Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 28, 2008

MILLÔR

O mundo informatizado está cada vez mais ignorantizado.

Informações e queixas sobre o tal assalto em via pública e notória

Todas as declarações contidas neste formulário devem ser feitas com rigor e respeito à verdade pois o signatário pode ser julgado por elas. O criminoso também, no caso de ser identificado, descoberto, preso, e desde que não pertença aos emergentes sociais, aos quadros da polícia ou de quaisquer forças armadas. Outrossim o declarante deve ter em mente que pertence às forças desarmadas. E que quaisquer — única palavra portuguesa com plural no meio — é sempre contra ele. Cop. Apc. Art. 32. Par. II.

I. Nome do queixoso.
Silva, o anonimato assinado.

II. Acontecimento do qual participou.
Agressão, roubo e tudo o mais. Mas não participei. Fui participado.

III. Testemunhas?
Sim. A polícia prendeu um cego vendedor de loteria e um perneta explorador de lenocínio, mas ambos conseguiram escapar. Porém é fácil localizá-los porque um tem licença de banqueiro de bicho pra funcionar no local e outro é apoiado por traficante como avião absolutamente insuspeito.

IV. Está disposto a comparecer à delegacia pra reconhecer seus assaltantes?
Perdão, doutor, o senhor está brincando comigo? Tenho mulher e três filhos.

V. Seus ferimentos ainda são visíveis?
Vestido, não.

VI. O que é que o assaltante lhe tirou?
A carteira, um saco com meio quilo de maconha e três dentes.

VII. O local em que o senhor foi assaltado era bem iluminado?
O suficiente prum dos assaltantes me acertar uma paulada no alto do quengo.

VIII. Outras circunstâncias que possam ajudar a esclarecer o assalto.
Eu estava com minha mulher contando o dinheiro que tínhamos tirado do banco 24 horas. Imprudência a nossa. Essa é a hora em que é maior a fila de assaltantes.

IX. Tomou alguma atitude pra se defender?
Desafiei-os pruma corrida de fundo mas um deles era melhor do que eu na rasa.

X. É a primeira vez que lhe acontece um assalto na rua?
Não. Pra ser exato, é a 54ª vez. Eu anoto.

XI. Por que o senhor nunca deu parte?
E o senhor acha que adianta dar parte? Os assaltantes aceitam. Mas os militares não aceitam menos de 50%.

XII. O senhor acha que é assaltado por deficiências estruturais da sociedade em que vive ou porque não tem sorte?
Eu não tenho sorte de viver na sociedade em que vivo.

XIII. Por que o senhor acha que é tão assaltado?
Confesso que sou imprudente; costumo freqüentar lugares só freqüentados por marginais. Por exemplo, Rio e São Paulo.

XIV. O senhor procurou algum policial depois de assaltado?
Procurei mas não dei sorte. Estavam todos, depois de tantos anos, ainda sendo julgados pela Chacina da Candelária, coitados.

Assine embaixo e entregue ao seu jornaleiro. As queixas darão entrada imediatamente após ser paga a taxa para o Fundo De Proteção Ao Bom Policial Preso Injustamente No Cumprimento Do Dever E Do Haver.

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