 30 bilhões, é um marco na trajetória da economia brasileira. Mas pode ser visto como mais do que isso.

A novidade já havia sido antevista dia 22, quando o governo assinou a Medida Provisória 443, que autorizava o BC a trocar reais por moedas fortes com outros bancos centrais. Na ocasião, esta coluna avisou que essa troca havia sido previamente combinada entre o BC e o Fed.

O Brasil não foi o único a amarrar essa facilidade com o Fed. Austrália, Cingapura, Coréia do Sul, Canadá, Dinamarca, Inglaterra, Noruega, Nova Zelândia, Suécia, Suíça e União Européia já têm acordos desse tipo. Seu objetivo é dar condições para que bancos centrais possam intervir em seus mercados caso tenham de enfrentar ataques especulativos contra suas moedas.

Desta vez, além do Brasil, outros países em desenvolvimento obtiveram acordos semelhantes. Entre eles estão México, Coréia do Sul e Cingapura.

É o Brasil sendo incluído num clube seleto que pode futuramente integrar um esquema de imunização da economia global contra infecções financeiras. Do ponto de vista do Fed, não deixa de ser um esforço no sentido de aumentar a qualidade da corrente por meio do reforço dos seus elos relativamente mais fracos.

Esses US$ 30 bilhões formam uma alentada provisão de moeda estrangeira no País para que instituições financeiras e empresas tenham melhores condições de defender suas finanças (fazer hedge) contra bruscas flutuações no valor das moedas, como as de agora.

Em termos imediatos, o Brasil obteve mais um carregamento de munição que até 30 de abril comporá o arsenal total de US$ 50 bilhões que o BC poderá usar para enfrentar as pressões de compra de moeda estrangeira sem ter de mexer no atual estoque de US$ 203 bilhões de suas reservas.

Os US$ 30 bilhões que vieram com o acordo com o Fed correspondem ao volume de recursos que o País chegou a sacar do Fundo Monetário Internacional (FMI) em 2002. A diferença é a de que, a cada empréstimo, o FMI fez sempre importantes exigências na condução da política econômica. A nova troca de dólares por reais entre o Fed e o BC não pediu contrapartidas do governo brasileiro, nem em política econômica nem em garantias.

Seu efeito imediato é contribuir para acalmar o mercado de câmbio na medida em que esse cacife passa a ser visto como garantia contra saltos no câmbio. É o cachorrão que o proprietário põe no jardim da casa para manter os intrusos à distância.

Outro jeito de interpretar a criação dessa rede de bancos centrais amarrada ao Fed é tê-la como o embrião de um esquema emprestador global de última instância.

Quando a nova arquitetura financeira internacional for finalmente desenhada, terá de levar em conta essa experiência pioneira. Enquanto os posudos chefes de Estado da União Européia gastam seu tempo em reuniões inconseqüentes e discursos vazios na defesa de uma nova ordem financeira, o Fed vai obrando em silêncio.



Confira

Poderia ser pior - O PIB americano encolheu apenas 0,3% no terceiro trimestre deste ano (em relação ao trimestre anterior). Os analistas esperavam queda de pelo menos 0,5%.

Isso não quer dizer que a recessão fique por aí. Ela pode apenas estar no início, como advertiu o Fed (o banco central americano) no comunicado divulgado quarta-feira após a redução dos juros de mais meio ponto porcentual.

E anote: quanto maior a percepção de crise na economia americana, mais aumenta a probabilidade de vitória do candidato democrata, Barack Obama, nas eleições presidenciais.

quinta-feira, outubro 30, 2008

No país da maionese Por Ralph J. Hofmann

É impressionante o número de vezes que neste país somos brindados pela cena de altos funcionários públicos desperdiçarem tempo e recursos públicos na tentando impor seus tabus pessoais aos outros.

Uma leitura do material abaixo é um caso em pauta:

VINICIUS TORRES FREIRE O mundo raspa o fundo do tacho


Países de todo o mundo soltam mais pacotões a fim de evitar glaciação econômica; aqui, BC vive epidemia de bom senso

MESMO DEPOIS de trilhões de socorro a bancos e empresas, governos do mundo inteiro continuam a raspar o fundo do tacho a fim de evitar mais desastre.
Queimam a casa no inverno a fim de colocar lenha na fogueira, pois o risco é de hipotermia econômica. Além do problema do congelamento de crédito, agora o rumor geral é sobre o risco de deflação, coisa bastante feia, que decorre do congelamento de gastos, mas que, porém, pode acabar aumentando o peso de dívidas, realimentando as crises de agora.
A taxa de juros nos EUA pode ir a zero. Ontem, a meta da taxa "básica" dos EUA foi a 1%. A taxa básica de fato está abaixo disso faz tempo, e a taxa real caiu abaixo de zero há meses.
Ontem, o FMI criou um cheque especial para países bem comportados e que estejam "enfrentando problemas temporários de liquidez". O Fed, o BC dos EUA, abriu ontem o cofre até para países mais periféricos, mas bem comportados, como Brasil, México, Cingapura e Coréia.
A China cortou os juros pela terceira vez em seis semanas. O Japão deve cortar sua taxa quase inexistente para 0,25% amanhã. O BC europeu e o da Inglaterra devem talhar as suas na semana que vem.
O Congresso dos EUA discute um novo pacote fiscal para novembro. O morto vivo governo Bush elabora um pacote para salvar os americanos que estão para perder as casas. O governo "soi disant" liberal da França (liberal-mercantilista) vai adotar políticas dos socialistas para estimular a economia e até para criar empregos (vai subsidiá-los!).
O de fato liberal governo do Reino Unido (dito trabalhista) pretende rever a lei de responsabilidade fiscal lá deles e vai estourar limites de endividamento a fim de estimular a economia. Etc., etc., etc.
Em meio ao desespero geral, viu-se outro exemplo de que uma epidemia de bom senso assola o Banco Central do Brasil faz uns dois anos.
O BC deixou os juros onde estavam.
Não quer dizer que não vejam risco de inflação ou que queiram "estimular a economia". O problema é que não se enxerga nada adiante, dados o fog do inverno econômico e as tormentas da volatilidade.
Parar para pensar era a melhor atitude. O BC, recorde-se, já não havia dado sinais de histeria com o risco de aumento de inflação em 2007.
Esperou sinais mais concretos para agir. Pouco? Lembrem-se do início do governo Lula, quando o BC elevou os juros de 26% para 26,5%, gorjeta e salamaleque para o mercado, medida na prática irrelevante e, no fim das contas, uma das mais ridículas da história do "central banking".
E daí? Bem, está difícil de dar sentido ao jorro de medidas. Para ficar no nosso quintal, as últimas notícias mudam bastante o que vinha se dizendo sobre câmbio (inclusive nesta coluna). O Fed ofertou US$ 30 bilhões ao BC brasileiro. As novas linhas de crédito para outros emergentes aliviam muitas tensões e riscos de quebras. Isso pode mudar o panorama da crise das moedas, no curto prazo. Mas a liquidação de dívidas, a desalavancagem, a seca de crédito, o aumento do risco dos emergentes, a redução do comércio mundial e a provável redução do investimento externo no Brasil devem manter a pressão sobre o câmbio e devem cortar o crescimento pela metade em 2009. O resto é nuvem.

Fundo caduco Miriam Leitão

Enquanto a Câmara discutia, ontem à tarde, a criação do Fundo Soberano, pensado para comprar o excesso de dólares no mercado, o Banco Central anunciou que estava recebendo US$ 30 bilhões do Fed. O Fundo foi criado para evitar a queda do dólar, e hoje o problema é evitar que ele dispare. Quando foi proposto, em maio, já não tinha cabimento; ontem, parecia idéia de um governo alienado.

O Fundo caducou completamente, e a operação com o Fed foi o atestado médico da maluquice. O FSB foi pensado para retirar do mercado o excesso de dólares e, agora, há escassez; foi pensado para um país com superávit em transações correntes, e o Brasil está com déficit que no ano deve superar US$ 30 bilhões e, em 2009, US$ 40 bi; foi pensado para um dólar fraco, e o dólar se fortalece aqui e no mundo; era para guardar o aumento de arrecadação, e haverá queda.

A proposta e a exposição de motivos, lidas ontem, pareciam escritas por um extraterrestre.

Para fazer um fundo soberano, é preciso ter superávit estrutural de conta corrente, superávit fiscal prolongado e dívida baixa. Em maio, quando foi proposto, o Brasil já estava com déficit em transações correntes, continuava com déficit fiscal nominal e uma dívida alta e cara.

Em maio, o governo achava que a entrada de dólar no Brasil, pelo comércio e pelo fluxo de capital, continuaria forte e derrubando a cotação do dólar, o que prejudicaria os exportadores. Achava que a arrecadação iria subir. Teve, então, a idéia do “cofrinho”: depositaria nele o “excesso” de superávit primário, para o Tesouro comprar dólares no mercado e financiar o crescimento das empresas brasileiras no exterior. Assim, evitaria a queda do dólar, além de beneficiar as multinacionais no exterior.

A situação agora é a seguinte: o Brasil vai crescer menos e a arrecadação será menor do que a prevista; o dólar virou mercadoria tão rara no mercado que o BC teve que vender reservas para reverter a disparada do câmbio, e ontem recebeu reforço da cavalaria americana através do swap de moedas; empresas brasileiras não conseguem nem financiar capital de giro, quanto mais investir no exterior. No mundo, as empresas estão cortando investimentos. A realidade fez picadinho dos pressupostos do Fundo.

O economista José Alfredo Lamy, da Cenário Investimentos, entende que a operação de swap com o Fed é um “empréstimo adicional”, mas sem muito efeito para quem tem US$ 200 bilhões de reservas.

Acha que esse reforço de dólares do Fed é bemvindo, mas não acha que isso interfere na tendência geral de desvalorização da moeda brasileira e fortalecimento do dólar.

— Tudo que manteve o real forte acabou ou se inverteu.

O Brasil vai exportar menos, a preços menores, haverá menos entrada de capital e o dólar está em alta contra todas as moedas — diz ele.

Lamy acredita que o dólar deve ficar, em 2009, entre R$ 2,50 e R$ 3.

Na MB Associados, o economista Sérgio Valle prevê uma cotação mais baixa para o dólar, entre R$ 1,90 e R$ 2 no ano que vem, mas concorda que esse é um momento de escassez da moeda americana, o que torna fora de sentido o Fundo Soberano. O primeiro gráfico mostra como os preços de produtos básicos exportados pelo Brasil subiram nos últimos anos, elevando a exportação. Agora, ficarão em queda. Abaixo, o quadro das contas externas, mostrando que o país saiu de um pequeno superávit para um déficit crescente na conta corrente.

— No ano que vem, o saldo comercial será de apenas US$ 5 bilhões e o país caminha para o déficit.

A restrição estrutural do dólar vai continuar — diz Sérgio.

A idéia de acumular excessos fiscais no Fundo também não faz sentido. O país não vai ter “excessos”, vai crescer menos e o governo arrecadará menos.

Sonho americano CARLOS ALBERTO SARDENBERG

Que tal uma impressão pessoal sobre a economia americana? Trata-se do relato de um amigo, brasileiro, morador em Miami, professor universitário já no ponto elevado da carreira, ouvido no último fim de semana.

Cinco anos atrás, ele deu uma entrada de US$ 70 mil e comprou um apartamento de US$ 420 mil.

Para o padrão de classe média, tratase de residência espetacular, em área nobre, ao lado da praia. Conta o nosso amigo: “É algo que não seria possível para um professor universitário em qualquer outro país, pelo menos nos países em que já morei.” Foram quatro, além do Brasil, incluindo Europa e América Latina.

Prazo da hipoteca: 30 anos. Prestação inicial de 2.350 dólares, que logo subiu para 2.500 e ficou fixa aí. Prestação pesada, mas dentro do orçamento, diz o professor.

No início deste ano, quando a compra completou cinco anos, o apartamento estava valendo US$ 700 mil.

Não por estimativa, mas porque outras unidades foram vendidas por aquele preço. Portanto, uma valorização de quase 70%. É nominal, precisaria descontar a inflação, acrescentar os aumentos salariais, mas no final continua dando uma baita valorização.

Eis um pedacinho da bolha imobiliária.

No mesmo ano em que comprou o apartamento, 2003, nosso professor checou seu fundo de pensão. Verificou então que, pelo prognóstico médio, suas metas de acumulação e poupança — ponto em que poderia se aposentar — seriam alcançadas em dez anos. Já em 2006, porém, as metas tinham sido alcançadas.

Como estão as coisas hoje? O apartamento desvalorizou. Antes do ponto máximo da crise, houve negócios a 650 mil dólares, talvez agora se faça a 620 mil. Portanto, uma perda de menos de 15% em relação ao pico.

Houve perdas pesadas no fundo de pensão, que, como toda essa modalidade de poupança, tem aplicações em ações. Na conta da sexta-feira da semana passada, o professor encontrou uma perda de 25% no total de seu fundo. O que significa mais anos de trabalho.

E daí? Daí que é desagradável, uma sensação de perda de riqueza, mas o professor observa que, no essencial, continua em um ponto bem superior ao de cinco anos atrás, tanto no apartamento quanto no fundo de pensão.

Continua, portanto, como ele diz, usufruindo os resultados de um sistema financeiro que lhe permitiu comprar uma casa acima de suas expectativas e formar uma poupança mais rápido do que, insiste, “em qualquer outro país desenvolvido”.

Deve-se acrescentar que o professor tem um emprego estável na universidade, o que é uma situação especial nos Estados Unidos. Além disso, ele conta que não se meteu em aventuras do tipo de tomar dinheiro emprestado refinanciando o apartamento. Ou seja, não se alavancou para consumir mais. E a casa fica numa região valorizada.

Conhece pessoas que estão em dificuldades para pagar suas hipotecas. E acrescenta uma opinião “muito pessoal”, pois sua atividade universitária não tem nada a ver com análises econômicas.

Para ele, “essas pessoas que compraram casa e que agora não têm condições de pagar só compraram porque o sistema deu condições excepcionais; elas não teriam o dinheiro em nenhum outro lugar e, de certo modo, não podem pagar hoje o que, a rigor, não teriam condições de ter comprado; talvez, mesmo tendo de devolver ou vender hoje a preço baixo, ainda saiam com alguma coisa”.

Na verdade, diz ele, vendo toda essa situação, andando pela cidade, freqüentando os shoppings, “dá a impressão de que a crise não afeta tanto assim a maioria do pessoal”.

Bom, como dizíamos no começo, trata-se de um relato pessoal, uma impressão. Mas que aponta um outro lado da história. Dos compradores de casa, uns 80% continuam pagando e tocando a vida. A inadimplência de 20% é elevada, as casas devolvidas pelos devedores atingiram um número que é o dobro do normal e, especialmente, as aquisições de casas novas caíram de um nível anual de 750 mil, um ano atrás, para 470 mil hoje.

Portanto, trata-se de uma enorme parada. A falta de crédito já derruba o consumo, mas há uma parte da economia americana que continua funcionando.

Uma economia “resiliente”, dizia Greenspan.

O GLOBO EDITORIAL, Sem limites

O Congresso Nacional pode melhorar, e muito, a medida provisória 443, que, entre outros artigos, autorizou a Caixa Econômica Federal a adquirir participações acionárias em empresas de construção civil — uma excrescência — ou a absorver bancos privados, possibilidade também aberta para o Banco do Brasil.

Ainda que tais iniciativas possam fazer parte de um arsenal montado pelo governo para proteger a economia brasileira da grave crise financeira que o mundo hoje enfrenta, é preciso separar o joio do trigo, evitando-se que medidas que só se justificam emergencialmente se transformem em um canal aberto de estatização e em instrumento de manipulação política na vida empresarial.

Em momento de histeria dos mercados, as autoridades em todo o mundo foram obrigadas a partir para iniciativas extremas, que chegam a ferir princípios e regras que sempre premiaram ou puniram o risco na atividade empresarial.

Mas todos compreenderam que estamos diante de uma situação completamente atípica, sem perspectivas de solução rápida pelos caminhos convencionais de mercado. O estouro sucessivo de várias “bolhas” gerou uma crise de confiança sem precedentes que poderia pôr a pique sistemas financeiros inteiros.

Municiar esses sistemas com liquidez, com injeção de recursos pelos bancos centrais, resolveria se a crise não tivesse se disseminado tanto, fazendo com que as instituições financeiras deixassem de operar entre si por desconfiarem da solvência da outra parte.

Para neutralizar esse clima capaz de jogar a economia mundial no chão, as autoridades governamentais tiveram de assumir o compromisso público de não deixar ninguém quebrar, a curto prazo.

O governo brasileiro seguiu esse figurino, mas não estabeleceu limites em tempo para tal atuação (para a oposição, isso foi intencional; espera-se que não, pois seria um retrocesso político inconcebível).

E sem esse e outros limites, corremos o risco de criar armadilhas que permanecerão ativas quando a poeira baixar. A medida provisória 443 foi editada às pressas, quando era preciso apagar um incêndio com urgência, antes que se virasse uma tragédia. Com a cabeça agora um pouco mais fria, é possível aprimorá-la no Congresso, respeitando-se padrões éticos e, principalmente, estabelecendo-se prazos de validade para as medidas e dando-se transparência às operações que porventura venham a ser feitas.

O GLOBO EDITORIAL, Escolha sensata

Parece se confirmar, com a escolha do futuro secretário municipal de Saúde, pelo prefeito eleito Eduardo Paes, a sensata fórmula de nomear para cargos estratégicos profissionais à margem do jogo políticopartidário. Definido para a Fazenda o ex-secretário da Receita Federal Jorge Rachid, chegou a vez de Hans Dohmann ser indicado para a Secretaria da Saúde, outra área-chave. Reconhecido no meio, Dohmann, além de credenciais como médico, tem outro imprescindível cacife: bom relacionamento com o secretário estadual Sérgio Côrtes e o ministro da Saúde, José Gomes Temporão. Pelas características do Rio, onde se superpõem estabelecimentos médicos municipais, estaduais e federais, o bom relacionamento entre as autoridades, além de capacidade técnica, é fator decisivo em nomeações.

Um indicador positivo da escolha de Dohmann é a reação negativa de setores políticos que trabalharam na campanha do candidato do PMDB e são ligados às corporações sindicais que transitam na Saúde. Eduardo Paes, para definir o futuro secretário, não consultou a candidata derrotada no primeiro turno, e que o apoiou no segundo, Jandira Feghalli, do PCdoB, ela própria médica e muito ligada ao sindicalismo do ramo — conhecido obstáculo a qualquer proposta de aperfeiçoamento administrativo da rede de atendimento à população.

Agiu com sensatez o futuro prefeito.

Se, nesse caso, fosse atender a conveniências político-partidárias, teria uma importante promessa de campanha — melhorar hospitais e postos de saúde — engavetada antes mesmo de assumir.

Essa corrente sindical é contrária à proposta de criação de fundações públicas de direito privado para gerir, com base em princípios consagrados nas empresas privadas, estabelecimentos públicos de saúde. Por meio dessas fundações, é possível remunerar melhor os profissionais e, em troca, cobrarlhes eficiência — como acontece na vida real da grande maioria da população, empregada no setor privado e financiadora das máquinas públicas com os impostos que paga.

Esse tipo de organização tem sido aprovado com louvor na gestão de hospitais paulistas, e será criado pelo governo Sérgio Cabral. A prefeitura precisa copiar a fórmula, boicotada em Brasília, onde o ministro Temporão esbarra no PT para criar esse modelo na esfera federal. Basta observar de onde parte o fogo cerrado contra as fundações para se concluir pelo acerto dessa mudança. O Rio precisa aplicar a mesma idéia.

Merval Pereira - Surpresas das pesquisas

NOVA YORK. Faltando cinco dias para a eleição, as pesquisas eleitorais aqui nos Estados Unidos — e elas existem aos montes, para todos os gostos — começam a refinar seus números, adaptando-os às peculiaridades de uma eleição em que o vencedor pode ter menos votos populares, mas, mesmo assim, ganhar no Colégio Eleitoral, que é o que realmente vale, como demonstrou a vitória de George W. Bush em 2000.

Os 27 votos eleitorais da Flórida deram a vitória aos republicanos naquela ocasião, embora o candidato democrata Al Gore tivesse tido mais votos nas urnas. Como um candidato, vencendo por apenas um voto em um estado, leva todos os seus delegados para o Colégio Eleitoral, o resultado das pesquisas de opinião nacionais não têm tanta relevância quanto as pesquisas regionais.

Outro detalhe relevante para o resultado final é a não obrigatoriedade do voto, o que faz com que o índice de comparecimento nas urnas possa influenciar no resultado final.

Segundo o International Institute for Democracy and Electoral Assistance, nas oito eleições presidenciais dos EUA entre 1972 e 2000, a abstenção atingiu entre 49% e 55%.

Apenas 49% dos eleitores registrados votaram na eleição presidencial em 2000. A renda familiar e a escolaridade são duas das variáveis que mais influenciam a abstenção.

Enquanto só 28% dos adultos com rendimento familiar de até US$ 5.000 disseram ter votado em 2000, 72% dos que ganham mais que US$ 75.000 votaram na mesma eleição.

Entre os com curso superior, 70% votaram na eleição de 2000, contra apenas 27% dos que não acabaram a escola secundária, segundo o censo eleitoral.

O problema é que nenhum instituto de pesquisa está preparado para o efeito contrário, isto é, um maciço comparecimento de eleitores jovens e representantes de minorias, que tradicionalmente não participam das eleições e desta vez estão empenhados na eleição de Obama.

Atribui-se a James Carville, o marqueteiro que cunhou a frase “é a economia, estúpido” para explicar a vitória de seu cliente, Bill Clinton, sobre George Bush pai, a afirmação de que quem depende do voto do eleitor com menos de 30 anos já perdeu a eleição.

Mas, a frase foi pronunciada em outros tempos.

Em 2000, o comparecimento dos eleitores abaixo de 30 anos foi de 40%. Entre os que vão votar pela primeira vez, a preferência é próObama, 56% a 23%.

Um exemplo de como os resultados podem mudar de acordo com as circunstâncias é a pesquisa Gallup, que dá uma vantagem para Obama de 51% a 42% entre os eleitores registrados, mas vai reduzindo essa vantagem à medida que refina os dados.

No modelo tradicional de pesquisa, Obama vence de 49% a 46%, e, no modelo “expandido”, a diferença passa a ser de 51% a 44%. Os dois modelos trabalham com a hipótese de comparecimento de 60% dos eleitores registrados, mas, enquanto no tradicional há um desconto para eleitores que normalmente têm uma abstenção maior, como os jovens, os velhos e os hispânicos, no “modelo expandido” partese do pressuposto que este ano haverá um maior comparecimento de eleitores desses grupos, o que teoricamente ajudaria a candidatura Obama.

O candidato democrata, por essa pesquisa, tem apenas 1 ponto percentual de vantagem entre os eleitores “que sempre votam”, mas sua vantagem é maior, entre 4 e 5 pontos, entre os eleitores que estão “muito interessados” na campanha e entre os que têm “alto grau de interesse” na eleição.

Entre os que já votaram nos estados em que a eleição antecipada é permitida, um contingente estimado este ano em 30% do eleitorado, Obama tem uma vantagem maior, superando McCain por 54% a 45%.

Obama tem ainda 5 pontos de vantagem entre os que pretendem votar, mas admitem que alguma coisa pode acontecer impedindoos de comparecer.

Entre esses, os eleitores hispânicos, cuja grande maioria apóia Obama, são os mais expostos a razões de última hora que os impeçam de votar.

O voto hispânico será decisivo, por exemplo, na Flórida, um estado que tem 27 delegados e tem sido decisivo nas últimas eleições, sempre votando a favor dos republicanos.

Em 2004, Bush teve 56% do voto latino na Flórida, contra 40% do voto nacional dos latinos.

Há uma mudança de tendência no estado, com os democratas tendo feito um trabalho profundo de alistamento eleitoral. Hoje, a maioria dos eleitores registrados da Flórida é democrata, da mesma maneira que entre os latinos, que representam 12% do eleitorado do estado.

As pesquisas locais mostram uma disputa apertada, com Obama na frente. A diferença a seu favor, que já foi mínima, tem se ampliado nos últimos dias.

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, esteve em Washington visitando a Suprema Corte, e teve uma conversa de meia hora com Antonin Scalia, considerado um dos mais brilhantes juristas dos Estados Unidos, e certamente um dos mais conservadores, chamado de “gênio do mal” por seus adversários liberais.

Ele contou a Mendes que, quando esteve em Brasília, espantou-se com o projeto de Oscar Niemeyer que colocou para morar no mesmo conjunto habitacional todos os membros do Supremo: “Eu vi logo que aquilo não ia dar certo. Esses comunistas não entendem nada de convivência humana”, comentou.

O presidente do Supremo brasileiro, que levava para seus interlocutores na viagem um livro com a obra de Niemeyer, guardou o reservado para Scalia na pasta.

Mais um ''esqueleto'' financeiro

Os bancos abriram duas frentes de luta para tentar travar as ações judiciais de correntistas que reivindicam o ressarcimento de prejuízos causados pela mudança, introduzida pelo chamado Plano Verão, instituído em janeiro de 1989, no índice de correção das cadernetas de poupança. O prazo para que os correntistas acionem as instituições financeiras prescreve em janeiro de 2009 e o valor total do litígio está estimado em cerca de R$ 100 bilhões.

Milhares de processos já tramitam nas diferentes instâncias do Judiciário e o número deve crescer muito até o início do próximo ano. Isto porque o caso já foi julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e tanto esta Corte quanto as instâncias inferiores da Justiça Federal e da Justiça estadual tomaram decisões contrárias às instituições financeiras, firmando jurisprudência que as obriga a pagar a correção reivindicada pelos poupadores.

O problema começou quando o Plano Verão mudou o índice de correção das cadernetas. Antes dele, vigorava o Índice de Preços ao Consumidor (IPC/IBGE), que aumentou 42,72% em janeiro de 1989. A medida provisória que instituiu o Plano, mais tarde convertida na Lei nº 7.730, determinou que, nesse mês, o saldo das cadernetas deveria ser corrigido pela Letra Financeira do Tesouro Nacional (LFT), cuja variação foi de 22,35%. É essa diferença de correção no saldo das cadernetas, mais juros e a correção dos últimos 20 anos, que os poupadores reivindicam.

Em sua defesa, os bancos alegam que apenas cumpriram o que determinava a legislação baixada na época pela equipe econômica do governo do então presidente José Sarney. Mas, como as instâncias inferiores da Justiça não aceitaram esse argumento, reconhecendo o direito adquirido dos poupadores à correção pelo IPC/IBGE, as instituições financeiras agora estão lutando em duas esferas. A primeira delas é política. Os bancos querem que a Advocacia-Geral da União (AGU) entre no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Esse recurso suspende todas as ações em andamento nas instâncias inferiores até que a Corte tome uma decisão de mérito, encerrando o caso.

Os advogados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) alegam que, como seis ministros já teriam votado em favor da tese de que o Estado tem a prerrogativa de regular o "regime monetário", dispondo de competência para alterar índices de correção de investimentos, a tese do "direito adquirido" dos poupadores poderia ser derrubada e o caso poderia ser encerrado em caráter definitivo com vitória das instituições financeiras. Além disso, como diz o ex-ministro Delfim Netto, em sua coluna no jornal Valor, o pagamento das ações perdidas pelos bancos poderá afetar seu patrimônio e sua higidez, fragilizando-os num momento de crise econômica mundial.

O chefe da AGU, José Antonio Toffoli, já manifestou a disposição de ajuizar o recurso pedido pela Febraban. Mas, como a iniciativa pode levar a sociedade a entender que o governo estaria favorecendo os banqueiros, em detrimento dos poupadores, há no Palácio do Planalto quem defenda a tese de que o Poder Executivo não deveria interferir nesse litígio.

Para pressionar o governo, a Febraban lembra que 45% das ações do Plano Verão são contra a Caixa Econômica Federal. A entidade afirma que, se os bancos forem derrotados no Supremo, eles acionarão a União para cobrar os R$ 100 bilhões.

A outra frente de luta da entidade é no campo judicial. Se a AGU não impetrar a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental que reivindicam, os bancos pretendem entrar com um pedido de liminar no Supremo, o que lhes permitiria adiar a decisão do litígio para um futuro distante, como aconteceu com o Plano Real, cujas ações estão suspensas desde 2006. O problema é que mais dia menos dia o STF terá de julgar a questão e, aí, o valor da causa estará muito acima dos atuais R$ 100 bilhões.

O litígio sobre os prejuízos causados aos poupadores pelo Plano Verão é mais um "esqueleto" deixado pelos antigos pacotes econômicos. Ao manipular índices de correção monetária, impor "tablitas" e intervir em atos juridicamente perfeitos, eles tiveram a violência jurídica como denominador comum. E a conta dos equívocos legais cometidos no passado tem de ser paga agora.

Deputados aperfeiçoaram a MP 442

A Câmara dos Deputados aprovou, anteontem, a Medida Provisória (MP) 442, que permite ao Banco Central (BC) abrir linhas de redesconto de longo prazo para os bancos, em moeda nacional ou estrangeira, com as garantias definidas recentemente pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). A Câmara melhorou bastante a MP, o que permitiu que a oposição votasse a favor do novo texto. Já a MP 443, que permite que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal participem do capital e até do controle de outros estabelecimentos de crédito, e cria a CEF-par (banco de investimento da Caixa Econômica), será aprovada pela oposição somente se for profundamente modificada.

Num período de crise, é normal dar ao BC maiores poderes para socorrer bancos em dificuldades, como fizeram os países industrializados, conscientes de que a crise se agravou nos EUA a partir do momento em que o governo americano recusou ajuda a um grande banco de investimento.

No Brasil, no entanto, as operações usuais de redesconto, como muitas que foram feitas no passado, suscitavam certa desconfiança do público de que o banco que a elas recorria se encontrava em dificuldades, o que justificava que os depositantes retirassem seus haveres da instituição. O objetivo da nova legislação é tornar rotineiras essas operações, especialmente depois que o CMN definiu claramente as garantias que o BC tem de exigir, dando-lhe assim segurança jurídica.

Nenhum partido negava a urgência desse aumento dos poderes de atuação do Instituto de Emissão, apenas se considerava que era preciso modificar alguns pontos da MP para dar maior transparência às operações e evitar que possam se tornar instrumento de favores políticos. Por isso acrescentou-se ao texto do governo a obrigatoriedade de o BC apresentar um relatório trimestral ao Congresso sobre as operações de redesconto. Foi estabelecido também que o presidente do BC compareça mensalmente ao Congresso com um informe sobre a marcha da crise financeira. Finalmente, ficou claramente explicitado que o atraso de mais de 30 dias no reembolso do redesconto, por parte do banco, tornará indisponíveis os bens dos seus controladores, sem prejuízo da execução das garantias oferecidas.

A Câmara melhorou indiscutivelmente a MP do governo e o texto passará agora pelo crivo do Senado. É mais difícil chegar a um acordo sobre a MP 443, que abre caminho para a estatização do sistema financeiro.

A manchete errada Demétrio Magnoli

"Eleito o primeiro presidente negro na história dos EUA." Fora um evento dramático, Barack Obama vencerá as eleições da próxima terça-feira e os jornais - nos EUA, aqui, no mundo - estamparão variações desse tema nas suas manchetes de capa. A manchete óbvia é, contudo, a manchete errada. Obama não será um "presidente negro" e não seria nunca o "primeiro", título que pertence ao branco Bill Clinton, conferido a ele pela escritora negra Toni Morrison.

Semanas atrás, imaginando que o microfone estivesse desligado, o líder negro democrata Jesse Jackson confessou numa entrevista sua vontade de "capar" o candidato de seu partido. Jackson emergiu na cena política como discípulo de Martin Luther King, ao lado de quem estava no fatídico 4 de abril de 1968. Depois do assassinato do homem que tinha um sonho, o possível sucessor substituiu o discurso da igualdade pelo da diferença e converteu-se no pólo de articulação das políticas de discriminação reversa no Partido Democrata. Seu desejo de extirpar a masculinidade de Obama deriva do que escreveu o senador por Illinois: "Eu não acredito em políticas baseadas na raça."

Não foi Jackson, nem o Partido Democrata, quem deflagrou as modernas "políticas baseadas na raça" nos EUA, mas o presidente republicano Richard Nixon, com uma série de ordens executivas emitidas entre 1969 e 1971. Essas diretivas usaram pela primeira vez a expressão "ação afirmativa" com o significado de discriminação reversa. Elas desdobraram o discurso do "black capitalism", de outubro de 1968, no qual Nixon anunciou um programa de preferências raciais na contratação de empresas pelo governo federal. Dali em diante, as políticas raciais transformaram-se em algo como um consenso bipartidário e numa ferramenta de acesso ao eleitorado negro.

Clinton, o "primeiro presidente negro", sustentou as preferências raciais diante de veredictos da Corte Suprema e de um movimento crescente de opinião pública contrários à doutrina de que as pessoas devem ser avaliadas pela cor da sua pele. Obama representa uma ruptura com essa doutrina e uma retomada do fio perdido desde o assassinato de Martin Luther King. Ele só é negro se descontarmos a sua posição política - ou se acreditarmos no mito da raça até o ponto extremo de descartar a identidade que ele mesmo proclama.

Obama declara-se mestiço: "Eu sou filho de um homem negro do Quênia e de uma mulher branca do Kansas. Fui criado com a ajuda de um avô branco, que sobreviveu à Depressão para servir no Exército de Patton, e de uma avó branca, que trabalhou numa linha de montagem de bombardeiros no Forte Leavenworth. Sou casado com uma americana negra que carrega nela o sangue de escravos e proprietários de escravos, uma herança que transmitimos a nossas duas preciosas filhas. Tenho irmãos, irmãs, sobrinhos, tios e primos, de todas as raças e tons de pele, espalhados por três continentes." Identidade é opção, não destino biológico. Obama poderia ter escolhido uma identidade "afro-americana", selecionando os ancestrais relevantes para essa opção. Mas decidiu selecionar todos os ancestrais e, fazendo-o, desafia o mito da raça, que recobre como uma cinta de aço a sociedade americana.

Não há correspondência rigorosa para a palavra mestiço na língua inglesa. Nos EUA, até o fim da Guerra Civil, censos estaduais identificavam "mulatos", mas as leis antimiscigenação, passadas quando as elites sulistas restauravam seu poder, cancelaram por completo o registro da mestiçagem. O modelo daquelas leis, formulado na Virgínia, determinava que seriam "negros" todos os que tivessem um único ancestral negro. A chamada regra da gota de sangue única dividiu os americanos em "raças puras" (um ideal, aliás, perseguido no Brasil do século 21 pelos nossos fanáticos da raça). Ao se identificar como mestiço, Obama explode um dogma enraizado na história dos EUA. A sua vitória na Virgínia, sugerida pelas pesquisas, valerá 1 milhão de palavras.

Obama apresentou-se não como um candidato negro, mas como um candidato pós-racial. A mesma regra da gota de sangue única que, durante 90 anos, funcionou como alicerce lógico da segregação racial foi adotada pelos promotores das políticas de discriminação reversa no final da década de 1960. Para distribuir cotas raciais nos contratos públicos, no mercado de trabalho e nas universidades é eficiente colar um rótulo de raça em cada cidadão. Obama não falou de raça, mas de pobreza, mudança, coesão social e oportunidade. Impor-lhe uma etiqueta racial configura uma tentativa de salvar a moribunda regra da gota de sangue única.

"Ele é diferente de nós" - a insinuação racista pairou como um espectro sobre Obama durante as primárias e a campanha presidencial. A entrada em cena de Sarah Palin marcou o início de uma nova linha de ataque: à idéia do "estrangeiro racial" somaram-se as do "estrangeiro religioso" (o "muçulmano" Barack Hussein Obama) e do "estrangeiro político" (um radical que circula entre terroristas). Quando Colin Powell, enojado pelo odor da intolerância, rompeu com seu partido para declarar apoio a Obama, Rush Limbaugh, o radialista da direita fanática, atribuiu o gesto à solidariedade de raça. Essa gente mataria, se ainda pudesse.

Jesse Jackson candidatou-se duas vezes às primárias democratas como representante dos "afro-americanos". Obama candidatou-se como um americano, simplesmente. Se as sondagens não estão equivocadas de um modo trágico, a aplastante maioria do eleitorado ignorará a cor da pele na hora de votar, sufragando o democrata ou o republicano em razão de um julgamento exclusivamente político. Esta será a novidade verdadeira de um 4 de novembro que, por isso, ficará inscrito para sempre na história americana. A manchete errada esvaziará o sentido do evento, refletindo a sedução doentia do mito da raça, que os eleitores remeteram ao passado.

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