Entrevista:O Estado inteligente

domingo, junho 29, 2008

FERREIRA GULLAR Armaram barraco na Providência



O senador esteve lá, quando anunciou seu projeto e comemorou a boa nova com banquete

SOLDADOS DO Exército prenderam três rapazes no morro da Providência e, em lugar de encaminhá-los à autoridade policial, os entregaram a uma quadrilha rival de bandidos do morro da Mineira, que os torturaram, quebraram-lhe pernas, fizeram-nos sangrar e finalmente os executaram com tiros na cabeça. Os soldados teriam recebido, pela colaboração, R$ 20 mil por cada uma das vítimas. Horror maior, mesmo no Rio de Janeiro, é raro. Mas o que faziam aqueles soldados no morro da Providência?
Estavam ali como integrantes de uma tropa do Exército, que executa, juntamente com o Ministério das Cidades, um projeto do senador Marcelo Crivella, intitulado Cimento Social, que consiste em reformar fachadas e tetos de 682 casas daquela favela. O senador, mesmo não sendo do PT, conseguiu que o ministro das Cidades lhe disponibilizasse R$ 12 milhões para a realização do projeto e que o comandante do Exército pusesse à sua disposição uma tropa para garantir a execução das obras numa comunidade infestada de bandidos armados.
Conforme informação da Secretaria Nacional de Habitação, esse é o único projeto, em todo o país, que junta aqueles dois ministérios na consecução de uma obra social. É ter muito prestígio, não acham vocês? Quantos senadores, deputados e mesmo prefeitos e governadores pelo Brasil afora não gostariam de contar com tal apoio para realizar projetos como esse, que tantos dividendos eleitorais devem render?
Agora uma pergunta de curioso: é função de senador da República reformar casas em favelas? Pensei que fosse atribuição de prefeitos, governadores, até mesmo do ministro das Cidades. No entanto, quem aparece como autor da benfeitoria é o senador Crivella que, vejam vocês, por mera casualidade, é candidato à Prefeitura do Rio nas próximas eleições, com o apoio de Lula.
Pois bem, em setembro do ano passado, o senador esteve no morro da Providência, quando anunciou seu projeto aos moradores e comemorou a boa nova com um banquete. Não disse a ninguém que a execução das obras contaria com a garantia de uma tropa do Exército; disso os moradores só souberam, em dezembro, quando as obras começaram e a tropa chegou.
Até a morte dos três rapazes, nenhum fato grave parece ter ocorrido, mesmo porque, ao que tudo indica, estabeleceu-se uma espécie de pacto de não-agressão entre os traficantes e os soldados, permitindo a estes tocar as obras e àqueles vender drogas sem serem incomodados.
Os moradores do morro, revoltados com o bárbaro trucidamento dos três rapazes, foram até o quartel-general do Exército expressar sua indignação. A legalidade e a moralidade do projeto passaram a ser questionadas no Congresso e na mídia. A juíza da 18ª. Vara Federal determinou que o Exército deixasse o morro. Mas a Procuradoria da União (a mando de Lula?) entrou com um recurso contestando a ordem da juíza, que o Exército ignorou, alegando que a ação das tropas limita-se a trabalhos de engenharia e à segurança do canteiro de obras.
Mas isso foi posto em dúvida por um documento confidencial do próprio Exército, divulgado pela imprensa, no qual fica evidente que os soldados foram orientados a realizar ações policiais, inclusive revistando e prendendo suspeitos.
Essas informações punham em má situação o comando do Exército e o próprio governo, que sempre afirmara não caber às Forças Armadas combater a criminalidade nem fazer papel de polícia. De qualquer modo, é função do Exército consertar telhados?
Foi então que o ministro Jobim garantiu que a Constituição atribui às Forças Armadas a defesa também da lei e da ordem. Um sofisma. O parágrafo referido diz que as Forças Armadas "destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de quaisquer deles, da lei e da ordem". É no capítulo que trata da defesa do Estado como entidade nacional, razão por que, quando se refere à defesa da lei e da ordem, é nessa escala, e não no âmbito estadual ou municipal. Obviamente, não cabe ao Exército intervir em arruaças na favela do Pára-Pedro ou policiar o morro da Providência, função do poder estadual e sua polícia.
Deflagrada a crise, Lula não piou. Alguém acredita que Crivella tem poder para mobilizar, sozinho, dois ministérios e o próprio Exército num projeto indiscutivelmente eleitoreiro? Nada se faz no governo

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