Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 30, 2008

Linha de Passe, de Walter Salles e Daniela Thomas

Um vale de lágrimas

Assim é a vida na periferia de São Paulo, para Linha de Passe


Isabela Boscov


Divulgação
UNIDOS SEMPRE SEREMOS VENCIDOS
Cleuza e seus filhos: eles querem levantar a cabeça, mas o determinismo social vai esmagá-los

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• Trailer

Em Linha de Passe (Brasil, 2008), que estréia nesta sexta-feira, cinco bons atores interpretam com sinceridade os protagonistas de uma história não muito sincera. Sandra Corveloni, premiada em Cannes por este papel, é Cleuza, empregada doméstica e mãe de quatro filhos, grávida do quinto. Os três mais velhos tentam achar seu lugar. Dario (Vinícius de Oliveira, de Central do Brasil) quer ser jogador de futebol, mas não passa nas "peneiras". Dênis (João Baldasserini) é motoboy e pai de um menino, que não ajuda a sustentar porque não quitou a motocicleta. Dinho (o excelente José Geraldo Rodrigues) virou evangélico e trabalha como frentista para um patrão grosseiro. Reginaldo (Kaíque de Je-sus Santos), o caçula, é filho de um motorista de ônibus negro – e, como não conhece o pai nem se parece com os irmãos, sente-se um estranho. Cleuza enfrenta dificuldades adicionais: a patroa não a registrou e agora quer substituí-la, pelo menos até ela dar à luz. Nada vai bem para ninguém. E ainda vai ficar muito pior, para que os diretores Walter Salles e Daniela Thomas possam expor suas teses.

A despeito do estilo semido-cumental, as desditas dessa família têm o ar inconfundível das coisas impostas pelos criadores às suas criações com certos propósitos – aqui, evocar aquele mundo caro à ficção nacional, no qual os pobres podem até tentar levantar a cabeça, mas serão sempre esmagados. Para carregar nas tintas, é preciso suprimir os meios-tons. Cleuza e seus filhos são descritos em detalhes; os outros personagens são tracejados, para que se possa preenchê-los como a ocasião requer. A patroa que parece gentil depois se revelará, fora de cena e por implicação, uma péssima patroa. Dario é apresentado às drogas por amigos de classe média. O pastor promete a Dinho milagres que nunca acontecerão. O auge vem quando Dênis, o motoboy, comete um assalto e, na fuga, bate em um SUV. Ele entra nesse símbolo do excesso e ameaça de morte o motorista, que usa terno. Dênis não está armado; o motorista não sabe disso, mas o espectador sabe, e os diretores calculam que esse dado, mais o fato de que afinal a vítima é libertada, basta para que se desculpem o rompante e a frustração de Dênis. Não é demais ressaltar, num filme ou fora dele, que a desigualdade social brasileira resulta em grande parte de insensibilidade. Mas pedir que se dirija o dó ao assaltante é um outro tipo de insensibilidade. É imaginar que o cidadão de classe média é sempre um pequeno-burguês reacionário que explora alguém e não deve queixar-se ao virar caça; e que quem vive sem dinheiro está escusado por eventuais falhas no sentido de moralidade. Isso é determinismo. E aplicá-lo a um personagem não é compreendê-lo ou aceitá-lo. É desumanizá-lo.

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