Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 27, 2008

l Merval PereiraO mundo real

NOVA YORK. Esse mundo novo multipolar de que o candidato democrata à da República dos Estados Unidos Barack Obama falou para a multidão européia, onde a solidariedade entre os antigos e novos aliados derrubaria os muros de preconceitos, é que está em jogo nas negociações da Rodada de Doha em Genebra, onde o mundo tenta encontrar meios de avançar na liberação comercial para enfrentar a crise econômica e de alimentos que o afeta. Nesse ponto, o partido de Obama tem mais dificuldades que os republicanos, tradicionalmente mais abertos comercialmente. No discurso de Berlim, por exemplo, Obama defendeu o livre comércio, mas apenas se os acordos forem “livres e justos para todos”.

McCain já votou contra os subsídios ao milho para fazer o etanol americano, e teve coragem de dizer isso ainda nas primárias em Iowa, terra dos grandes produtores.
E o partido republicano apóia o programa de etanol brasileiro, com um acordo assinado entre os governos Bush e Lula. Obama, ao contrário, votou a favor dos subsídios e coloca o etanol produzido com milho como uma das opções para o programa americano de combustíveis alternativos.
Mesmo que se chegue a um acordo em Genebra, nas negociações da Organização Mundial do Comércio, o Congresso americano dominado pelos democratas pode vetálo, pois reduziria os subsídios já aprovados. Até mesmo com relação à Europa existem divergências sérias em termos de subsídios, seja na agricultura seja nas disputas industriais entre grandes consórcios, especialmente na área de aviação.
O fim do mundo unipolar dominado pelos Estados Unidos foi descrito por Richard N. Haas em recente artigo da revista “Foreign Affairs”.
Presidente do Council on Foreign Relations — que edita a revista —, uma entidade não-partidária com sede em Nova York, considerada uma das mais influentes em matéria de relações internacionais nos Estados Unidos, ele entende que o momento hegemônico dos Estados Unidos está superado e o século XXI será marcado por um poder mais difuso, e a influência dos Estadosnação declinará em função do aumento da influência de atores não-estatais.
Esse novo mundo vai exigir do futuro presidente americano uma capacidade de dividir o cenário internacional com “dezenas de atores possuindo e exercendo poderes de diversas maneiras, inúmeros centros com poderes específicos importantes”, entre eles ONGs, organismos internacionais e países emergentes. Por enquanto, no entanto, o governo americano parece não estar disposto a abrir mão desse poder todo, e nem há sinais de que o futuro presidente, seja ele quem for, o faça.
Na recente reunião do G-8 no Japão, Estados Unidos e Itália se uniram para vetar sua ampliação, com a inclusão de países como o Brasil, África do Sul, Coréia do Sul e Índia, proposta pela França.
O candidato republicano John McCain, em recente entrevista ao “Estado de S.
Paulo”, deu um passo à frente e se disse favorável à entrada do Brasil e outros países no G-8, mas vetou a ampliação do Conselho de Segurança da ONU.
O professor de História da Universidade de Nova York Tony Judt, autor do recémlançado no Brasil “Pós-Guerra”, falando à coluna disse que a Itália sob Berlusconi “não pode ser levada a sério, infelizmente”. A explicação para o veto seria que “a Itália vem a ser o ‘big boy’ do G-8, situação que seria desfeita se outros entrassem. E já que a Itália não é player considerável em outros organismos, o país prefere manter o G-8 exclusivo”.
Mas ele adverte: “Não tenhamos ilusão com relação a Sarkozy: a França é opositora ferrenha de abrir espaço no Conselho de Segurança da ONU para países como o Brasil e Índia, já que isso reduziria o espaço da Europa como apenas um lugar no Conselho”.
Por outro lado, lembra Judt, “a administração Bush já é um ‘lame duck’ (“pato manco”), expressão em inglês que identifica um governante enfraquecido) e reluta em tomar posições difíceis; talvez a exceção seja se Israel bombadear o Irã”. Ele acha que também Obama não se oporá a uma expansão do G-8, mas considera que “trazer Índia e Brasil para dentro do Conselho de Segurança da ONU não terá o seu esforço”.
Para o historiador Tony Judt, o republicano McCain “é menos sofisticado do que aparenta, e a área econômica é sua maior fraqueza. Duvido que ele tenha pelo menos pensado no G-8. Seus comentários sobre ‘Guerra de cem anos’ no Iraque e a confusão que fez entre sunitas e xiitas sugerem um homem que pode ser mais simpático ao multilateralismo do que Bush, mas não entende realmente isso”.
Na avaliação de Judt, “vai levar um longo tempo para que essa idéia de multilateralismo prevaleça, e desde que Rússia e China têm razões próprias para se comportar mal em temas como o Sudão ou Zimbábue, os conservadores na Europa e nos EUA continuarão a argumentar que quanto menos países poderosos tivermos, melhor”.
Ele considera que “o Brasil e talvez a Índia são mais bem vistos como potenciais aliados do que as oligarquias autoritárias da Russia ou da China, mas vai levar um longo tempo para os Sarkozys do mundo aceitarem isso. Ele, por exemplo, não consegue ainda nem perceber como é autodestrutivo forçar a Turquia para fora da Europa”.
Também Richard Haas, do Council of Foreign Relations, falando à coluna, diz não acreditar na ampliação do Conselho de Segurança da ONU, embora considere que seria uma medida necessária.

“Acredito que Brasil e outras nações como Índia, África do Sul, Coréia do Sul, Japão, devem ser mais incluídas nas discussões internacionais.
Mas não sou otimista com relação ao Conselho de Segurança da ONU, que considero quase impossível por causa da política”. Para ele, “é mais fácil abrir o G-8, ou criar novas instituições. Precisaríamos ser criativos, flexíveis”.

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