Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 26, 2008

VEJA Entrevista: Cory Booker

Ele está vencendo o crime

O prefeito da cidade com mais brasileiros nos Estados 
Unidos dá prêmio em dinheiro a quem entregar bandidos 
e diz que vale copiar experiências boas de qualquer lugar


André Petry, de Newark

Gilberto Tadday

"Viramos a cidade que mais
reduz os crimes violentos 
em todo o país"

Cory Booker, 39 anos, é prefeito da capital brasileira nos Estados Unidos: Newark, em Nova Jersey. Os cerca de 30 000 brasileiros que moram no local compraram 60% de todas as residências vendidas na cidade nos últimos anos. Ele governa mais brasileiros do que 4000 de nossos prefeitos. É uma estrela em ascensão na política americana. Em 2002, sua campanha para a prefeitura de Newark, uma das cidades mais pobres e violentas dos EUA, acabou em derrota, mas virou um documentário indicado ao Oscar. Em 2006, Booker ganhou, com mais de 70% dos votos. Está no meio do mandato e já tem um sucesso vistoso: reduziu drasticamente a taxa de crimes violentos. Booker faz parte da primeira geração de políticos negros que era jovem demais – ou nem nascida – para ter participado da luta contra o racismo nos anos 60. Colega de Barack Obama, ele sempre aparece na lista dos cotados para ministro no caso de vitória do democrata. "Ninguém me tira daqui", diz. Formado em direito por Yale e filho de pais bem-sucedidos, ambos executivos da IBM, Booker é solteiro, não bebe, não fuma e é vegetariano desde 1992. Numa cidade ainda violenta, Booker anda com segurança 24 horas por dia.

Os comentaristas políticos dizem que, se Barack Obama for eleito presidente, o senhor trocará o título de prefeito pelo de ministro. Ministro? Talvez eu pudesse ser o mordomo. Eu poderia abrir a porta e saudar as pessoas: "Bem-vindas à Casa Branca". Não, não. Ninguém me tira daqui. Estou há dois anos no comando da prefeitura, tenho mais dois anos pela frente e serei candidato à reeleição.

O senhor tem conversado com Obama? Nos últimos tempos, não. Obama está muito ocupado. Não quero nem vou incomodá-lo. Antes da campanha, vínhamos conversando de vez em quando. Não somos amigos que se ligam para ir ao cinema no fim de semana. Ele nunca me convidou para tomar uma cerveja, mesmo porque não bebo. Mas Obama é um colega, um companheiro. Tenho grande afeição por ele. Quando li a sua autobiografia, A Origem dos Meus Sonhos, vi partes da minha própria história.

Nos anos 80, Obama mudou-se para Chicago para fazer trabalho comunitário. Nos anos 90, o senhor fez o mesmo, em Newark. Inspirou-se no trabalho dele?Nem sabíamos da existência um do outro. Só fomos ouvir falar um do outro quando entramos para a política e a imprensa começou a escrever sobre as nossas semelhanças.

O que muda no fato de ser um político negro e não ter lutado pelos direitos civis nos anos 60? Sou tudo o que sou por causa do sacrifício daquela geração, o que me permitiu freqüentar escolas de primeira linha e desfrutar uma série de privilégios. Nossa geração se beneficiou daquela luta e, hoje, sentimos a obrigação de retribuir algo do que recebemos por meio da ação política. É o meu caso, é o caso de Obama e de outros, como Harold Ford Jr. (ex-deputado do Tennessee), Artur Davis (deputado do Alabama), Adrian Fenty (prefeito de Washington).

Vocês são todos jovens, nascidos entre os anos 60 e 70, negros e democratas. Formam um grupo, costumam se reunir, discutir política? Não somos um grupo no sentido formal, mas, informalmente, sim. Na primeira vez em que o encontrei, Obama já veio logo brincando comigo e dizendo que eu ficasse fora das reportagens que a imprensa publica sobre ele. Naquela altura, porque éramos associados pela imprensa, já estávamos familiarizados uns com os outros. De lá para cá, nossos laços se estreitaram.

Quando se mudou para Newark, em 1995, por que o senhor escolheu um dos lugares mais pobres da cidade para viver? Para fazer diferença numa comunidade, é preciso conhecê-la. Meu sonho era participar da transformação de uma vizinhança pobre e degradada. Quando me mudei, não foi um sacrifício no sentido óbvio. Na verdade, encontrei uma ligação com aquela comunidade, estabeleci um laço, descobri um sentimento de pertencimento.

Ninguém o acusou de demagogo por ir morar com os pobres? Só depois que entrei para a política. Quando eu vivia lá como um jovem advogado, tentando organizar a comunidade, ninguém me acusava de nada.

Quando o senhor assumiu a prefeitura, Newark era a cidade mais violenta do país. Como reverteu esse quadro? O primeiro desafio é despertar a comunidade para seu potencial. Por muito tempo, os moradores de Newark toleraram crimes demais, toleraram um governo que não lhes prestava serviço. Os habitantes da cidade não exigiam do governo, nem de si mesmos ou de seus vizinhos. O primeiro desafio, então, é despertar as pessoas para o sucesso possível, sepultar o cinismo, o ceticismo. Viver numa comunidade não é como assistir a um jogo de futebol, em que nos sentamos e esperamos as coisas acontecerem no campo.

A comunidade despertou estimulada apenas por sua retórica? Vivemos grandes momentos no meu primeiro ano na prefeitura, mas houve um ponto de virada. Foi o homicídio de três jovens universitários em agosto de 2007(sob a mira dos assassinos, os jovens foram levados até um muro de concreto, ali se ajoelharam e foram executados, de costas, com tiros na cabeça). Foi um choque, e deu-se então a virada. Diante daquela brutalidade, a cidade podia entregar-se ao desespero, à raiva, à frustração, ou pegar uma estrada diferente. E pegou. As pessoas arregaçaram as mangas, ofereceram-se para realizar trabalho voluntário, doar dinheiro, fazer parceria com a cidade. A mudança foi extraordinária. Hoje, somos a cidade que mais reduz a taxa de crimes violentos nos EUA. No ano passado, ela caiu 5% ou 6%. Neste ano, a queda já está em torno de 37%, 38%. Os outros prefeitos agora nos perguntam o que fizemos para reduzir tanto a criminalidade.

O que o senhor responde? Não há resposta simples ou fácil. Além de despertar a comunidade, é preciso conjugar uma gama ampla de estratégias. Nós contratamos mais policiais, engrossamos o turno da noite, que é quando acontecem os crimes, e mudamos os lugares de plantão para onde os crimes de fato ocorrem. Criamos uma equipe que acompanha o pessoal em liberdade condicional, para evitar que cometam novos crimes e voltem para a prisão. Criamos a divisão de combate ao narcotráfico, porque percebemos que o tráfico de drogas está por trás dos crimes violentos. Investimos em tecnologia para ter uma ampla base de dados. Acabamos de instalar uma centena de câmeras pela cidade.

O senhor tem algum exemplo de participação direta da comunidade que esteja fazendo diferença? Hoje mesmo tivemos um belo exemplo. Há um ano, começamos a dizer que era preciso transformar os espaços verdes de Newark para valorizar nossas crianças. A cidade estava cinza, feia, as quadras de esportes estavam quebradas. Mas a prefeitura não tinha dinheiro. Então, reunimos empresários, vizinhos, filantropos, e conseguimos criar um fundo de 40 milhões de dólares. Hoje, lançamos a campanha de renovação dos parques. Até o fim do ano, alguns já estarão reformados. Isso é animador.

Além de violenta, Newark tem um quarto da população abaixo da linha de pobreza. Como um prefeito pode combatê-la? Discordo da idéia de que a pobreza compete ao governo federal. Essa idéia é disseminada, mas, no Brasil mesmo, as coisas não são assim. Quando eu ainda pensava em ser prefeito, conheci Jaime Lerner, então prefeito de Curitiba, na Universidade de Virgínia. Fiquei tão impressionado com o trabalho dele que dois anos depois visitei a cidade. Lerner reduziu a pobreza em Curitiba, atacou o problema ambiental, porque o assumiu como responsabilidade sua. Em Curitiba, aprendi como um líder pode fazer diferença no nível local. Nos Estados Unidos, prefeitos podem fazer mais do que senadores e deputados. Em Newark, temos problemas nacionais, globais, mas é preciso ser criativo.

Dê um exemplo de criatividade. Vou contar o que considero um dos meus maiores sucessos. Criamos quase 4 000 empregos para moradores de Newark, sem abrir nova vaga no serviço público nem atrair nova empresa para a cidade. O que fizemos? Chamamos os empresários instalados aqui e perguntamos a eles por que contratavam milhares de pessoas, mas não contratavam gente de Newark. Era um problema de qualificação de mão-de-obra. Então, o dinheiro que gastávamos em treinamento de trabalhadores estava indo pelo ralo. Destinávamos muito dinheiro a empresas que davam cursos de qualificação, mas, no fim, os trabalhadores iam para casa com um papel na mão e sem emprego. Só 5% dos treinados conseguiam uma vaga. Pegamos o dinheiro e começamos a treinar as pessoas para trabalhar nas empresas instaladas em Newark. Na Continental Airlines, só 7% dos empregados eram daqui. Agora, são quase 30%. Eu bati à porta deles. Fui à sede da Continental em Houston, no Texas. Fiz isso com várias empresas para entender o problema. A Cablevision, empresa de TV a cabo, não encontrava gente qualificada para trabalhar no seu call center. Junto com a empresa, montamos um treinamento específico. Centenas de moradores de Newark já ganharam emprego no call center da Cablevision.

Qual é o melhor prefeito dos Estados Unidos? Michael Bloomberg, de Nova York.

O senhor é democrata e acha que o melhor prefeito do país é um republicano que agora se declara sem partido? Sim. Ele não é um modelo para mim porque suas circunstâncias são diferentes. Uma cidade com 8,3 milhões de habitantes é um país. Newark tem 300 000. Mas nós copiamos coisas que Bloomberg fez, como o estímulo à denúncia contra o crime. Agora, em Newark, um morador pode ligar sem se identificar, fazer a denúncia, e lhe damos quatro números. Se a polícia pega o denunciado, o morador telefona de novo e recebe mais quatro números. A seqüên-cia de oito números é uma senha com a qual ele saca 1 000 dólares de recompensa num terminal bancário, sem se identificar. Em Nova York, eles dão 500 dólares; nós damos 1 000. Copiamos coisas de outras cidades também. Numa delas, havia um programa que treinava pais ex-detentos a cuidar dos filhos. Era relevante, porque esses pais voltam para casa e não sabem como lidar com os filhos, que acabam nas ruas reproduzindo uma herança de crimes. Sou do tipo que, antes de reinventar a roda, olha em torno. Não importa que a novidade venha de Curitiba, no Brasil, ou de São Francisco, na Califórnia. Se for boa, copio, adapto. Quero transformar Newark no Vale do Silício da inovação urbana.

Newark tem mais brasileiros do que muita cidade brasileira. O que os eles têm de melhor? A comunidade brasileira apoiou minha candidatura à prefeitura, pelo que sou muito grato. Agora, o melhor dos brasileiros são eles mesmos, as pessoas em si. Os brasileiros têm energia, têm um espírito vibrante que me inspira, me alegra.

E o que têm de pior? O mais frustrante para mim é o clima de hostilidade em relação aos imigrantes que se criou no país, sobretudo depois do 11 de Setembro. Isso afeta a comunidade brasileira, porque parte dela não está legalizada. É frustrante, porque somos um país de imigrantes, cujas portas foram abertas para a energia, as idéias, os recursos de fora. Newark também é uma cidade de imigrantes. Temos irlandeses, italianos, judeus, latinos, portugueses, brasileiros, afro-americanos que migraram do sul do país para cá. Nós mesmos cometemos um erro. Um policial pediu a um brasileiro na rua para mostrar seu green card (visto permanente de imigração). Isso é inadmissível. Um policial não pode fazer com que uma pessoa, esteja ela legal ou ilegalmente no país, se sinta insegura para cooperar com a polícia. O incidente passou uma mensagem muito equivocada à comunidade brasileira. Peço desculpas.

O senhor fala português? Não falo português (ele responde em português). Hablo español. No hablo perfecto y tengo que practicar. Os brasileiros entendem o pessoal que fala espanhol, mas o pessoal que fala espanhol não entende os brasileiros. Não é interessante?

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