Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, junho 27, 2008

Míriam Leitão - Dupla face



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
27/6/2008

Esta não é uma conjuntura econômica simples. Por um lado, o país vive a sensação da animação com a economia crescendo, aumentando investimentos, diminuindo a taxa de desemprego; por outro, a inflação está subindo, assim como os juros, o déficit em transações correntes reapareceu, o mundo vive um surto inflacionário e um choque de petróleo. Que remédios usar num contexto assim?

Conversas com empresários de qualquer área mostram sempre a mesma dupla face da economia: as vendas crescendo, empresas com dificuldades de atender à demanda e, por outro lado, a pressão de preços e custos. O governo tem dado sinais contraditórios: aumentos de gastos e juras de manutenção da política de combate à inflação; diagnósticos superficiais sobre riscos inflacionários e altas nas taxas de juros.

Entrevistei dois economistas com visões diferentes no "Espaço Aberto", da Globonews. Ambos estão preocupados com a alta dos preços, mas vêem de forma diferente a ação do Banco Central sobre a expansão do crédito e têm avaliações distintas sobre os riscos do déficit em transações correntes.

O ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola acha que o BC deve evitar qualquer medida artificial de controle do crédito, mesmo reconhecendo que essa é uma das razões do aquecimento da demanda. Ele acredita que tentativas de controlar o mercado de crédito acabam gerando distorções que levam a novas tentativas frustradas de regulação. Acha que o mercado se ajustará, pois os próprios bancos acabarão restringindo o crédito.

O professor Luiz Gonzaga Belluzzo vê um risco de aumento rápido da inadimplência; e acha que o Banco Central não pode acreditar que o mercado resolverá isso sozinho. Lembra que, nos Estados Unidos, foi exatamente a falta de atuação do Fed que permitiu as inúmeras distorções que levaram à atual crise de crédito. Belluzzo considera que há uma distância enorme entre os excessos que ocorreram lá e os primeiros problemas aqui, mas acredita que a regulação do BC pode prevenir uma crise de inadimplência.

Os números de conta corrente deixam Belluzzo desconfortável, mas Loyola acha que o câmbio flutuante é suficiente para reequilibrar a conta corrente e que agora o déficit está sendo financiado pela entrada de investimentos externos. Belluzzo pondera que, se o câmbio flutuante resolvesse sozinho, o dólar deveria estar subindo, já que o déficit externo reapareceu.

Ambos concordam que o governo deve cortar gastos para ajudar a política monetária e que os juros têm, sim, que subir neste momento. Para Loyola, o governo deveria perseguir a meta de déficit nominal zero; Belluzzo lembra que isso é mais difícil agora, com os juros subindo, o que vai elevar os gastos do governo. Na opinião dele, o Banco Central perdeu chances no passado, quando tudo estava bem, de derrubar mais fortemente a taxa de juros. Isso evitaria a apreciação forte do real e poderia evitar também o atual déficit em conta corrente. Loyola discorda do reajuste do Bolsa Família neste momento em que o país precisa esfriar o consumo para reduzir o risco inflacionário. Belluzzo acha o reajuste correto, mas discorda da generosidade com que o governo elevou os salários de algumas categorias profissionais do setor público.

Nos últimos anos, os consensos entre os economistas aumentaram, mas, em épocas assim, de decisões difíceis, as divergências voltam. Belluzzo faz parte do conselho de economistas que o presidente Lula reúne para analisar a situação econômica. Conta que lá também há divergências, explicitadas claramente, apesar de dois dos participantes serem o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central. Belluzzo, que no passado já esteve em lado oposto ao do então ministro Delfim Netto, diz que concorda cada vez mais com ele.

O debate deve ajudar o governo nas decisões a tomar nos próximos meses. Não há fórmula mágica, e algumas medidas que parecem certas levam a muitas distorções. Os perigos que estão à espreita não podem ser negligenciados. O déficit em conta corrente aumentou mais rápido que os economistas imaginaram, mas já está caindo. Ainda que o BC tenha elevado para US$21 bilhões a sua previsão de déficit para este ano, quando se compara o déficit de cada mês, nota-se que ele está perdendo o fôlego. Há alguns sinais de arrefecimento da demanda, como o nível de atividade da indústria paulista, divulgado ontem. O desemprego continua caindo. O dado de ontem, de maio, de 7,9%, é cinco pontos percentuais mais baixo que o de maio de 2004. Mas o risco, em um mercado de trabalho aquecido, é de religar o círculo de reajuste para compensar a inflação, o que leva a mais inflação.

O choque inflacionário é, em parte, global, contudo chegou ao Brasil quando o crescimento estava se acelerando. É global, mas o combate a ele tem que ser local.

O Banco Central reviu a previsão de inflação do ano para longe do centro da meta, mas ainda na banda de flutuação: 6%. Mas sinais de pressão são vistos em outros índices. O IGP-M que será divulgado hoje pode ficar perto de 2%. Se assim for, levará a inflação acumulada em 12 meses a superar 13%. Esses são tempos desafiadores e escorregadios. Qualquer erro na condução da política econômica é mais perigoso agora do que quando o mundo parecia viver o tempo sem risco do crescimento sem inflação.

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