Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 27, 2008

18 anos de rombo fiscal Suely Caldas*

"Isso vai estourar neste governo ou não? - indagou o líder do governo na Câmara dos Deputados a um assessor do então ministro Delfim Netto, em reação às projeções que apontavam para o agravamento futuro do problema previdenciário... em 1982!" Foi com essa lembrança que o economista Fábio Giambiagi encerrou recente exposição na Casa das Garças, onde fez um balanço dos últimos 18 anos de política fiscal no Brasil.

Passados 26 anos, as contas da Previdência estouraram todos os anos. E não só da Previdência. Todos os grandes itens que compõem o Orçamento da União (entre eles, pagamento de funcionários ativos e inativos e transferências financeiras para Estados e municípios) também estouraram. Entram e saem governos, o rombo fiscal se robustece e nenhum presidente decide adotar um programa firme e sério para começar a reverter tal situação.

Os números são da Secretaria do Tesouro, organizados por Giambiagi: na gestão Itamar Franco, as despesas do governo central somaram 15,08% do PIB; nos oito anos de FHC já chegavam a 18,63%; e em seis anos de Lula, até o final de 2008, a previsão é de saltar para 22,09% do PIB. Ou seja, em nenhum ano o setor público deu trégua aos brasileiros e exige cada vez mais dinheiro de impostos para saciar seus gastos. Tanto que Itamar Franco iniciou o governo com uma carga tributária de 24,4% do PIB e Lula deve encerrar 2008 com 35,8%. Isso significa, leitor, que todos os meses o trabalhador brasileiro entrega ao governo 35,8% de seu salário, em forma de pagamento de impostos.

Item que influencia fortemente o rombo fiscal, a preocupação com a Previdência desde 1982 denuncia que o diagnóstico é tão antigo quanto a falta de determinação dos sucessivos governos para resolver o problema. FHC tentou e só conseguiu produzir o fator previdenciário; Lula fez uma meia-sola de reforma, que em nada aliviou o rombo. Na quinta-feira, o governo anunciou que no primeiro semestre deste ano o déficit foi 17,5% menor do que em 2007 e reduziu de R$ 42 bilhões para R$ 38,5 bilhões a previsão até dezembro.

Seria uma queda consistente e duradoura? Não, porque são números que refletem uma conjuntura de crescimento da economia, do emprego e da arrecadação previdenciária, e que pode ser revertida se a crise mundial atingir o Brasil com mais força, como temem analistas e investidores. Não decorrem de regras de aposentadoria que garantam resultados cadentes, seja qual for a conjuntura. Giambiagi reconhece que o cenário de crescimento a taxas de 4% a 5% favorece e evita um colapso nas contas públicas por conta da Previdência. "Mas é necessário mudar a estrutura, porque a conjuntura não será favorável para sempre", adverte o economista.

O dilema é que o governo Lula não tem aproveitado os últimos cinco anos de vacas gordas, de arrecadação tributária crescente e de popularidade política do presidente para fazer o que precisa ser feito: equilibrar as contas do governo, reduzir a dívida pública e recuperar para o Estado a condição de investidor em infra-estrutura. O governo administra os recursos financeiros no estilo mão para a boca, de forma imediatista: se há uma sobra de caixa, arranja logo um jeito de gastá-la; se há falta de recursos, aumenta impostos. É um estilo que atrofia o desenvolvimento e impede que o País cresça de forma sustentada e contínua por muitos anos. A China cresce há mais de 20 anos porque poupa 45% do que produz; o Brasil, só 17%, e não sai disso há anos.

Quer ver exemplos? Na quarta-feira, o Banco Central elevou a taxa de juros Selic em 0,75%, para 13% ao ano. Nos últimos seis meses, a dívida pública cresceu R$ 74,8 bilhões só por conta do aumento da Selic. Ora, se o governo precisa elevar juros para combater a inflação, a lógica é economizar gastos para pagar o impacto dos juros na dívida. Mas o governo Lula não age assim.

Levantamento feito pelo deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP) mostra que só em 2008 os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário criaram mais de 56 mil cargos, dos quais 10.375 serão preenchidos em 2008 e 45.068 entre 2009 e 2012. Ou seja, além de criar uma nova e gorda despesa, Lula cumpre o ritual dos velhos caciques políticos: conquista simpatia popular fazendo concurso público, mas espeta a conta para o próximo governante pagar.

Adormece no Congresso Nacional - sem nenhum interessado em despertá-lo - projeto do próprio governo Lula que fixa um teto de 1,5% acima da inflação para o aumento de gastos do governo. Aprová-lo seria um bom começo.

*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio (sucaldas@terra.com.br)

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