Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 28, 2008

MARCOS LISBOA A crise e a reação


Nos bons tempos, erros custam pouco e podem passar despercebidos; em tempos ruins, podem ser implacáveis

GRAVES CRISES econômicas costumam ser generosas com os historiadores, porém não muito com os gestores de política econômica. Com o tempo, o desenvolvimento de técnicas de análise e o acesso a novos dados permitem conhecer melhor suas causas e desdobramentos. Inevitavelmente, reavaliam-se as políticas adotadas como reação à crise, que, muitas vezes, resultaram em conseqüências inversas às pretendidas, prolongando e agravando as dificuldades que procuravam superar.
A explicação clássica sobre a crise de 1929, por exemplo, sugere que escolhas de política econômica foram responsáveis pela transformação de conjuntura difícil em depressão. A deflação em regime de câmbio fixo teria agravado a crise do sistema financeiro e, em seqüência, aprofundado a retração dos demais setores.
Recentemente, novas pesquisas têm reduzido a importância da condução da política monetária e da crise financeira na recessão inicial, explicada, em boa medida, por uma queda da produtividade. O prolongamento da crise, porém, pode ter sido uma infeliz conseqüência do New Deal. A intervenção pública teria impedido o ajuste dos preços relativos e, contrariamente ao desejado, prolongado a crise até o fim da década. Boas intenções nem sempre garantem bons resultados.
Em diversas áreas, como a medicina, a inação, muitas vezes, é escolhida quando o diagnóstico é obscuro.
Esse não é o caso da política pública, que constrange muitos gestores a exibir capacidade de reagir, mesmo que não saibam bem o que está ocorrendo nem se o que propõem aliviará ou agravará ainda mais a crise.
A crise atual é grave e as dúvidas sobre suas causas são quase tão numerosas quanto as dúvidas sobre as políticas a serem adotadas. Não há dúvida, porém, de que haverá impacto sobre a economia brasileira.
Seus efeitos reais sobre o volume de comércio internacional e o acesso ao crédito externo significam redução, ao menos temporariamente, da nossa capacidade de crescimento. Tentar negar esses efeitos ampliando os gastos públicos não evita o impacto sobre nossa economia, apenas obriga o setor privado a fazer um ajuste ainda mais severo. Se o governo quer reduzir o impacto da crise sobre o bem-estar social, o aumento da poupança pública é um dos poucos instrumentos que podem colaborar para esse objetivo, pois reduz o custo do ajuste, além de auxiliar a política monetária. Governos não evitam escassez externa, mas podem, ao menos, poupar para que a população não tenha de fazê-lo em seu lugar.
Existe ainda a agenda de correção de antigas distorções regulatórias, herança de tentativas heterodoxas de conduzir a política macroeconômica, com pouco uso das políticas fiscal e monetária. Essas distorções fragilizam a economia, inclusive na capacidade de absorver e se recuperar de um choque externo.
Medidas precipitadas pelo desejo de dissipar a ansiedade diante de dificuldades reais podem produzir resultados indesejados, agravando o que se pretende suavizar. Nos bons tempos, erros custam pouco e podem passar despercebidos. Em momentos ruins, no entanto, podem ser implacáveis. Para satisfação apenas dos historiadores.


MARCOS DE BARROS LISBOA, 43, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (governo Lula) e é diretor-executivo do Unibanco. Escreve neste espaço a cada quatro semanas.

Arquivo do blog